Isabel Moreira, jurista e deputada portuguesa: “Li a acusação contra Lula. É puramente política”

Crédito: Jorge Ferreira.

A deputada Isabel Moreira, do Partido Socialista português, tem fortes ligações com o Brasil. Nascida no Rio de Janeiro, mudou-se para Portugal com dois anos, mas mantém muitos laços com o Brasil, país que visita regularmente. Em 2016, na época do impeachment, veio ao Brasil para acompanhar de perto – e participar, como militante – as lutas de resistência ao golpe.

Em entrevista exclusiva ao Cafezinho, por Skype, Isabel Moreira nos contou um pouco sobre os segredos políticos da “geringonça”, apelido dado à coalização de quatro partidos de esquerda que dão sustentação parlamentar ao governo do Partido Socialista: o próprio PS, o Partido Comunista Português (PCP), o Bloco de Esquerda e os Verdes.

Moreira lembrou que o nome “geringonça” foi dado por analistas conservadores que diziam que “essa geringonça aí não vai durar mais que um mês”.

Com eleições gerais previstas para o ano que vem, Isabel afirma não ver razões para questionar o arranjo de esquerda montado no país. Nas eleições, porém, os partidos devem concorrer sozinhos, cada um com suas próprias plataformas. Se o partido socialista, diz ela, não tiver maioria absoluta, deve reeditar o arranjo. “Mas mesmo se tiver, acho que o arranjo continua”, explica a deputada, que não vê grandes problemas, porém, em fazer acordos com a direita, quando for necessário.

Isabel observa que o novo governo de esquerda conseguiu unir partidos diferentes a partir do momento em que puseram o “interesse nacional” acima dos interesses particulares de cada um. O resultado tem sido a diminuição do desemprego, a recuperação dos salários, e a introdução de uma agenda bastante progressista em relação aos direitos e liberdades individuais, incluindo leis favoráveis à comunidade LGBT.

Os resultados econômicos, mesmo em termos estritamente orçamentais, tem sido melhores que os perseguidos pelo governo conservador, na contramão dos que defendiam a austeridade como única maneira de cumprir as metas exigidas pela União Europeia.

O foco da entrevista, no entanto, foi mesmo a denúncia contra a prisão injusta do ex-presidente Lula. Isabel Moreira, que é formada em Direito e uma estudiosa, afirma que leu o processo e que ficou convencida de se tratar de um processo inteiramente político. “Eu li a acusação e a sentença. É uma acusação puramente política. Não há qualquer fundamento para sua prisão. É apenas para impedir a sua candidatura. É mais um passo do golpe”, denuncia a deputada.

“Estou muito preocupada com o Brasil, porque penso que o que se passa no país é tudo menos um processo democrático”, alerta a deputada. “É assim que eu vejo: está a haver uma derrocada da democracia brasileira”. Um dos principais desafios hoje, segundo a deputada, é “denunciar o caráter político do processo contra Lula”.

Perguntamos a ela como fazer para enfrentar esse momento. Falamos sobre a divisão das esquerdas no processo eleitoral, e dos dilemas vividos pelo Partido dos Trabalhadores, que tem um candidato líder nas pesquisas, mas que está preso e sob forte ameaça de ter sua candidatura impedida.

Após dizer que “tem um pouco de pudor” de dar conselhos ao que a esquerda brasileira deveria fazer, a deputada disse que a união das forças progressistas deveria de ser entendida como uma causa para salvar não apenas a esquerda, mas a própria democracia brasileira.

“Seria muito importante um espírito de união da esquerda, eu disse isso quando estive no Canecão, no Ocupa Minc”, explicou a deputada, acrescentando que, em momentos como esse, uma postura política firme é mais importante que nunca.

“Eu acho que, no Brasil, nunca foi tão importante ser de esquerda como agora”, define a parlamentar.

A deputada disse que tem “absoluta consciência” do papel dos meios de comunicação na articulação do golpe. “Eu nem olho a Globo”, diz a deputada.

“A imprensa [brasileira] teve um papel fortíssimo, e continua a ter, no golpe que está em curso”.

Ela lembra que veio ao Brasil durante o processo de impeachment, para participar das manifestações ao lado das forças populares, e ficou impressionada com a quantidade de informações que conseguia obter aqui no país, mas que não chegavam à Portugal.

“Uma determinada estação de TV em Portugal tinha uma correspondente que era jornalista da Globo”, lamenta a deputada.

E como fazer para convencer a opinião pública acerca da necessidade de regulamentar a mídia? Ela respondeu de pronto: mostrando que “em todas as democracias avançadas do mundo, a comunicação social está regulada”.

“Vocês precisam mostrar o exemplo do que se passa em outros países. Sem regulação, é a lei do mais forte. Regulação não é censura”.

 

  • Agradecemos ao nosso correspondente Bruno Falci, brasileiro radicado em Portugal, sem o qual esta entrevista não teria sido possível.
Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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