A oposição a Temer (e ao golpe) vai ganhar as eleições

O campo progressista não pode se deixar cegar pelas tensões eleitorais a ponto de esquecer que, a partir de novembro de 2018, ou seja, daqui a poucas semanas, seja qual for o resultado, seguiremos juntos. As divergências são passageiras, ao passo que as alianças precisam ser construídas e consolidadas para uma luta de muitos anos.

Preso em Curitiba, com sua agenda controlada pela burocracia do PT, não sei se Lula está em posição de tomar as decisões mais equilibradas, a saber, aquelas destinadas a fortalecer a resistência para além de nossas contradições temporárias. Não podemos esquecer que foi Lula quem, em pleno gozo de sua liberdade, escolheu Dilma como sua sucessora, uma mulher de impressionante solidez ética e integridade pessoal, mas cuja avassaladora inexperiência política contribuiu sobejamente para a crise que descambou no golpe e em todas as suas trágicas consequências. Lula é o maior líder popular do país, mas não está isento de erros de avaliação.

Além disso, o hábito dos grupos políticos de viverem isolados em suas redes sociais, confortavelmente protegidos dentro de suas bolhas, cria algumas armadilhas perigosas, de confundir a bolha com a realidade.

A informação divulgada há pouco pelo JB, de que Lula considera “inviabilizada” uma aliança do PT com Ciro Gomes, não surpreende ninguém. Nem muda muita coisa no cenário, visto que o eleitor de Lula segue querendo votar em Lula e o eleitor de Ciro Gomes segue querendo votar em Ciro Gomes, independente de acordo ou não com o PT.

Desde que a hipótese de aliança começou a ser ventilada na imprensa, através do posicionamento de alguns governadores, a recepção, tanto embaixo, na militância petista, quanto em cima, na cúpula da burocracia, foi bastante hostil a essa possibilidade.

Daí em diante, PT e Ciro começaram a trilhar caminhos separados. E aí já ninguém mais acreditava em aliança no primeiro turno, apesar de alguns caciques petistas continuarem a declarar que o partido poderia sim considerar apoio a um candidato de outro partido, incluindo aí o PDT.

Hoje mesmo, Rui Costa, que tenta reeleição para o governo da Bahia, em entrevista ao Valor, menciona a possibilidade do PT apoiar o candidato de outro partido, alertando, porém, que uma eventual aproximação entre DEM e Ciro pode excluir o pedetista desse cálculo.

Mas a observação de Rui parece diversionismo, ou cortina de fumaça, assim como tem sido os boatos de que o nome do PT seria Celso Amorim, ao invés de Haddad.

A estratégia do PT é evitar o máximo possível qualquer dispersão que afaste as atenções de Lula. Nesse sentido, o crescimento de Ciro poderia atrapalhar.

O plano de Ciro era reunir o apoio do PSB e do PCdoB num primeiro momento, consolidando o que ele chamou de “núcleo moral e ideológico” de sua campanha, para só então se aproximar do centro, com quem pretendia estabelecer alguns acordos programáticos que já antecipariam os debates parlamentares de 2019.

O PT se adiantou e conseguiu apoio do PSB pernambucano, o que travou as negociações nacionais entre a legenda e Ciro. A aliança do PSB com Ciro, tida como certa há pouco tempo, ficou em suspenso. O PSB adiou sua decisão para a última hora, para a data limite das convenções partidárias, em 5 de agosto. Tudo pode acontecer, mas é certo que as chances de Ciro diminuíram. Sem certeza do apoio do PSB, e surpreendido pelos sinais do DEM em sua direção, Ciro antecipou conversações com o chamado “centrão”.

Recentemente, a imprensa noticiou que alguns caciques do PT se reuniram com representantes do centrão, com objetivo de afastá-lo também de qualquer acordo com o PDT. Não se sabe se a estratégia teria dado certo. O posicionamento do centrão ainda é um mistério. Ciro ou Alckmin? Segundo a Globo, obviamente interessada num alinhamento do centro com o PSDB, a tendência, que vinha inclinando para Ciro, virou nos últimos dias para Alckmin, o que faria mais sentido do ponto-de-vista ideológico. Entretanto, a aliança do “centrão” com Ciro Gomes não seria novidade na política brasileira, visto que os mesmos partidos (com exceção do DEM) foram aliados do PT nas últimas eleições presidenciais.

Com a declaração de Lula divulgada hoje, agora está claro que todos esses movimentos do PT eram coordenados pelo ex-presidente. Isso explicaria ainda a reação algo nervosa de Paulo Câmara, governador de Pernambuco. Gleisi provavelmente repassou a Câmara um recado direto (e duro) de Lula. As últimas pesquisas mostram que Lula tornou-se um verdadeiro monstro (na acepção positiva do termo) em Pernambuco, com 65% das intenções de voto, abafando qualquer outro concorrente. Daí se vê que o nervosismo de Câmara tem razão de ser.

Encerrada a reunião com Gleisi, e logo após a coletiva da imprensa em que Câmara disse que encaminhará, na convenção do PSB, um voto pela união de seu partido com o PT, os marketeiros do governador começaram a divulgar um card dizendo que “Câmara é Lula e Lula e Câmara”, enfurecendo, naturalmente, os apoiadores de Marília Arraes, pré-candidata ao governo de PE pelo partido.

Como a condição exigida pelo PT para retirar a candidatura de Arraes seria apenas se o PSB formalizasse apoio ao PT, e isso não vai acontecer, então o posicionamento de Câmara visa ganhar tempo. Como tem a máquina estadual nas mãos, ao passo que Marília ainda tem mobilidade reduzida antes do início da campanha oficial, Câmara tenta fixar na cabeça do eleitor lulista de Pernambuco a ideia de que ele é o candidato de Lula, e não Marília. É uma jogada que parece inteligente, mas talvez seja apenas uma solução desesperada.

A estratégia nacional de Lula, por sua vez, tem uma lógica muito pragmática.

Tanto Lula quanto o PT farejaram ameaças à hegemonia petista dentro do campo da esquerda. Ciro conquistou a simpatia da maioria do PSB e de boa parte do PCdoB. Se conquistasse o apoio desses partidos, mais as legendas do centro, Ciro ficaria com o maior tempo de TV de todos os candidatos, levando o “plano B” do PT a correr o risco de não chegar ao segundo turno.

Com Ciro isolado, as chances do candidato petista apoiado por Lula chegar ao segundo turno são bem maiores. Em entrevista ao Valor publicada ontem, o estatístico Paulo Guimarães estimou que Lula tem potencial para elevar o percentual de votos de seu candidato para algo em torno de 20% a 22%, e levá-lo ao segundo turno.

A situação de Ciro, sem um amplo leque de apoio partidário, fica naturalmente mais difícil, ainda mais porque, explica Guimarães, ele é o candidato que tem o eleitorado mais próximo de Lula e, portanto, o que mais tenderia a perder votos quando o petista começar a se movimentar mais intensamente para transferir seus eleitores para um outro candidato.

Na mesma entrevista, Guimarães faz um prognóstico pessimista para Jair Bolsonaro, que estaria perdendo 20% dos votos a cada mês, segundo uma pesquisa que ele teria feito para os partidos do “centrão”. A queda ainda não aparece nas pesquisas porque o candidato também tem ganhado novos eleitores, mas são eleitores sem fidelidade, e a tendência é cair.

O estatístico afirma que o candidato que captar os votos de oposição vai ganhar as eleições. Mas ainda não está claro se o vencedor será um petista apoiado por Lula, Bolsonaro ou um terceiro candidato, ambos fazendo parte (ou se vendendo como tal, no caso de Bolsonaro) da “oposição”.

Outro comentário interessante de Guimarães é que há um eleitorado “virgem”, de quase 40% do total, que ainda não foi conquistado por ninguém, e que é quase todo composto por eleitores anti-Temer. “Ninguém precisa roubar voto de ninguém. Basta fazer o trabalho direitinho, que é contra o Temer”, brinca o pesquisador.

Lula continua preso, e as decisões da justiça são invariavelmente contra sua candidatura, até mesmo contra seu direito de expressão.

Ocorre, no entanto, um efeito curioso, resultado de uma relevante mudança na opinião pública: as decisões desfavoráveis a Lula repercutem como grandes injustiças, violações de seus direitos, eclodem manifestos de juristas e de personalidades internacionais; as decisões favoráveis, por outro lado, por mínimas ou provisórias que sejam, são vistas como vitórias espetaculares.

Cada pesquisa de opinião que lhe posiciona na liderança absoluta das pesquisas, tanto no primeiro como no segundo turno, constituem, além disso, vitórias políticas para Lula – embora isso seja uma tremenda armadilha para o campo progressista, que fica “satisfeito” com pesquisas sem se aperceber que a substância verdadeira, a candidatura Lula, se torna a cada dia um sonho mais distante.

O PT permanece fechado em copas sobre um possível plano B, de vez em quando jogando um nome aqui outro ali, visivelmente para disfarçar. Falou-se até mesmo em chamar o PR para cabeça de chapa, com Josué de Alencar (filho de José de Alencar), o que me parece tão inverossímil que só se explicaria pela tentativa de confundir a imprensa. Ao cabo, o plano B petista deve ser mesmo Fernando Haddad, que mantém uma postura discreta, quase misteriosa, não dando entrevistas, quase não se posicionando nas redes sociais.

Quanto a Ciro, apesar dos avanços nas alianças, tem cometidos erros importantes. Xingar um promotor de justiça, por exemplo, não foi obviamente uma boa ideia, por mais que Ciro tivesse razão, e ainda mais às vésperas das convenções partidárias, quando o seu destino depende das alianças que conseguirá firmar.

Da mesma forma, foi um erro chamar o garoto do DEM de “capitãozinho do mato”, embora seja isso mesmo que ele seja. Essas confusões afastam de Ciro justamente o eleitorado que vinha conquistando, de setores progressistas mais moderados, anti-Temer, mas não alinhados ao petismo.

Tirando as vanguardas políticas, à esquerda e à direita, que andam nervosas há meses, acotovelando-se, brigando, conspirando, fechando e rompendo alianças a cada semana, reina um aparente desinteresse na sociedade em relação às eleições. A Copa do Mundo só fez agravar esse quadro.

É claro que essa “calma”, num cenário de terrível insegurança econômica, esconde uma enorme tensão política, que deve explodir nas eleições, e o pior é que, diante de um cenário tão instável, com tantas variáveis ainda incógnitas, ninguém pode fazer qualquer previsão sobre o que irá acontecer.

Do lado do campo democrático, no entanto, há uma vantagem, segundo o analista mencionado acima: a oposição tem mais chances de ganhar. Se conseguirmos mostrar que Jair Bolsonaro não é oposição, que ele é cria do golpe e suas ideias estão alinhadas às práticas do governo Temer, então as chances de vitória de uma candidatura progressista aumentarão muito. Esse é o lado mais fácil da atual conjuntura.

O lado mais difícil é que, vencida as eleições presidenciais, uma outra guerra, muito mais complicada, para reverter os estragos de Temer e governar com estabilidade, terá início.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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