O Datafolha acaba de publicar a íntegra de uma pesquisa centrada na figura de Lula, com basicamente três questões: quem Lula deveria indicar (no caso de não poder se candidatar); você acha que ele será candidato; e; você acha que a justiça deveria permitir que ele seja candidato. A pesquisa foi a campo entre os dias 06 a 07 de junho, mas a íntegra só foi divulgada hoje no site do Datafolha.
Vamos analisar os resultados referentes às três questões.
- Quem Lula deveria apoiar?
Para esta pergunta, o instituto recolheu respostas espontâneas (quando o entrevistador não dá nomes ao entrevistado) e estimuladas. Na pesquisa espontânea, quem ficou na frente, com 15 pontos, foi Marina Silva. Mas quem mais cresceu foi Ciro Gomes, que atingiu 10 pontos, três a mais que na pesquisa anterior, 11 a 13 de abril.
Curiosamente, Jair Bolsonaro ficou em terceiro lugar, com 9 pontos. Mas esses números não tem muito sentido, porque provavelmente, os eleitores do próprio Bolsonaro responderam, interessadamente, ou mesmo ironicamente, que Lula deveria indicar o candidato do PSL.
Na estimulada, o Datafolha só listou os candidatos que tem alguma possibilidade de serem apoiados por Lula, em função da afinidade político-partidária: Ciro Gomes, Haddad, Manuela, Boulos e Jaques Wagner.
O primeiro lugar, disparado, ficou com Ciro Gomes, que viu sua pontuação aumentar de 28% para 32%. Em segundo lugar, permanece Fernando Haddad, com 15%, estagnado desde abril. Manuela pontuou 7%, um ponto a menos que na pesquisa anterior. 25% dos entrevistados responderam que Lula não deveria apoiar nenhum deles. Provavelmente, nestes 25% estão muitos não-eleitores de Lula, que não se identificaram com nenhum dos nomes propostos.
Vamos olhar os dados estratificados. Voltamos depois das tabelas.
- Análise dos números espontâneos
Os dados da espontânea mostram que Ciro Gomes já empatou com Marina Silva entre homens. 13% dos homens responderam, espontaneamente, que Ciro Gomes é o candidato que deveria ser apoiado por Lula, caso o petista não consiga seu registro. Marina Silva pontuou 14% entre homens. Haddad tem 4% entre o público masculino.
O eleitorado masculino, às vezes, aponta tendências, porque os homens costumam demonstrar um pouco mais interesse por política e correr atrás de informações. Observe que, ainda na mesma tabela, 36% das mulheres responderam que “não sabem” quem Lula deveria apoiar; número que cai para 23% entre homens. Eu disse “às vezes”, porque há candidatos que tem dificuldades entre o eleitorado feminino por problemas de rejeição, e isso é um caso à parte: Bolsonaro é um exemplo.
Jaques Wagner pontua apenas 1%, não se destacando sequer no Nordeste. Quer dizer, Wagner dá traço em todas as regiões, e 1% no Nordeste. Haddad faz 4% no Sudeste, sua melhor pontuação, mas cai para 1% no Nordeste, atrás de… Geraldo Alckmin.
A melhor pontuação de Haddad está entre eleitores com renda familiar superior a 10 salários: neste segmento, 11% nomearam, espontaneamente, o petista como o candidato que Lula deveria apoiar.
Ciro Gomes pontua 15% no Nordeste e 9% no Sudeste. Na classe média que ganha mais de 5 salários, Ciro Gomes ultrapassa Marina e se torna o preferido do eleitor como substituto de Lula. Entre quem ganha de 5 a 10 salários, 14% marcaram espontaneamente Ciro como o candidato que Lula deveria apoiar, contra 10% de Marina. Entre os que ganham mais de 10 salários, Ciro sobe para 15% e Marina cai para 4%.
- Análise dos números estimulados
Na estimulada, onde os entrevistados têm de escolher entre os nomes apresentados, Ciro Gomes lidera isoladamente, com 32%, sendo 36% entre homens.
Haddad vem sem segundo lugar, com 15%, sendo 17% entre homens.
Haddad é mais fraco onde Ciro é mais forte.
Ciro é mais forte no Nordeste, onde quase 40% dos eleitores responderam que ele é o candidato que Lula deveria apoiar; na mesma região, apenas 11% mencionaram Haddad.
Jaques Wagner parece ter sumido do radar eleitoral. Mesmo no Nordeste, onde é mais conhecido, pontuou apenas 8 pontos, bem atrás de Haddad.
Manuela D’Ávila pontua bem no Sul, onde 13% dos eleitores disseram que ela deveria ser a candidata apoiada por Lula, contra 12% de Haddad, e 28% de Ciro Gomes. Na média nacional, Manuela tem uma pontuação razoável: 7% dos entrevistados responderam que ela deveria ser a escolhida de Lula.
Na estratificação por renda e instrução, Ciro Gomes leva maior vantagem entre mais pobres e menos instruídos, apesar de liderar em todos os segmentos.
Entre eleitores com renda familiar até 2 salários, 35% afirmaram que Ciro Gomes é o nome que deveria ser apoiado por Lula, contra 13% de Haddad e 5% de Wagner. Entre eleitores com instrução apenas até o fundamental, 37% disseram preferir Ciro, contra 11% de Haddad e 4% de Wagner.
Haddad ganha pontos entre eleitores de renda mais alta, chegando a 26% junto aqueles que declararam renda familiar superior a 10 salários, apenas 4 pontos atrás de Ciro, que pontuou 30% neste segmento. Isso é um problema para Haddad, porque este mesmo segmento guarda rejeição muito grande contra Lula, o que pode lhe prejudicar.
2. Você acha que Lula será candidato?
A corajosa insistência do PT de manter a candidatura de Lula fez efeito. Aumentou o percentual de eleitores que acham que Lula irá participar do processo eleitoral este ano, de 34% para 40%. Este número, porém, permanece extremamente concentrado no Nordeste e entre a classe mais pobre.
Uma maioria de 55% ainda acha que Lula não irá disputar as eleições (em abril, 62% responderam que Lula não iria disputar eleições).
Voltamos depois das tabelas.
O internauta pode observar que, entre homens, 61% acham que Lula não irá disputar a presidência, contra 36% que acham. Entre mulheres, 49% desacreditam da participação de Lula, contra 44% que acreditam.
No Sudeste, região com 64 milhões de eleitores, segundo dados atualizados do TSE, ou 43% do eleitorado nacional, 64% dos eleitores não acreditam que Lula disputará as eleições este ano. A crença de que Lula participará do pleito supera a descrença apenas no Nordeste, onde 54% acreditam que Lula disputará, contra 38% que dizem não acreditar que ele será uma opção eleitoral.
Na estratificação por renda, observa-se que a crença de que Lula poderá participar do processo eleitoral este ano é maioria apenas entre eleitores que ganham menos de 2 salários. A partir daí, há uma maioria muito sólida de eleitores que não crêem que Lula será capaz de arrostar os obstáculos judiciais interpostos à sua candidatura. Entre eleitores com renda superior a 10 salários, 77% acreditam que Lula não disputará as eleições.
3. Você acha que Lula deveria poder disputar a presidência?
Aqui chegamos, a meu ver, ao ponto mais crítico para Lula. E também o mais importante para entender a conjuntura.
O eleitorado está dividido meio a meio. Metade acha que Lula não deveria participar do processo eleitoral. Metade acha que sim.
Entretanto, as tabelas com os percentuais estratificados mostram uma realidade muito difícil para o ex-presidente. Voltamos após os gráficos.
A defesa do direito de Lula ser candidato, como se pode ver nos gráficos acima, está muito concentrada no Nordeste e entre eleitores com renda até 2 salários. Saindo desses dois segmentos, uma maioria muito sólida acha que Lula deveria ser impedido de disputar a eleição.
No Sudeste, por exemplo, 58% acham que Lula deveria ser impedido. No Sul, 55%.
Entre famílias com renda até 2 salários, 60% acham que Lula deveria disputar eleição, mas este percentual cai para 41% entre eleitores com renda entre 2 e 5 salários, 33% entre os que ganham de 5 a 10 salários e 25% entre quem ganha mais de 10 salários.
Vendo o mesmo gráfico pelo lado dos que não acham que Lula deve disputar, os números ficam assim: entre quem ganha até 2 salários, 37% acham que Lula deveria ser impedido; entre quem ganha de 2 a 5 salários, o percentual salta para 57%; entre quem ganha de 5 a 10 salários, 66% acham que Lula não deveria disputar; entre quem ganha mais de 10 salários, 74% dos eleitores acham que o petista não tem o direito de participar do processo eleitoral.
Entre o eleitorado mais instruído, com ensino superior, 67% acham que as autoridades responsáveis não deveriam permitir que Lula dispute as eleições presidenciais deste ano.
Conclusão
Conforme indicamos em análises anteriores, Lula tornou-se um candidato muito vulnerável, por causa de uma rejeição extremamente avançada, sobretudo no Sudeste, entre eleitores com renda acima de 2 salários e com maior nível de instrução. Mesmo que obtenha o direito de ser candidato, e vença as eleições, encontrará dificuldades extremas para governar, em função dessa rejeição monstruosa arraigada no Sudeste, no Sul e na classe média.
E não se trata apenas de uma rejeição do tipo “não gosto dele”.
Com sua condenação pela justiça em duas instâncias, e prisão, estes segmentos do eleitorado, que formam a elite do país, desenvolveram a convicção (equivocada, a meu ver) de que Lula não tem idoneidade moral para ser candidato à presidência da república.
Este é um problema que prejudicaria a legitimidade do futuro presidente e, por consequência, a estabilidade do governo. Sem legitimidade, seria difícil para o governo fazer o judiciário e o ministério público recuarem. Qualquer movimento do governo contra o judiciário seria descrito pela mídia como uma tentativa de “proteger malfeitores”. O governo Lula seria facilmente pintado como uma “organização criminosa” liderada por um “condenado na justiça”. O fascismo tenderia a ganhar força e haveria risco de um golpe militar, de consequências sangrentas para todo o campo popular.
Tanto a rejeição a Lula quanto a sua condenação e prisão, fazem parte, naturalmente, do mesmo processo de massacre midiático e justiça política. Cabe aos estrategistas do campo progressista, portanto, avaliarem a maneira mais inteligente de superar essas dificuldades.