Na BBC
Ciro: “Eu não sou contra o Bolsonaro, eu sou contra o fascismo”
Por Mariana Sanches e Camilla Veras Mota
Da BBC News Brasil em São Paulo
Sob o olhar de Getúlio Vargas, João Goulart e Leonel Brizola, na sede paulista do PDT, o presidenciável Ciro Gomes recebia uma camada de base sobre o rosto para conter o brilho do suor. Embora fizesse um clima ameno em São Paulo na última segunda-feira, Ciro tinha motivos para suar. Em um cenário sem o ex-presidente Lula (PT), ele disputa com Marina Silva (Rede) a vaga para o segundo turno do pleito de 2018, com 10% a 11% dos votos, de acordo com o último Datafolha.
Para garantir a vaga, tenta aglutinar em torno de si os partidos de esquerda, especialmente o PSB, que lhe acrescentaria 1 minuto e 23 segundos diários de exposição televisiva na campanha. Ao mesmo tempo, tem aberto diálogo com partidos de centro e direita, como DEM, PP e Solidariedade. Mas declarações recentes suas criaram mal-estar entre os possíveis aliados, que a equipe de Ciro tentava debelar enquanto ele falava à BBC News Brasil.
Ele disse que, antes de sentar à mesa com essas siglas, se dedicará a garantir a “hegemonia moral e intelectual” da candidatura, o que foi entendido pela centro-direita como um demérito. “O que há nesse momento é uma brutal onda de especulação, muita intriga”, exaltou-se o ex-governador do Ceará, negando conversas com partidos como DEM.
“Aliança é por definição contraditória. O que elimina essa contradição é o propósito com o qual ela é firmada”, explicou-se, em referência ao termo “hegemonia moral e intelectual”. Se nega que as conversas estejam em curso, Ciro não perde oportunidade de elogiar o atual presidente da Câmara e presidenciável do DEM Rodrigo Maia, “por quem tenho estima desde garoto”.
Equacionada a questão política, Rodrigo Maia, deputado com bom trânsito no mercado financeiro, poderá ser um importante aliado para que Ciro consiga reduzir resistência nessa frente.
“Nenhum liberal desses toscos mal lidos chegará perto do meu governo”, dispara o candidato. Questionado sobre a autonomia do Banco Central para conduzir a política de juros, Ciro afirma que a instituição passará a ser orientada a obter “a menor inflação a pleno emprego”.
O pedetista critica duramente o sistema bancário nacional e garante que ampliará a competição entre bancos na sua gestão, a fim de reduzir os juros reais praticados no país. Afirma que fará o ajuste fiscal reduzindo as desonerações a setores da indústria, implantadas sobretudo no governo Dilma Rousseff (PT), e criando impostos sobre heranças e doações e sobre a distribuição de lucros e dividendos a empresários e investidores.
Para a Previdência, defende um modelo de capitalização público, em que o trabalhador resgate como aposentadoria algo proporcional ao que depositou ao longo da carreira.
Ciente do temor do mercado em relação a seu nome, Ciro diz que em “hipótese nenhuma” fará um texto de compromisso como a Carta ao Povo Brasileiro, apresentado por Lula na campanha de 2002 para assegurar contratos e pagamento de dívida. “Olha no que deu. Cadê o Lula e onde estou eu”, diz.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
BBC News Brasil – O senhor tem excluído a possibilidade de aliança com MDB, chama de “ladrões” alguns integrantes do partido. No entanto, o partido com mais condenados pela Lava Jato é o PP, do qual pode sair seu vice, Benjamin Steinbruch. Não é uma contradição?
Ciro Gomes – O que há nesse momento no Brasil é uma brutal onda de especulação, muita intriga, o que também não me assusta, que é muito própria dos tempos.
O que eu tenho buscado fazer é buscar alianças com partidos que não têm candidato a presidente da República. Nesse momento, o único partido desse campo que não tem candidato é o PSB.
Isso dito, o jornalismo me pergunta às vezes, instrumentalizado por fofoca – e o jornalista não é culpado disso: ‘E o PP, você aceita?’ Claro que aceito. ‘E o Democratas, você aceita?’ Claro que aceito. E começam as especulações.
E o que eu digo, e isso elimina possibilidade de contradição, no Brasil nenhum partido político terá mais de 10% da Câmara Federal, se tiver mais do que 10%, será 11%, mas 12% seguramente nenhum partido terá. Mesmo eu ganhando, não tenho a chance de fazer 12% com o meu partido.
BBC News Brasil – Nem o MDB?
Ciro – Nenhum partido. Nenhum. O MDB vai encolher, o PT vai encolher.
BBC News Brasil – É uma novidade o que o senhor está antevendo. Por que até hoje não foi assim…
Ciro – O MDB hoje tem 70 deputados, é um pouco mais de 10% (o MDB elegeu 66 deputados em 2014, mas hoje a bancada tem 51 deputados, o que equivale a 10%), a Câmara tem 513 deputados. Nenhum fará 12%.
O que quer dizer que qualquer presidente responsável que queira traduzir suas promessas em compromisso resgatado com o povo tem que anunciar desde antes que aqueles a quem o povo depositar o voto, será com eles que nós teremos que negociar.
Eu sou um homem muito vivido e sempre disse que o problema não são as contradições da aliança, porque a aliança é por definição contraditória. Se não fosse contraditória, não era aliança.
O que elimina essa contradição é o propósito, no meu caso é claramente a fixação de um programa muito explícito, até julho ficarão muito claras as providências que eu pretendo tomar no ambiente de reformas interativas com o Congresso Nacional.
E, de outra forma, aquilo que eu chamo de hegemonia moral e intelectual, ou seja, o que importa aqui é a qualidade, o cimento da aliança e o propósito com o qual ele é firmado.
Nesse sentido, eu excluo o MDB apenas por isso: porque ele escapuliria claramente de qualquer possibilidade de hegemonia moral e intelectual. O que eles têm feito hoje – o MDB está comandando o poder a partir de um golpe; o que ele fez ontem – traiu e desmontou o projeto de aliança com o PT; o que ele fez anteontem – destruiu o governo Fernando Henrique Cardoso. Sempre com a mesma característica: fisiologia, clientelismo e roubalheira.
BBC News Brasil – O DEM, com quem o senhor estaria tendo conversa, é fiador desse governo Temer.
Ciro – Eu não tive nenhuma conversa com o DEM. O DEM tem candidato à presidência da República, ninguém menos do que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, por quem tenho estima desde garoto.
As pessoas não sabem, mas sou velho amigo do pai de Rodrigo Maia, César Maia. Ajudei o César Maia em campanhas importantes dele no Rio de Janeiro, tenho respeito pelo César Maia e esse respeito imediatamente se transferiu para o Rodrigo, de maneira que eu não cometeria nenhuma indelicadeza porque ele é candidato.
Se ele não for e, não sendo, admitir conversar comigo, a conversa estará aberta.
BBC News Brasil – O senhor já se colocou contra o teto de gastos e a reforma trabalhista. Vai revogar todas as reformas do Temer?
Ciro – Os valores perseguidos por essas reformas são valores corretos: equilíbrio fiscal, modernizar as relações trabalhistas. Só que, a pretexto disso, o Brasil fez coisas selvagens e incongruentes, coisas insustentáveis no campo da aritmética básica.
Por exemplo, você estabelecer, sem qualquer precedente e sem legitimidade, um status constitucional de que o Brasil está proibido de expandir seu gasto em termos reais com educação e saúde, colide com coisas evidentes.
Isso vai constranger o custeio da máquina. Você não vai repor os carros da polícia? A munição da polícia? Se eventualmente a inflação ficar perto de zero, como queremos, em torno de 3%, você vai crescer só 3% as viaturas do Exército e da Polícia?
Isso daqui (o teto de gastos) tem que ser revogado pura e simplesmente. Mas, como o valor é correto, nós admitimos discutir. Mas nunca por status constitucional e nunca pesando sobre educação, saúde e investimento.
BBC News Brasil – Como faria o ajuste fiscal? De um lado, você defende que não haja diminuição do investimento público, mas, mesmo com o ajuste fiscal que a gente tem hoje, com redução de investimentos, há um deficit previsto nas contas públicas até 2021. Como vai dar pra o Estado voltar a investir e ao mesmo tempo sanear as contas públicas?
Ciro – É só a gente raciocinar e sair das interdições ideológicas. O raciocínio é básico e todo mundo está sabendo fazer em casa nesse momento trágico de dificuldade, em que 13,7 milhões de brasileiros estão desempregados.
Como essa gente faz todo dia? Diminui a despesa – às vezes na conta do sacrifício, como é o caso do nosso povo – e procura aumentar a receita. Tem muita gente aí no bico, fazendo hora extra, trabalhando 14, 16 horas.
BBC News Brasil – A diferença é que o governo tem uma série de gastos que não podem ser diminuídos…
Ciro – É só a gente ir em linha com o mundo. Qual é o país do mundo que compromete metade de seu orçamento com despesa financeira? Aqui você tem que cortar custo com juro e rolagem de dívida.
Quem determina a taxa de juros é um conjunto de variáveis práticas. Mas no Brasil essas variáveis práticas têm sido violadas em favor de uma especulação patrocinada pelo governo, claramente. A conta de juro no Brasil não fecha.
Mas a outra grande questão é aumentar a receita e, para isso, considerar criticamente três grandes passos: é razoável um país com esse nível de deficit ter renúncias fiscais da ordem de quase meio trilhão de reais por ano?
No mundo inteiro, cobra-se tributo progressivo sobre as grandes heranças e doações. O Brasil cobra 4% em média.
O mundo inteiro, menos o Brasil e a Estônia, cobram imposto sobre lucros e dividendos empresariais.
Por esse caminho e mais algumas outras providências de combate à corrupção, de garantia da eficiência, tudo isso permite a mim visualizar, dependendo do nível de apoio que eu conseguir granjear na população brasileira, de virar o jogo de deficit em 24 meses.
BBC News Brasil – Está no horizonte criar impostos, então?
Ciro – Acabei de falar em dois, que teriam que ser criados, como o imposto sobre lucros e dividendos, ou mudados em sua orientação, no caso de heranças e doações.
BBC News Brasil – Sim, ambos recaem sobre uma parcela específica da população…
Ciro – Só a maioria rica. Nesse país, cinco pessoas têm renda acumulada equivalente às posses de 100 milhões de brasileiros.
BBC News Brasil – No seu governo haveria interferência sua sobre a política de juros do Banco Central?
Ciro – Minha não, o Banco Central Brasileiro será orientado no meu governo para perseguir a menor inflação a pleno emprego. Portanto, a lógica do mandato do Banco Central mudará e voltará para ser um mandato em linha com as nações mais civilizadas do planeta Terra.
BBC News Brasil – Não haverá independência e autonomia do Banco Central?
Ciro – Não, ele será autônomo para perseguir a menor inflação a pleno emprego.
BBC News Brasil – O mercado financeiro tem sinalizado que prefere Jair Bolsonaro ou Marina Silva ao senhor. O senhor cogita formular uma espécie de Carta ao Povo Brasileiro?
Ciro – Não, em nenhuma hipótese. A minha autoridade para reformar o país depende de que fique muito claro que meu patrão é o povo brasileiro e o interesse nacional.
Isso não quer dizer que eu tenha qualquer tipo de preconceito ou hostilidade contra qualquer grupo de interesse, mas eu não aceito a tutela do autorreferido mercado, que se trata, na verdade, de meia dúzia de especuladores financeiros, sobre a democracia.
Isso é uma perversão absolutamente grave que tem destruído a economia brasileira. Repare bem, veja se é razoável: recebi a prefeitura de Fortaleza com 3 meses de funcionalismo atrasado e toda receita corrente só pagava 80% de uma folha. Não pratiquei um ano de deficit, saí com o superávit maior entre as capitais. Depois fui governador do oitavo Estado brasileiro (Ceará), não tive um único dia de deficit.
Por que o mercado quer me tratar agora como uma pessoa não austera? É por que eu estou dizendo que, nesse país, 26% da dívida pública está vencendo em quatro dias clandestinamente e isso não é nada austero, isso é corrupção.
BBC News Brasil – O senhor se refere às operações compromissadas do BC?
Ciro – Operações compromissadas do Banco Central (títulos vendidos ao mercado financeiro para serem posteriormente recomprados pelo BC), R$ 1,1 trilhão que vencem em quatro dias. Pergunte a qualquer especialista do planeta Terra se isso não cheira a crime, bandalheira, corrupção.
BBC News Brasil – O Lula cometeu um erro ao fazer a Carta ao Povo Brasileiro?
Ciro – Absolutamente, olha no que deu. Cadê o Lula e onde estou eu? Adiantou isso? O Lula foi 8 anos presidente do Brasil com superavit primário ao redor de 3% ao ano, o quê que adiantou?
BBC News Brasil – O senhor considera que foi o mercado financeiro que o colocou na cadeia?
Ciro – Eu não considero nada, eu estou perguntando a você o que adiantou aceitar que 85% das operações de um país como o Brasil sejam concentradas em cinco bancos.
BBC News Brasil – O senhor ativamente mudaria a estrutura bancária do país?
Ciro – Claramente. Vai ter mais banco e, com certeza, a partir do primeiro dia vai ter mais concorrência porque os dois bancos públicos – Banco do Brasil e Caixa Econômica – estão ali cartelizados junto com os três privados.
BBC News Brasil – Outros candidatos, liberais – como João Amoêdo, do Novo -, batem na mesma tecla e defendem privatização dos bancos públicos como parte do processo do aumento de concorrência para poder baixar juros…
Ciro – São engraçadinhas essas pessoas. Eles ganham com a perversão e querem ganhar com a denúncia da perversão. Isso é muito pitoresco no Brasil.
Esses pouco estudados, pouco vividos e agora metidos a estadistas, o Brasil tem dessas coisas, o camarada nunca foi prefeito, nunca foi vereador e agora quer ser o chefe de Estado de uma nação complexa de 207 milhões de habitantes.
Viva a democracia, mas essa é uma peculiaridade bem curiosa do Brasil.
Mas aí veja bem, o que é no Brasil privatização tem significado, com raras exceções, internacionalizar a economia. E eu não quero internacionalizar o sistema financeiro brasileiro.
Então, olhe a contradição: o que o sr. Amoêdo está propondo é que você destrua o sistema financeiro brasileiro porque, ao privatizar o Banco do Brasil, a Caixa Econômica, nenhuma entidade privada brasileira tem dinheiro para comprar.
O que ele está anunciando é simplesmente desnacionalizar o sistema financeiro do país. O que eu quero fazer: para começar, Banco do Brasil e Caixa, estatais que são, serão orientadas pelo acionista controlador, o povo brasileiro, para competir, tarefa para a qual foram criados originalmente.
BBC News Brasil – Quem seria o seu ministro da Fazenda?
Ciro – Primeiro é hora de ter humildade de pedir ao povo voto.
BBC News Brasil – Mas claramente não seria um (Joaquim) Levy, um Henrique Meirelles?
Ciro – Nenhum neoliberal desses toscos mal lidos chegará perto do meu governo.
BBC News Brasil – A política econômica do senhor é inspirada no nacional desenvolvimentismo do Bresser Pereira. A última vez que isso foi tentado foi no primeiro governo Dilma, e deu no que deu. Por que agora seria diferente?
Ciro – Não houve isso no governo Dilma. Vamos ter clareza. No primeiro governo Dilma fez-se o quê em matéria de nacional desenvolvimentismo? Renúncia fiscal?
BBC News Brasil – Conteúdo nacional.
Ciro – Conteúdo nacional sim, é o elemento básico, importante, central. Se não, não se explicaria a recém-proibição pelo governo americano, pelo presidente Trump pessoalmente, de que os chineses comprassem a Qualcomm (em março, a fabricante chinesa de chips Bradcom fez oferta de aquisição à concorrente americana).
Por quê? Porque os americanos sabem que a política de conteúdo nacional é absolutamente necessária e central.
Agora, o que a Dilma fez foi renúncia fiscal para setores oligopolizados do capital estrangeiro. Não houve verticalização, nem política industrial de comércio exterior no Brasil em nenhum setor.
BBC News Brasil – Houve congelamento de preço de energia, mudança na política de preços da Petrobras, para segurar os preços de combustíveis…
Ciro – Isso daí é incompetência, não tem nada a ver com nacional desenvolvimentismo. E nem eu sou nacional desenvolvimentista, porque o nacional desenvolvimentismo produziu no Brasil um fenômeno muito interessante.
Quando acabou a Segunda Guerra Mundial esse era um país de monocultura de cana-de-açúcar e café. Quando colapsou esse modelo nós éramos a 15ª economia industrial do planeta.
A Coreia do Sul, 30 anos atrás, não sabia fazer um automóvel, e hoje é uma das mais importantes plataformas automobilísticas do planeta. A China, em 1980, tinha um produto industrial que era um sexto do produto industrial do Brasil. Hoje é sete vezes o Brasil. E não consta que eles tenham feito isso inventando a roda.
BBC News Brasil – Mas o nível de poupança interna desses países é bem maior, fator que impulsionou os investimentos.
Ciro – Essa é a questão. Só se sustenta o desenvolvimento baseado em alto nível doméstico de formação de capital, de capital nacional. Mas, ao contrário da mistificação neoliberal, o nível de formação bruta de capital de uma nação é consequência de arranjos institucionais que a política faz ou deixa de fazer.
Por isso eu quero propor, não uma reforma da Previdência, mas uma nova Previdência, ainda que a transição seja complexa.
Essa Previdência vem em linha para construir um bolo de poupança pública de longo prazo, elevando o nível de formação doméstica de capital.
BBC News Brasil – Qual o modelo que vocês propõem? Misto, parte no sistema de partilha e parte no de capitalização?
Ciro – A transição é mista. Minha ideia é fazer um regime de capitalização em que nós todos poupamos, parte compulsoriamente – a contribuição – e parte voluntariamente, se eu quero ter uma aposentadoria um pouco maior.
Eu quero até experimentar no Brasil uma coisa pública, mas não estritamente estatal. Por isso eu falo: pública, sob o controle dos trabalhadores.
Serão grandes fundos, que a gente deve descentralizar pra não correr riscos coletivos – não colocar os ovos todos em uma cesta só -, e os trabalhadores controlarão através de conjuntos de mecanismos modernos de democratização, de poder, e com uma carreira de Estado premiada pelo êxito, com agências de risco vigiando, pelo menos em um primeiro momento, o padrão do investimento.
Durante a transição, estou propondo retirar todos os benefícios que não têm contribuição (aposentadoria rural, por exemplo) e discriminar do orçamento, pra que sejam pagos diretamente pelo Tesouro – como na prática já é, só que agora com transparência. Isso então vai dar clareza do problema real da Previdência.
Nós estamos ensaiando um teto novo (valor máximo do benefício, que hoje é de pouco mais de R$ 5 mil), não pra mexer em ninguém hoje, mas um teto novo de três, quatro e cinco salários mínimos.
Aqui é o seguinte: se for de três salários mínimos esse teto, a transição é mais rápida (porque o valor das aposentadorias será menor), se for quatro é intermediária, e cinco, é uma transição mais longa.
BBC News Brasil – Sem aumento de idade mínima?
Ciro – O acesso a isso você tem que discutir, mas discutir respeitando o Brasil. Não é razoável que um trabalhador intelectual de uma região rica tenha a idade mínima igual à de um trabalhador rural do semiárido.
Tem toda uma sofisticada discussão, que eu proponho que dure 6 meses, de maneira que a gente faça um desenho sólido, democrático, aceito pela maioria do povo brasileiro.
BBC News Brasil – O presidente Lula lançou sua candidatura na última sexta-feira. O senhor considera isso um erro da esquerda…
Ciro – (interrompendo) Não comentarei mais nenhuma vez a estratégia do PT, os dizeres do PT. Apenas repito aquilo que eu digo: o PT, eu compreendo o trauma que está passando, respeito o momento deles, respeito seu tempo e vou cuidar da minha vida sem o PT.
BBC News Brasil – O senhor é signatário do Manifesto do Projeto Brasil Nação, capitaneado pelo professor Bresser Pereira, que é muito próximo de Nelson Marconi, um de seus assessores econômicos. O manifesto defende câmbio desvalorizado como um caminho para estimular exportação e fortalecer a indústria nacional. Ao mesmo tempo, a gente sabe que esse tipo de política achata salários. O que o senhor acha dela?
Ciro – Não se apresse em reproduzir essas manifestações pouco lidas de uma certa elite muito “goeluda” desse país sofrido que é o nosso Brasil. A China trabalha com uma taxa de câmbio consistentemente estimulante da competitividade (moeda depreciada) e os salários reais da economia chinesa só crescem consistentemente, todo ano.
BBC News Brasil – Depois de décadas de muita pobreza, não?
Ciro – Todo dia, todo mês, todo ano ela só cresceu.
BBC News Brasil – O senhor defende câmbio fixo?
Ciro – Não. Eu defendo que a taxa de câmbio seja aquela que reflita a saúde das contas do país com o estrangeiro. E toda e qualquer influência cíclica que possa acontecer seja perseguida pela política do Estado brasileiro de maneira a garantir esta variável como um preço estimulante a quem produz e a quem trabalha.
BBC News Brasil – Com um dólar a R$ 4, uma série de insumos importados da indústria passa a custar mais caro e acaba aumentando os preços no mercado doméstico, diminuindo o poder de compra dos salários, não?
Ciro – Se nós deixarmos assim como está, parece ser verdade, mas é aquilo que a gente chama de falácia. Por quê? Porque o país deixou de ter uma política industrial e de comércio exterior, esse é um fato.
BBC News Brasil – O que o senhor pensa sobre a Lava Jato?
Ciro – Sou completamente a favor, ponto.
BBC News Brasil – E manteria a independência do Ministério Público Federal, da Polícia Federal?
Ciro – Não é tarefa do presidente da República constranger isso.
BBC News Brasil – O ministro da Justiça, que controla a PF, é escolhido pelo presidente.
Ciro – A Polícia Federal é subordinada, sob o ponto de vista de hierarquia e disciplina, ao presidente da República, e como tal será no meu governo.
Quem vai mandar na Polícia Federal sou eu, sem qualquer tipo de contemporização. Isto dito, quando ela exercitar as tarefas de polícia judiciária, ela está sob ordens do Judiciário.
Qual é a diferença? Um mandato de prisão – cumpra-se, seja de quem for, porque quem está mandando é o juiz. Mas uma entrevista de um delegado, um vazamento de uma informação sem ética, que destrua a reputação de um inocente ainda não acusado, será tarefa disciplinar que eu vou tomar.
BBC News Brasil – O senhor tem se colocado como anti-Bolsonaro. O senhor faria uma composição com o MDB e com o PSDB, se necessário, para vencê-lo?
Ciro – Com o MDB eu não quero nenhum tipo de negócio.
BBC News Brasil – Nem para eventualmente ganhar do Bolsonaro?
Ciro – Com o MDB não haverá aliança no meu governo, porque eu escolhi o MDB, pelo mal que ele faz hoje, fez ontem.
Nós precisamos destruir o MDB, pelos caminhos democráticos, tirando o oxigênio da roubalheira que é o que explica esse poder quadrilheiro que sua hegemonia tem.
Lembrando que há outras pessoas respeitabilíssimas lá. Roberto Requião é uma pessoa honrada, que eu respeito, só pra dar um exemplo.
Isto dito, eu não sou contra o Bolsonaro, eu sou contra o fascismo.
Felizmente para nós, o Bolsonaro é um intérprete ridículo de valores muito sérios, muito graves e muito ameaçadores pra humanidade. É um despreparado, uma pessoa cheia de preconceitos, militarista, extremista. Ele representa cada vez mais esses valores toscos do fascismo, da violência, da intolerância, do preconceito contra a mulher, do preconceito contra LGBT, contra religião, contra pobre.
BBC News Brasil – O que o senhor diz para o eleitor que pede por intervenção militar como solução para o país?
Ciro – Eu compreendo. Eles estão pedindo, de uma forma tosca, autoridade. A restauração do Estado de direito, regras que sejam cumpridas, o fim da impunidade, da corrupção.
E aí, o passo seguinte é a ilusão de que o estamento militar algum dia representou isso de verdade. Nunca representou, nem aqui e nem em lugar nenhum do mundo.
Em um país que tem contradição democrática, a gente tem que negociar, tolerar as diferenças e, para essa gente que é vulnerável ao autoritarismo, provavelmente mal amada em casa – provavelmente o pai não beija, não abraça -, tem essa coisa frágil.
Ou provavelmente sexual mesmo. Eu tenho pra mim que parte importante desse discurso homofóbico é de gente que, sendo homossexual, não tem a coragem dos homossexuais de se assumir.