A bancada governista obteve uma vitória esmagadora esta noite, com um placar de 217 X 57, aprovando o projeto de lei 8939/17, de José Carlos Aleluia (DEM), que permitirá a Petrobras vender a terceiros 70% do que possui na área de cessão onerosa.
A oposição se manteve unida contra o projeto. PT, PCdoB, PSOL, PDT, PSB, até mesmo a Rede, tentaram de todas as maneiras impor obstruções, requerimentos de cancelamento e, por fim, destaques paliativos, mas perderam todas as votações.
A obstrução permanece, de maneira que ainda não há uma solução definitiva para o impasse.
Eu queria aproveitar a oportunidade para tentar pôr um ponto final a uma nova intriga partidária, fruto das tensões eleitorais, segundo a qual parte do PDT teria se bandeado para o lado do governo (ou para o “golpe”), com 11 deputados da legenda votando em favor do requerimento de urgência para o projeto em questão.
De fato, inexplicavelmente o PDT deliberou “sim” para o requerimento de urgência, e alguns deputados, num total de 11, segundo os sites que deram a notícia, votaram em seu favor. Ainda não entendi também porque a liderança da Minoria, exercida pelo PT, liberou a orientação para as bancadas dos partidos aliados.
O sim para a urgência obteve 281 votos (24 votos a mais que o necessário), de modo que os supostos votos do PDT em favor não fizeram diferença no resultado final. Isso não os desculpa, claro, mas também não nos autoriza a atribuir-lhes uma culpa que não é deles, já que o PDT, na votação do Projeto, se posicionou contra ele.
O líder do PDT na Câmara, o deputado André Figueiredo (CE), fez discursos duros contra o PL. Manuel Dias, ex-ministro do Trabalho no governo Dilma, e um dos quadros mais importantes do PDT, também se posicionou publicamente contra o PL.
O campo progressista tem de tomar muito cuidado. O governo Temer, aparentemente, está aproveitando o esfriamento da temperatura política, provocada pela Copa do Mundo, e o progressivo desvio de atenção de partidos, imprensa e sociedade para o processo eleitoral, para reconstruir sua maioria no congresso, inclusive às custas de jogadas espertas para dividir, enganar e confundir a oposição.
Nesse contexto, intrigas eleitorais baixas não vão ajudar a esquerda a formar um bloco coeso contra o governo. Fiz um levantamento do histórico do PDT do golpe para cá. O partido votou 100% contra o projeto de lei que desonerava as multinacionais do petróleo (a chamada MP do Trilhão), e assim tem se posicionado em todas as votações que tratam do pré-sal e/ou de outros projetos importantes.
Com algumas exceções, infelizmente.
O PDT tem suas contradições. Mario Heringer, presidente do PDT em Minas Gerais, por exemplo, tem posições mais conservadoras do que o resto da legenda. Foi um dos deputados que votaram em favor do impeachment.
Essas contradições das legendas progressistas precisam ser tratadas com inteligência, e não com sectarismo eleitoreiro, como vimos fazer o PCO, em sua nova função de “consigliere do PT”. O PCO, em sua obsessão de manter o PT isolado de outras forças políticas, ou por alguma birra inconsequente, tem assumido uma postura de fortíssima animosidade contra o PDT e Ciro Gomes. Alguns sites progressistas e setores da militância petista têm seguido o mesmo rumo. Qualquer título de jornal, qualquer suposta “informação” colhida às pressas, que possam ser usados para gerar uma “narrativa” de ataque a Ciro Gomes, são açodadamente convertidos em manchetes sensacionalistas e textos envenenados.
O PSB votou maciçamente em favor do impeachment, e mesmo assim é uma legenda considerada estratégica por todos os partidos de esquerda, incluindo o PT. E com razão, porque os parlamentares do PSB tem votado, nos últimos tempos, de maneira alinhada com os interesses populares e nacionais. O avanço da luta de classes vem fazendo o PSB migrar de volta a seu leito ideológico original.
PDT e PSB tem de ser tratados como amigos, e atraídos politicamente para o núcleo da centro-esquerda, a qual precisa crescer e reconquistar setores do centro, e até mesmo da centro-direita, desde que isso, naturalmente, signifique fazer a sociedade avançar na direção certa. Isso requer um esforço constante para neutralizar intrigas.
Os partidos não são instituições estáticas. Seus parlamentares, quadros e militantes são animais políticos que podem ir para um lado ou outro, conforme o desenvolvimento das lutas sociais. Este ano, haverá eleições. Os parlamentares do campo popular que não ficarem afinados com o discurso de seu candidato majoritário (Lula, Boulos, Manuela ou Ciro Gomes) terão dificuldades para se reelegerem – e nós temos que cuidar para andem na linha ou pulem fora.
Recentemente, por exemplo, houve dois casos lamentáveis de intriga partidária. A primeira delas nasceu de uma entrevista de Nelson Marconi, coordenador do programa de governo de Ciro Gomes, à BBC. Um trecho da entrevista, transcrito com alguma ambiguidade pela agência, foi tratado com sensacionalismo hostil por vários sites. As manchetes falavam que “Ciro defende privatização de refinarias”. Não era verdade. Felizmente, as redes sociais conseguiram desmontar rapidamente essa intriga.
Em seguida, aconteceu outro caso de intriga: o Globo publicou matéria afirmando, no título, que “Ciro nega indulto a Lula”. Alguns sites ou militantes reproduziram o título da reportagem sem nenhuma preocupação de que estavam repassando, em certo sentido, uma “fake news”, já que o sentido que davam ao conteúdo era exatamente o oposto da realidade.
Quem se dignasse a se logar no site do Globo e ler a matéria, veria que a frase completa de Ciro dizia que ele se negava a prometer indulto ao ex-presidente por considerar sua sentença “injusta”. O próprio Lula, através de recados dados via Gleise e Paulo Okamoto, já deixou claro que não quer candidato nenhum defendendo indulto para si, porque indulto é para culpados, e ele defende sua inocência. E se um candidato pretende mesmo indultar Lula, é melhor que não fale nada, porque tal promessa apenas criaria embaraços eleitorais, políticos e quiçá até mesmo jurídicos para si e para o próprio ex-presidente. Se alguém for indultar Lula, que o faça sem avisar antes.
Além disso, não podemos esquecer que o STF cancelou os indultos sancionados pelo presidente Michel Temer, os quais lhe tinham sido encaminhados por um Conselho estabelecido justamente para esse fim. Ou seja, não adianta hoje sequer ter a prerrogativa de indultar. Como tudo no país, é preciso antes construir maioria na opinião pública, com força suficiente para fazer pressão sobre o judiciário. Ou melhor, com força para neutralizar as pressões vindas da mídia.
A esquerda não tem o direito de fazer uma leitura delirante da realidade. A votação de hoje na Câmara demonstrou que ela está em franca minoria no Congresso, e nada indica que sua situação esteja muito melhor na sociedade.
Para este ano, não basta ganhar as eleições. O campo progressista tem de ir além da vitória nas urnas. Ele precisa também de uma grande vitória política e moral. E isso só pode acontecer se construirmos maioria na classe média, entre os estudantes, entre intelectuais, conquistando cada vez mais, via argumentos convincentes, setores amplos e plurais da sociedade. Para isso se materializar, não devemos seguir os conselhos de sectários, nem ficar o tempo inteiro à espreita para flagrar erros, contradições ou mesmo escorregadelas de nossos aliados. A crítica é válida e necessária. Mas a pegadinha, o jogo sujo, a armadilha narrativa, apenas nos levarão a mais derrotas.