Abaixo, o último artigo do sempre atento professor Wanderley Guilherme dos Santos, um dos pais da ciência política no Brasil.
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COINCIDÊNCIAS POLÍTICAS NA DISPUTA PELO BRASIL
21 de junho de 2018
No blog Segunda Opinião
Se o passado contém dicas sobre o futuro, então o candidato a presidente escolhido por Lula sairá do PT paulista. A circulação de nomes como Celso Amorim, Jacques Wagner e Patrus Ananias faz parte da usual dissimulação política. Na hora H, Lula indicará um quadro do PT, provavelmente Fernando Haddad, não havendo muitos personagens disponíveis para a função de porta-decisão de Lula, caso eleito.
No passado, em todas as eleições presidenciais decisivas havia pelo menos um paulista, nativo ou naturalizado. Essa regularidade só foi em parte alterada nas eleições de 2014, disputadas por Dilma Rousseff e Aécio Neves. Mas, lá estava Michel Temer, vice na chapa de Dilma Rousseff, indicado por Lula.
Recapitulando: em 1989, a final se deu entre Fernando Collor, alagoano, e Lula, paulista naturalizado. Naturalizado significa submissão à síndrome de Estocolmo, em que o dominado absorve os valores do dominador. Na naturalização, o “estrangeiro” reconhece e resiste à discriminação interna, mas defende os interesses do dominador no trato com outros “estrangeiros”. Nas duas eleições presidenciais da década de 90 tivemos a singular disputa entre dois naturalizados: Fernando Henrique Cardoso e Lula. Em 2002, Lula e José Serra representaram, obviamente, os naturalizados e os nativos; em 2006, repetiu-se o embate entre um naturalizado, Lula, e um nativo, Geraldo Alkmin. Em 2010, finalmente, vinte e um ano depois da intromissão de Fenando Collor no arranjo, uma “estrangeira”, Dilma Rousseff, competiu com o nativo José Serra. Em 2014, na sétima eleição presidencial direta, pós-ditadura, os dois candidatos eram “estrangeiros”: Dilma Rousseff e Aécio Neves, mas ainda com a reincidência de Michel Temer na vice de Dilma.
Poderia ser uma rara coincidência, mas, como já explorei em texto acadêmico, coincidências exigem a coincidência de um terceiro autenticando a coincidência original. Não parece ser o caso da série presidencial. As condições econômicas variaram de modo impactante na economia, do vencedor Collor ao derrotado Aécio, à agitação política precedendo o impedimento do alagoano seguiu-se o relativo marasmo dos governos do naturalizado Fernando Henrique, continuado pelo marasmo dos mandatos de Lula. A explosão da AP470 em meio ao primeiro mandato não ultrapassou o reino jurídico, sem consequência política imediata: Lula foi reeleito em 2006. O primeiro mandato de Dilma Rousseff, que derrotara o nativo José Serra, foi crescentemente controverso e, talvez, tenha ajudado à escolha do estrangeiro Aécio Neves como desafiante em 2014.
Lula aproveitou muito bem a retomada do dinamismo econômico internacional e, graças a isso, atendeu de forma extraordinária à sua audiência, digamos, “estrangeira”, construindo extensa rede de proteção social aos pobres e desvalidos. Ao mesmo tempo, para desespero de seu vice, o industrial mineiro de Alencar Gomes da Silva, a livre movimentação concedida ao sistema financeiro, concentrando-se em São Paulo, consolidou-o como o agente mais predatório da economia brasileira, e não como sócio, mas achacador da indústria. As tentativas desastradas de Dilma Rousseff para reverter essa equação desaguaram em seu impedimento, organizado e conduzido por seu vice paulista, Michel Temer.
É bastante provável que Lula indique o nativo Fernando Haddad como candidato do PT à presidência, mesmo que, eventualmente, favorecendo a vitória do conservadorismo de Geraldo Alkmin, caso este ressurja de entre as cinzas.