No prestigioso periódico científico inglês “The Lancet”, acadêmicos denunciam o desmantelamento das políticas de saúde e sociais no Brasil que o governo Temer vem promovendo e alertam para as futuras implicações das políticas neoliberais de privatização do SUS.
Acessem o texto em inglês aqui.
Abaixo segue a tradução:
Catástrofe na Saúde brasileira
A crise política e econômica que o Brasil vem atravessando tem desviado a atenção do modelo neoliberal de saúde que este governo vem aplicando. A seguir, um breve resumo das reformas na área de saúde e suas prováveis implicações no longo prazo. As novas políticas de saúde podem ser vista através de três lentes: a austeridade, a privatização e a desregulamentação.
Em primeiro lugar, o governo brasileiro lançou um dos mais duros pacotes de medidas de austeridade da história moderna. A emenda constitucional aprovada em dezembro de 2016, a PEC¬55, congela o orçamento federal – incluindo os gastos com saúde – nos níveis de 2016 por vinte anos.1 Além disso, em 2017, pela primeira vez em 30 anos, o governo gastou abaixo do mínimo orçamentário estipulado pela Constituição (R$ 692 milhões a menos). Outros setores associados à saúde, como educação e ciências, também sofrem cortes de gastos, que chegam a 45% para a pesquisa científica e 15% nas universidades públicas.
O governo brasileiro vem gradativamente reduzindo planos de proteção social essenciais, como o Brasil Sem Miséria, que dá ajuda financeira e acesso a bens e serviços básicos para populações vulneráveis, por meio de 70 programas especializados. Há cortes orçamentários em muitos programas de assistência social, de saúde preventiva e de redução de desigualdades.
Em 2017, mais de 1 milhão de famílias foram excluídas do Bolsa Família, cujo objetivo é erradicar a pobreza e a fome através de transferências condicionais de renda para as famílias mais pobres. De acordo com o prognóstico feito por Rasella et al., as medidas de austeridade que impactam o programa devem levar a um aumento da morbidade e mortalidade infantil na próxima década.8 O Pronaf, programa voltado para educação rural, abastecimento de água e geração de empregos, foi um dos principais responsáveis por retirar o país do mapa da fome da FAO, e agora encontra-se gravemente comprometido.1 O financiamento do Programa Cisternas, que dá acesso a água potável a comunidades rurais mais pobres, foi reduzido em mais de 90%. Dado que uma das causas principais da violência nas comunidades rurais é a falta de acesso à água, a perda deste programa ameaça significativamente a segurança destas comunidades. O Programa de Aquisição de Alimentos, que compra alimentos da agricultura familiar para distribuir aos mais pobres também foi reduzido em 99%. Estas mudanças drásticas nas políticas sociais podem reverter os avanços alcançados nas últimas duas décadas, que retiraram 28 milhões de pessoas da pobreza e trouxeram 36 milhões para a classe média.
Em segundo lugar, o governo planeja implementar os planos de saúde privados (Planos Populares), que visam a substituição de funções então prestadas gratuitamente pelo SUS. Os planos privados são mais limitados do que o mínimo prestado pelo SUS e estão sujeitos a menor controle regulatório, resultando em serviços de baixa qualidade e altos custos extras para os usuários.
Em terceiro lugar, por lei, estados e municípios são obrigados a repassar recursos federais, através dos chamados bloques financeiros em áreas estratégicas da saúde, incluindo saúde primária e vigilância sanitária. As novas regras isentam as administrações regionais destas obrigações, que passam a poder investir quantias específicas em áreas estratégicas da saúde, o que pode contribuir para a degradação do SUS e o aumento as desigualdades regionais. Além disso, as novas regras reduzem o número obrigatório de médicos nas unidades de emergência, e o número de funcionários das unidades de saúde primária, incluindo uma diminuição nos números de agentes comunitários de saúde. Esta reorganização do serviço primário de saúde não só confere mais poder ao setor privado devido à redução da qualidade dos serviços públicos, mas também diminui a capacidade efetiva do SUS na promoção de saúde, administração de emergências e prevenção. A desvalorização do setor público já está afetando a cobertura vacinal e a vigilância sanitária, o que resultou num surto de sarampo.
Estas medidas mostram que o governo brasileiro está renunciando aos princípios de cuidado universal da saúde, apesar de inscritos na Constituição brasileira. As políticas de saúde neoliberais, combinadas com a desregulamentação das leis trabalhistas,14 em meio a uma grave crise econômica, não vão apenas contra a concepção de justiça social, como também podem agravar dois grandes problemas da saúde pública no país: as desigualdades sócio-espaciais e socioeconômicas da saúde e a alta taxa de homicídios. Esperamos que este texto estimule o debate sobre a crise do sistema de saúde no Brasil e possa contribuir para uma análise rigorosa das tendências neoliberais nas políticas de saúde e suas consequências em várias partes do mundo.