O sábado que passou foi um dia nublado no Leme.
Depois da série interminável de guerras entre facções, ou entre bandidos e polícia, que estouraram nos morros do bairro – Babilônia e Cerro Corá – nos últimos meses, e com mais intensidade nos últimos dias, a ponto de obrigar a prefeitura a fechar o Pão de Açúcar por algumas horas, o Leme parecia calmo e cansado.
O Fiorentina estaria vazio não fosse a equipe do cineasta Domingos de Oliveira, que ocupava desordenadamente, em meio às parafernálias de filmagem, metade da parte externa do restaurante. Oliveira e outros assistiam, num monitor improvisado, as cenas filmadas naquele dia.
Sentamo-nos do outro lado, pedimos taças de vinho branco, ajeitamos nossa cachorrinha em seu tapete, e logo apareceu, sozinho, adesivo #Lulalivre colado na camisa, Leonardo Giordano, candidato a governador pelo PCdoB.
Julio Cesar, na peça de Shakespeare, diz a seu amigo, Marco Antonio, que “a meu lado, só quero gente gorda, pessoas de cabelos luzidios, que durmam toda a noite. Aquele Cássio é magro demais. Passa uma imagem de fome, de quem pensa muito. É um indivíduo perigoso”.
Leonardo é magro como Cássio, mas o olhar calmo e a fala suave não passam imagem de pessoa perigosa. Parece antes um jovem sério e bem comportado, o que imagino que seja mesmo, e foi com essa imagem que ganhou eleições para vereador em Niteroi por duas vezes consecutivas, em 2012 pelo PT, com 2.867 votos, e em 2016 pelo PCdoB, com 3.393 votos. Vinha de Nova Iguaçu, de uma atividade pela manhã com Jandira Feghali, e logo mais teria de sair para uma outra, em Resende, no interior do estado.
Segundo ele, sua principal missão como candidato ao governo será denunciar a “intervenção federal financeira” no Rio de Janeiro. Leonardo lembra que uma comissão tripartite, formada por um membro do TCU, um do governo federal e um do governo estadual, decidem sobre todas as despesas relevantes no estado e, portanto, controlam politicamente o Rio. Como dois membros são ligados ao governo federal, o Rio perdeu completamente sua autonomia financeira. Está sendo comandado de Brasília. O quadro se agrava quando pensamos na intervenção federal na segurança pública fluminense, que segue um decreto igualmente abrangente, que submete a estrutura inteira do governo estadual ao comando do militar nomeado por Temer para chefiar a intervenção.
Militante disciplinado, o vereador tem consciência que sua candidatura ao governo do estado é uma peça num tabuleiro maior de xadrez. Conversamos sobre os outros candidatos do campo progressista. Temos Pedro Fernandes, do PDT, e agora Marcia Tiburi, do PT.
Pedro Fernandes, filiado recentemente ao PDT, é deputado estadual, eleito em 2014 (pelo Solidariedade) com 75.366 votos.
Marcia Tiburi, filósofa e escritora, disputa pela primeira vez um cargo político.
Apesar de todas as forças progressistas estarem conversando abertamente sobre aliança no estado, o flerte mais explícito, até o momento, acontece entre PCdoB e PDT, estimulado pelo namoro entre os dois partidos a nível nacional. Além disso, Leonardo Giordano tem fortes ligações com o prefeito de Niteroi, Rodrigo Neves, do PDT, coordenador da campanha de Ciro Gomes no estado. Ambos, Leonardo e Rodrigo, se elegeram pela primeira vez pelo PT em 2012, o primeiro como vereador, o segundo como prefeito. Leonardo migrou para o PCdoB em 2015. Pouco antes, Neves já tinha ido para o PV, por onde se reelegeu em 2016. A vinda de Neves para o PDT é recente, de dezembro de 2017.
Leonardo passou por algumas funções importantes na prefeitura de Neves, e hoje integra a base de apoio a sua administração.
Marcia Tiburi pode ajudar o PT a reconquistar setores da intelectualidade e da classe média, mas uma candidatura com perspectivas reais de vitória, ou mesmo de atingir o segundo turno, só poderia acontecer se for possível a construção de uma aliança ampla e plural do campo progressista, reunindo PT, PCdoB, PDT, PSB e PSOL. Com essa aliança, um candidato progressista tem chance. Sem ela, não tem. Espere-se que a esquerda fluminense, assim como a nacional, tenham juízo.
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Lava Jato infinita
Hoje, terça-feira, após uma caminhada na orla, decidi me arriscar e comprar a Folha. A proximidade das eleições e um certo desgaste da Lava Jato fizeram o jornal puxar o freio da insuportável agenda lavajateira. O recuo, no entanto, não significa muita coisa. Na página 8, um terço da página é dedicado a uma busca recente nas celas onde estão presos alguns políticos importantes, como Luiz Estevão, José Dirceu e Geddel, e na qual foram descobertos coisas terríveis como chocolates e um caderno de notas. A reportagem serve para lembrar que a Lava Jato pode descansar um dia ou dois, mas é ela que continua dando as cartas na política brasileira.
Na mesma página, há uma nota sobre nova condenação, desta vez pelo “mensalão tucano”, de Marcos Valério e dos publicitários Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, todos já presos pelo “mensalão petista”. As penas fazem jus aos tempos lavajateiros que vivemos: exageradas. Os três foram condenados a 16 anos em regime fechado. O caso desses três, tanto no mensalão petista quanto no tucano, é escandalosamente político: serviram como bodes expiatórios.
Os partidos de esquerda tem a mania, compreensível mas equivocada, de se insurgirem apenas contra injustiças cometidas por políticos de seu próprio campo. Hoje, por exemplo, a presidenta do PT, Gleisi Hoffmann, estará sendo julgada pelo STF por uma denúncia exclusivamente baseada em delações, e ainda por cima contraditórias.
Os arbítrios judiciais do tipo lavajateiro, no entanto, ganharam muita força a partir do processo do mensalão, que criou nova jurisprudência. Tanto é assim que Lula foi condenado em segunda instância pelo TRF4 com argumentos baseados, essencialmente, em decisões anteriores do STF no julgamento da Ação Penal 470. Todas as bizarrias do julgamento do mensalão foram incrementadas e ampliadas na Lava Jato, quando o arbítrio judicial atingiu o estado de arte atual, em que se pode condenar alguém a penas severíssimas com base apenas em teorias mirabolantes inventadas por procuradores midiáticos.
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Na Folha, lideranças do movimento negro defendem Ciro Gomes
A Folha deu nota de capa para Holiday, o vereador chapado de “capitão do mato” por Ciro Gomes, durante sua entrevista à Jovem Pan. A matéria, na página 7, apesar do título, é positiva para o candidato, porque os dois entrevistados, duas lideranças do movimento negro, posicionaram-se criticamente a… Fernando Holiday.
Trecho:
Já o Ailton Santos, ativista e membro do Comitê contra o Genocídio da População Pobre, Preta e Periférica, foi mais enfático na crítica ao vereador do DEM e viu procedência na analogia de Ciro.
“De uma certa forma [o Ciro] tem razão, porque [Holiday] vem fazendo um papel bem similar ao que o capitão do mato fazia, isto é, defendia os interesses dos senhores, e hoje o vereador representa uma bandeira conservadora. A única ressalva é que o capitão do mato não tinha tantos privilégios que o vereador tem”, afirmou.
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Muita calma nessa hora
Ciro Gomes parece ter começado a semana mais fleumático do que o seu habitual. Depois da entrevista polêmica na Jovem Pan, o pedetista passou por maus bocados durante conferência em Minas Gerais. Irritou-se com o apresentador e parte da plateia e saiu antes de terminar o seu tempo. Aparentemente, a direita já identificou o ponto fraco de Ciro, o seu temperamento, e ligou sua máquina de difamação e destruição de reputação. O candidato tem de respirar fundo e não cair na pilha.
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No Painel da Folha, o destaque vem para a aproximação entre PSDB e PMDB. As duas legendas, juntas, terão o dobro da verba partidária do PT, legenda que lidera este ano, tanto em recurso partidário como em tempo de TV.
O TSE divulgou há pouco quanto cada partido vai receber este ano.
É uma grata ironia do destino que o PT, após o massacre midiático que sofreu nos últimos anos, e que culminou no golpe de 2016, seja hoje a legenda com mais recursos de tempo e dinheiro para fazer sua campanha. Isso possibilitará ao partido fazer um ataque duro contra as forças que derrubaram o governo Dilma.
Uma pena que, ainda segundo a Folha, os dirigentes do PT pareçam mais dispostos, por enquanto, a jogar duro contra um parceiro do “mesmo campo” (nas palavras de Lula), como Ciro Gomes, ao invés de se articularem para derrotar a direita fascista e neoliberal.
Uma briga entre PT e PDT, gratuita, com base puramente no mais baixo cálculo eleitoral, geraria um desperdício de recursos irracional, com derrota para todo o campo progressista. Caso a notícia da Folha seja verdadeira, o PT não apenas estaria sendo o principal estorvo à construção de uma ampla aliança do campo progressista, como trabalhando diretamente contra qualquer possibilidade de aliança. Isso poderia resultar em fraturas difíceis de lidar, tanto num eventual segundo turno quando no exercício do governo. Mas essas notinhas de jornal sempre trazem muita intriga, e devemos lê-las sempre com pé atrás.
Quanto a disputa pelo PSB, a pressão petista pode, de fato, neutralizar a aliança com Ciro Gomes, mas dificilmente convencerá o partido a se aliar ao PT, porque as diferenças entre as duas legendas ainda é muito forte. O PDT, no entanto, poderia servir de “elo” entre PSB e PT.
Juntos, PT, PSB, PDT e PCdoB seriam líderes isolados em tempo de TV e recursos. Vamos torcer para que ainda reste algum juízo na cabeça dos dirigentes.
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A Folha, apesar de estampar, na capa, uma notícia trágica para o país, e que mostra, com uma contundência dramática, o fracasso do golpe, joga-a para o caderno de Cotidiano, pouco lido, sem fazer nenhuma menção aos responsáveis no governo por esse descalabro.
A notícia fala sobre a queda abrupta dos índice de vacinação infantil, para o patamar mais baixo em 16 anos. É para isso que Globo, Judiciário e um punhado de políticos sem escrúpulos deram o golpe? Para matar crianças?
A Globo, em seu Jornal Nacional, provavelmente fará a mesma coisa. Dará a notícia, se é que vai dar, mas sem cobrar duramente do governo uma resposta para essa tragédia.
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O Comandante do Exército, o general Villas Boas, está se encontrando com todos os candidatos a presidência da república. Ontem foi a vez de Ciro Gomes. É um momento para reiterar a importância de explicar aos militares o mal causado ao país pelas políticas e ideias neoliberais.