Nas últimas semanas, saíram várias reportagens indicando que Ciro Gomes é o candidato mais “temido” pelo mercado. Não me perguntem quem é este mercado: ninguém sabe.
É como ensina aquele velho dito espanhol: “no creo en brujas, pero que las hay, las hay”. Apesar de ninguém jamais ter visto esse “mercado” em parte alguma, todos respeitam, temem ou rejeitam sua opinião.
O medo que o “mercado” tem de Ciro Gomes tem uma razão simples. Dentre os principais candidatos, é o que tem o discurso mais ancorado à esquerda do espectro político.
Ciro defende a revogação da reforma trabalhista, a anulação dos leilões do pré-sal e uma política de investimentos fortemente induzida pelo Estado. Para o “mercado”, isso é quase um discurso “bolivariano”, apesar dos países ricos terem sempre, ao longo de sua história, praticado exatamente as mesmas políticas que demonizam nos países pobres.
Uma pesquisa da XP Investimentos, que entrevistou 204 “investidores institucionais”, quantificou cientificamente o tamanho do medo que o mercado tem de Ciro Gomes.
Por ordem de preferência, o mercado quer Alckmin, Alvaro Dias, Bolsonaro, Marina Silva, Fernando Haddad e, em último lugar, Ciro Gomes.
Abaixo, um infográfico do Estadão, publicado junto com uma reportagem, no dia 10 de junho.
Para aplacar a histeria do “mercado”, Nelson Marconi, coordenador do programa de governo de Ciro Gomes, deu uma entrevista a Reuters, publicada hoje em português e em inglês.
Duvido muito que a entrevista, porém, tenha agradado ao “mercado”.
Segundo a reportagem original, em inglês, Marconi afirma, com todas as letras, que Ciro Gomes vai anular os leilões que entregaram o pré-sal a multinacionais, que as reservas pertencem à Petrobras, e que vai retomar os juros baixos para o BNDES.
O jornalista, fazendo às vezes de intérprete do “mercado”, conclui melancolicamente, ao final do texto, que as “propostas econômicas de Gomes marcam o retorno, em várias maneiras, às políticas desenvolvimentistas, com papel central do Estado, dos presidentes Lula e Dilma”.
Não é uma conclusão muito justa, a meu ver, porque as propostas econômicas de Ciro me parecem ser bem mais audaciosas que as implementadas pelos governos petistas.
Entretanto, cuidando para não figurar apenas como um bolivariano revolucionário aos olhos da imprensa internacional, Marconi mostrou uma cenoura aos olhos dos investidores estrangeiros: defendeu o fim do monopólio virtual da Petrobrás no setor de refino.
O trecho em que fala das refinarias é o seguinte:
“For the love of God, refining does not need to be a Petrobras monopoly,” he said, adding that the state-controlled company could sell some refining assets and others could be encouraged to invest in new plants.
Tradução:
“Pelo amor de Deus, o refino não precisa ser um monopólio da Petrobras”, acrescentando que a estatal poderia vender alguns ativos da área de refino e outros poderiam ser encorajados a investir em novas plantas.
O trecho que fala em “vender ativos” não vem com aspas, e, segundo Marconi esclareceu em sua página no Facebook (ver abaixo), não foi falado por ele.
Seria uma tremenda injustiça tratar Nelson Marconi, presidente da Associação Keynesiana Brasileira durante o biênio 2015-2017, como um economista neoliberal ou privatista. Ele é o oposto disso: é um keynesiano clássico, defensor do BNDES e do papel do Estado na indução do desenvolvimento.
Algumas pessoas, no afã de encontrarem uma brecha para atingir Ciro pelo flanco esquerdo, usaram esse trecho para inverter completamente o sentido da matéria da Reuters.
“Ciro defende privatização das refinarias” foi o brado que ecoou em algumas redes.
Como diria uma dessas agências de fact-checking, cuja moral anda em baixa após ficar claro que elas erram tão ou mais como qualquer mídia, a afirmação é, para ser delicado, “imprecisa”.
A matéria não foi com Ciro, e sim com Marconi, e tampouco Marconi defendeu privatização das refinarias da Petrobrás. Marconi é um quadro importante na equipe de Ciro Gomes, mas não é Ciro Gomes.
O que Ciro tem dito, expressamente, em suas entrevistas, é que seu governo investirá num processo de “reindustrialização do país”, que “retomará imediatamente” as obras paradas das refinarias da Petrobras, e que o Brasil precisa ampliar e modernizar o seu parque de refino.
E para dirimir qualquer dúvida a respeito, o próprio Nelson Marconi esclareceu, em sua página no Facebook, que a afirmação de que pretende “privatizar refinarias da Petrobras” é falsa:
Vamos nos ater aos textos originais, publicados pela Reuters, e não às resenhas reescritas em outros espaços da imprensa política brasileira.
Vamos, primeiramente, ao texto em inglês:
Leftist presidential hopeful would end Brazil oil refining monopoly -adviser
Iuri Dantas, Brad Haynes
4 MIN READSAO PAULO (Reuters) – The leading leftist candidate in Brazil’s presidential race, Ciro Gomes, would end the refining monopoly of state oil company Petroleo Brasileiro SA, a senior Gomes adviser told Reuters.
Pre-candidate for Brazil’s Presidency Ciro Gomes, attends a presidential debate in Brasilia, Brazil June 6, 2018. REUTERS/Adriano Machado
The plan laid out by Nelson Marconi, policy director for the Gomes campaign, breaks with longstanding Brazilian industrial policy and could face blowback from powerful unions at Petrobras, as the company is known.“Regarding refineries, we absolutely want to increase competition,” Marconi said late on Tuesday in an interview at the Getulio Vargas Foundation, where he teaches economics.
“For the love of God, refining does not need to be a Petrobras monopoly,” he said, adding that the state-controlled company could sell some refining assets and others could be encouraged to invest in new plants.
His comments underscore how a May trucker strike over fuel prices, which paralysed much of Brazil’s economy and forced the government to slash diesel taxes, has sparked bold proposals for Petrobras ahead of the October election.
A law making Petrobras Brazil’s sole petroleum refiner was struck down in 1997 after more than four decades. But its de facto monopoly went unchallenged until April, when Petrobras laid out plans to sell stakes in some refineries, drawing an outcry from unions and many politicians on the left.
Marconi said Gomes, a fiery centre-left former governor of Ceará state, still demands the reversal of recent auctions granting offshore exploration and production rights to global oil majors, who would be compensated for cancelled contracts.
Gomes has said President Michel Temer, who took office in 2016 after the impeachment of leftist President Dilma Rousseff, lacked the legitimacy to rewrite the rules of those auctions, which drew billions of dollars from Exxon Mobil Corp, Royal Dutch Shell Plc, BP Plc and others.
STATE-LED DEVELOPMENT
The economic proposals of the Gomes camp mark a return in many ways to the state-driven development policies pursued for 13 years under Workers Party presidents Luiz Inacio Lula da Silva and his hand-picked successor, Rousseff.
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Tradução do título:
Candidato da esquerda poderia encerrar monopólio no refino do Brasil.
Tradução da primeira frase da matéria:
O principal candidato da esquerda, nas eleições presidenciais do Brasil, Ciro Gomes, poderia pôr fim ao monopólio do refino pela Petrobras, disse à Reuters um assessor de Gomes.
Tradução dos últimos três parágrafos da matéria:
Marconi disse que Gomes, um ousado ex-governador de esquerda do Ceará, exigirá a anulação dos recentes leilões do pré-sal, que concedeu direitos de exploração das reservas brasileiras a grandes multinacionais de petróleo, as quais seriam compensadas pelo cancelamento dos contratos.
Gomes tem dito que o presidente Michel Temer, que assumiu o cargo em 2016, após o impeachment da presidenta esquerdista Dilma Rousseff, não tinha legtimidade para mudar as leis relativas aos leilões do pré-sal, que trouxe bilhões de dólares a ExxonMobil Corp, Royal Dutch Shell Plc, BP Plc e outras.
Desenvolvimento orientado pelo Estado
As propostas econômicas de Gomes marcam um retorno, em muitas maneiras, às políticas desenvolvimentistas, sob orientação do Estado, perseguidas durante os 13 anos de governos do PT de Luiz Inácio Lula da Silva e sua sucessora escolhida a dedo, Dilma Rousseff.
Abaixo, a entrevista original em português, publicado no site da Reuters Brasil.
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Na Reuters
ENTREVISTA-Refino de petróleo terá mais competidores, diz coordenador de programa de Ciro; câmbio deve ter mais previsibilidade
Redação Reuters
9 MIN, DE LEITURA
Por Iuri Dantas e Brad Haynes
SÃO PAULO (Reuters) – O programa de governo do principal pré-candidato de centro-esquerda nas eleições presidenciais deste ano, Ciro Gomes (PDT), prevê abertura do setor de refino de petróleo à concorrência, com alienação de ativos da Petrobras e permissão para que empresas privadas construam novas refinarias, bem como prevê que o BNDES volte a ter perfil de banco de fomento com taxa de juro mais barata.
Além disso, segundo o economista Nelson Marconi, coordenador do programa de governo de Ciro, a plataforma prevê uma atuação do Banco Central no mercado de câmbio que gere mais previsibilidade, em intervenções para que a cotação fique em torno de um determinado patamar, além de um rearranjo de receitas e despesas com o objetivo de reduzir rapidamente a dívida pública.
Os tópicos foram destacados à Reuters pelo coordenador de programa do pré-candidato, que vem despontando como a alternativa dos eleitores mais de esquerda em pesquisas quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), preso há mais de dois meses, fica fora dos cenários.
“˜Refino, pelo amor de Deus, não precisa ser monopólio da Petrobras, que não deixa ninguém entrar neste mercado”, afirmou na noite de terça-fera Marconi, de 53 anos, doutor em economia e professor da Fundação Getúlio Vargas.
“Do ponto de vista do refino, a gente quer absolutamente aumentar a competição… Você fica menos dependente de petróleo refinado importado”, acrescentou.
Prevista em lei desde 1997, a abertura do setor de refino nunca aconteceu na prática, levando a Petrobras a exercer um monopólio que define preços para todas as distribuidoras de combustíveis do país.
“A tecnologia que as refinarias usam na Petrobras está meio defasada”, disse Marconi. “Então tem que estimular de alguma forma o surgimento de outras refinarias com tecnologia que, inclusive, baixam os custos de produção.”
A Petrobras pretende vender 60 por cento de sua capacidade de refino no país e no fim de abril lançou o projeto de se desfazer de quatro unidades, para criar dois pólos de refino no Nordeste e Sul do país. A venda de ativos da estatal, porém, enfrenta protestos de petroleiros e foi alvo do Tribunal de Contas da União (TCU).
Marconi disse ainda que a proposta para uma nova política de preços da Petrobras não está fechada, mas adiantou como pressupostos a remuneração do capital e cobertura de custos, além da decisão de que a estatal não deve transferir para o consumidor as flutuações dos preços do petróleo e do câmbio no dia a dia.
A política de preços da Petrobras, com aumentos mais frequentes em linha com a cotação internacional do petróleo, foi apresentada pelo governo como uma forma de atrair investimentos para o setor, após forte intervenção estatal durante a gestão Dilma Rousseff. A Agência Nacional do Petróleo (ANP) abriu consulta pública sobre os repasses ao consumidor, numa tentativa de regular o tema.
O alto preço do diesel foi o estopim de uma greve de caminhoneiros que durou 11 dias, em maio, e provocou desabastecimento no país todo. A crise levou o então presidente da empresa, Pedro Parente, a pedir demissão do cargo.
Maior estatal do país, a Petrobras pode impulsionar o crescimento econômico também via política de compras governamentais de produção local, citou ele, elencando também o setor de saúde como outro caminho para a iniciativa.
Ele também defendeu que as reservas de petróleo são ativo estratégico e devem ficar com a Petrobras e que contratos fora do modelo de partilha serão revistos e indenizados.
CÂMBIO
A forte turbulência no mercado cambial levou o dólar a um patamar “relativamente certo”, “ao redor de 3,80 reais”, na visão do economista, e um eventual governo Ciro buscaria dar mais previsibilidade sobre esse mercado com atuações do BC e criação de um fundo soberano para suavizar os fluxos comerciais.
“Sobre o tripé (econômico), os vértices podem não ser os mesmos… o câmbio não é mais tão flutuante”, disse Marconi, que na década de 1990 foi assessor econômico do Ministério da Administração e Reforma do Estado e depois coordenou a área de recursos humanos no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
“Tem que ter uma certa previsibilidade, tem que diminuir essa variância do câmbio.”
Outra forma de conter a volatilidade cambial no Brasil seria reduzir os atrativos para o capital especulativo por meio de um menor diferencial da taxa de juros nacional em relação à internacional. Na avaliação de Marconi, o caminho mais indicado é adotar instrumentos conhecidos, como swap cambial, leilão de linha e uso de reservas e evitar medidas pouco usuais.
“A gente está buscando não usar controle de capitais, esse tipo de coisa, porque aí sim dá ruído no mercado”, afirmou. “A gente prefere que o BC faça intervenção.”
A solução para atingir um câmbio “competitivo” para exportadores seria um controle rígido das contas públicas e da dívida nacional, explicou o economista. “Nossa variável de ajuste vai ser o fiscal, tem que ser o fiscal, este modelo todo funciona se tiver o fiscal em ordem.”
Ainda na esfera do BC, o economista defende pessoalmente a adoção de duplo mandato, com meta de emprego e inflação, mas que o sistema de metas permita absorção mais racional de choques de preços. Isso poderia ocorrer, explica Marconi, alterando o horizonte de convergência da inflação para o objetivo e estabelecendo o alvo como a evolução acumulada em 12 ou 24 meses, em vez do ano calendário como é feito hoje.
BNDES
A equipe do pedetista também avalia que é preciso retomar a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), recentemente substituída pela Taxa de Longo Prazo (TLP) como referência nos empréstimos do BNDES, para estimular investimentos em infraestrutura, e reduzir o ritmo de desembolsos do banco de fomento para o Tesouro Nacional.
A TJLP é uma taxa de juros subsidiada e, assim, menor do que as praticadas pelos mercados. Já a nova TLP tem uma estrutura parecida com os juros de mercado, vinculada a títulos públicos atrelados à inflação, e foi uma medida adotada e bastante comemorada pelo governo do presidente Michel Temer.
“Colocar uma taxa de juros associada a um título da dívida, que oscila, para quem vai fazer investimento, não tem lógica”, afirmou Marconi.
Ele defendeu também que é preciso reduzir os repasses do BNDES ao Tesouro e que o banco capte recursos via debêntures e outro mecanismos para se sustentar. Só neste ano, o BNDES antecipará o pagamento de 130 bilhões de reais à União para ajudar no ajuste fiscal.
A candidatura Ciro representa uma iniciativa “progressista” e de “centro-esquerda”, afirma Marconi, ressaltando a importância de aprovar a reforma da Previdência, as mudanças fiscais e tributárias, ao mesmo tempo em que retoma investimentos públicos em áreas típicas de Estado, como educação e saneamento. No ano passado, foram comprometidos 357,4 bilhões de reais em subsídios no Orçamento.
FISCAL
Marconi explica que o eventual governo de Ciro faria um corte de despesas correntes e tributação de lucros e dividendos, além da criação de novo imposto sobre movimentação financeira para transações acima de um determinado valor, que ainda está sob estudo na campanha.
“A gente vai colocar um imposto sobre lucros e dividendos e reduzir a tributação na pessoa jurídica para compensar, mas provavelmente vai ter algum ganho líquido de arrecadação”, afirmou. “E a gente vai fazer algum imposto também sobre movimentação financeira, até reduzir a dívida e chegar num determinado patamar.”
Outra iniciativa será o corte dos subsídios no Orçamento federal em 15 por cento já em 2019, criando espaço para retomada de investimentos públicos na construção de escolas e saneamento básico. A área de logística e infraestrutura também deve receber aportes do poder público, mas em menor medida, uma vez que serão retomados projetos de concessão à iniciativa privada paralisados durante o governo Temer, disse Marconi.
Os mercados financeiros não veem Ciro com bons olhos, com avaliações de que ele poderia adotar medidas populistas e com pouca preocupação fiscal. Para Marconi, que mantém contato frequente com economistas do mercado, ao fortalecer a esfera produtiva, o mercado financeiro também será beneficiado.
“O Ciro é uma pessoa que tem experiência administrativa grande, foi governador (do Ceará), prefeito (de Fortaleza), ministro”, afirmou ele. “Tem experiência e nunca fez nenhuma loucura, pelo contrário”, acrescentou.
“Acho que (a visão sobre Ciro) tem mudado mais rápido em relação ao meio empresarial. Eles percebem que estamos falando o tempo todo que estamos defendendo eles”, disse. “Não estamos fazendo aqui uma revolução socialista, pelo contrário, queremos que gerem mais emprego.”