Denise Assis*
Da mesma forma como percorreu o mundo ao lado do ex-presidente Lula, na condição de chanceler do seu governo, vendendo o Brasil como uma terra de oportunidades, o ex-ministro Celso Amorim pegou um avião e foi para Paris, centro de irradiação de ideias, explicar a quantos o quiseram ouvir, (e não foram poucos, e de boa cepa) o atual cenário político do Brasil pós-golpe.
Depois de esbanjar carisma e reunir nomes que foi amealhando ao longo de sua vitoriosa carreira, Amorim voltou com a sensação de dever cumprido e algumas pontas para juntar por aqui, a fim de fazer desdobrar sua missão pelo exterior. Satisfeito com a receptividade que teve em instituições de peso e junto a políticos que conviveram com o ex-presidente e dele guardaram a melhor lembrança, o ex-ministro achou por bem relatar em carta, a Lula, o quanto o seu nome mobiliza e angaria apoio. (Segue trechos).
Querido Presidente Lula,
No momento em que escrevo esta carta mensagem (madrugada do dia 20), estamos todos comemorando a absolvição pelo STF da nossa amiga e companheira Gleisi, que tem sido uma incansável defensora de sua liberdade e da sua candidatura.
(…) Além de matar um pouco (um pouco apenas) a saudade, esta “carta” tem o objetivo de contar sobre a viagem que fiz a Paris entre os dias 12 e 15 de junho. A razão principal da viagem foi ajudar a esclarecer aos nossos amigos na França sobre a situação política no Brasil e as circunstâncias que cercam a sua absurda e injusta prisão. Já havia feito algo parecido em Bruxelas, a convite de integrantes do Parlamento Europeu, há cerca de um mês.
Desta vez, tive a oportunidade de falar em duas instituições importantes, na Casa da América Latina, dirigida por um ex-embaixador no Brasil, e no Instituto de Relações Internacionais e Estratégia (IRIS, na sigla em francês). Em ambos os casos, falei para salas cheias e espectadores muito qualificados e preocupados com você e com o Brasil.
Tive também encontros com alguns ex-ministros e outras personalidades influentes, como a senadora (comunista) Laurence Cohen e com o nosso velho conhecido e amigo (apesar de eventuais divergências específicas) Pascal Lamy, que continua muito ativo como presidente de comissões na França e na Europa.
A Laurence está planejando a visita do Comitê que ela preside e me disse que na ocasião pretende ir a Curitiba (quem sabe não seja mais preciso?). Estive com dois ex-chanceleres, o Hubert Védrine, da época do Jospin, e o Dominique de Villepin, da época do Chirac, que se destacou principalmente na condenação da invasão do Iraque pelos EUA, em 2003.
Em todos esses encontros, mas especialmente com Villepin, pude constatar que, além da solidariedade a você e à democracia brasileira, os espíritos mais lúcidos na França têm uma preocupação real com o esvaziamento da posição do Brasil no cenário internacional.
Todos lamentam que o nosso País tenha praticamente desaparecido de cena em um momento crítico em que a ordem mundial se vê diante de enormes desafios, desde o drama político e humano dos refugiados até as atitudes belicosas de Trump, sobretudo com o Irã (embora deva dizer, de minha parte, que, apesar da teatralidade, vi méritos indiscutíveis na aproximação com a Coreia do Norte).
Muitos percebem também a falta que você faz na América Latina, onde a confrontação tem tomado o lugar do diálogo e a integração tem sido abandonada em benefício de uma agenda neoliberal na economia e conservadora (quando não abertamente fascista) na política e nos temas sociais.
Como outros, Villepin, por exemplo, entende plenamente que somente o retorno a uma democracia real, com um governo legitimado pelo apoio popular, trará de volta ao Brasil o papel que teve sob sua condução e inspiração. Esses líderes sentem falta de uma voz firme e desassombrada (ativa e altiva, diria eu) que costumávamos ter na defesa de um mundo mais justo e mais pacífico. Todos entendem também, querido Presidente Lula, que isso só ocorrerá com a sua libertação e com o seu direito de candidatar-se.
Esses encontros me permitiram também esclarecer as dúvidas que ainda pudessem pairar sobre os processos movidos contra você. Na verdade, isso é importante porque, como me foi dito por uma eurodeputada da Esquerda alemã, para muitos europeus – mesmo aqueles que reconhecem o seu papel histórico na defesa dos mais pobres e na afirmação da posição do Brasil no mundo – é difícil compreender que a Justiça possa ser tão pouco imparcial.
(…) No mais, muita saudade, que espero possa matar em breve de forma pessoal, e de preferência no Ipiranga ou em São Bernardo.
Forte abraço do amigo, que teve a suprema honra de ser seu colaborador em um aspecto vital de um projeto de Brasil próspero, justo e soberano,
Celso
O relato de Celso Amorim, nos deixa ver dois pontos: seu enorme carinho pelo ex-presidente, e o quanto o nome Lula da Silva desperta simpatia e respeito entre os que, mundo a fora, o conheceram na condição de presidente.
*Jornalista