Ciro Gomes esteve em Buenos Aires nos últimas dias, onde participou de encontros com importantes personalidades empresariais e políticas do país.
A repórter Janaína Figueiredo, do Globo, correspondente local, cobriu sua visita, conversou com ele e publicou uma matéria.
O título da matéria é malicioso, como seria de se esperar do Globo. Mas a reportagem é honesta. Se o internauta esquecer o barulho das manchetes enviesadas, à direita e à esquerda, ou das “resenhas” tendenciosas da mesma reportagem, e se concentrar no conteúdo original (reproduzido na íntegra abaixo), encontrará os seguintes trechos:
[Cigo Gomes] assegurou que veio ao país apresentar sua ideia de liderar “uma ampla aliança de centro-esquerda” que poderia incluir os partidos DEM e PP, desde que antes seja fechado acordo com PSB e PCdoB que garanta “a hegemonia moral e intelectual” de uma eventual frente eleitoral.
Ciro é bem claro. Mas sou obrigado a repetir: sua ideia é de uma aliança de centro-esquerda, com prioridade máxima para as legendas à esquerda, como PSB e PCdoB. Ciro não menciona o PT por motivos óbvios: sempre que o fez, no passado recente, tomou paulada. Qualquer referência a uma aliança de Ciro com o PT tem soado ofensiva aos petistas e só gera desgaste e contra-ataque, visto que o PT já definiu o seu candidato: Lula.
Em outro momento da reportagem, Ciro explica seu esforço para construir uma ampla aliança política:
Não podemos correr o risco de ver um golpe de Estado e as forças que o praticaram serem legitimadas pelo voto popular — declarou o pré-candidato, defendendo a necessidade de incluir a maior quantidade de partidos possíveis na aliança que está formando.
A frase não dá margem de dúvida quanto ao posicionamento ideológico de Ciro Gomes, mas somos obrigado novamente a repetir: ele quer derrotar o “golpe de Estado e as forças que o praticaram”. Ah, alguém perguntará, mas fará isso se aliando a partidos golpistas? Bem, assim é a vida. Esses partidos, ao se aliarem a um candidato que tem uma posição muito clara contra o golpe, fazem-no porque o golpe fez água, o que os obriga a sinalizar para o centro.
O PT está fazendo acordos políticos e eleitorais com diversos candidatos e partidos golpistas em todo país, para as eleições estaduais. Isso é realpolitik e o golpe não será vencido com posturas sectárias. O PCO é um partido muito digno, que eu respeito muito, mas é o partido com menos votos no país. Tem ficado sempre em último lugar, com menos que todos os outros nanicos. Eu fiz um post sobre isso já. Olhem o ranking dos partidos com menor número de eleitores em 2016:
Acho loucura e suicídio político a militância petista seguir a liderança do PCO, que tem feito ataques sistemáticos aos outros candidatos do campo da esquerda: Boulos, Manuela e Ciro. A decisão da direção petista, de incluir um representante do PCO entre os oradores, no lançamento da candidatura de Lula, foi um equívoco infantil.
Em outro momento da reportagem do Globo, provocado a falar sobre o PT, Ciro Gomes tenta ser o mais delicado possível:
— Há 16 anos, o presidente Lula assumiu o poder no Brasil e todos os dias, até hoje, eu o apoiei. E todas as vezes que fiz algum comentário que desagradou uma parte da burocracia do PT fui intensamente criticado, para usar uma palavra moderada. Por isso, compreendendo o trauma e pelo respeito pelo momento do PT, eu me reservo o direito de não fazer mais nenhum comentário sobre o PT e seus rumos estratégicos. O PT tem seu tempo a sua tática e eu tenho o meu tempo e minha tática — explicou o pré-candidato do PDT, que disse ver em Alckmin seu rival natural num eventual segundo turno.
Até que a repórter consegue, enfim, captar uma frase que é imediatamente descontextualizada e interpretada no sentido oposto pelos setores isolacionistas do PT e pelas máquinas de fake news, à direita e à esquerda:
— Eu não rivalizo com Bolsonaro, rivalizo com Lula, e Lula, no meu cálculo doído que seja, não será candidato — frisou Ciro.
Ora, o sentido dessa frase é igualmente cristalino: Ciro Gomes está consciente de que é um candidato do mesmo campo de Lula. Seu eleitorado é, portanto, muito parecido. Tanto que suas intenções de voto nos cenários com Lula são uma; nos cenários sem Lula, outra. Com Lula, Ciro tem 5%. Sem Lula, pula para 9% a 11%. É um fato. Não é nenhuma ofensa a Lula ou ao PT reconhecer a verdade.
É neste sentido que ele “rivaliza” com Lula. É o mesmo tipo de rivalidade amistosa que Lula tem com Manuela e Boulos. Todos dividem o mesmo eleitorado. Em sabatinas, entrevistas, debates, seminários, Ciro Gomes não faz, jamais, qualquer ataque a Lula. Ele faz críticas, sempre delicadas, à estratégia da burocracia petista, questiona algumas decisões políticas de Dilma Rousseff (nomeação de Levy, concessões a Eduardo Cunha, etc), mas não ataca o ex-presidente. Ao contrário, na sabatina da Folha, defendeu Lula com muita propriedade, ao dizer que tinha lido integralmente a sentença de Moro, e que sua opinião abalizada, de professor de Direito, era de que a tinha achado muito “frágil”, “sem provas”, e que, portanto, segundo ele, a condenação de Lula era “injusta”. E ainda repete, com o dedo em riste e olhar duro: “injusta!”
Sua verve ferina se concentra, exclusivamente, em Bolsonaro, Temer e na ideologia criminosa do rentismo.
O problema aqui é o trauma emocional causado pela prisão injusta de Lula. Os candidatos de esquerda estão com medo de assumir qualquer posicionamento crítico ao PT e a Lula, porque qualquer mínimo sinal de crítica é recebido com muita agressividade por parte de setores da militância. É neste sentido que eu venho criticando o “sebastianismo” lulista. Isso não é saudável.
Manuela andou proferindo frases genéricas sobre “união política”, e foi tratada imediatamente como inimiga. Emir Sader, figurão importante no PT, suplente do senador Lindberg Farias, reagiu com um twitter truculento:
O PCO, por sua vez, que ganhou amplo espaço nas áreas de comunicação do PT, vem fazendo ataques à Manuela D’Ávila desde que ela lançou sua candidatura. Ponham PCO e Manuela D’Ávila no Google e desfrutem. É paulada sobre paulada, desde novembro do ano passado. A última declaração de Manuela, defendendo a união, foi recebida com a seguinte chamada: “Para conseguir a unidade da esquerda é preciso esquecer Boulos, Ciro e o PCdoB“.
O resumo da posição do PCO está nesta capa de um dos vídeos de Rui Costa Pimenta:
O PT deveria, na minha opinião, sinalizar sempre que o golpe apenas será derrotado através de uma ampla aliança, que inclusive reconquiste o centro político. Pretender que o PT tenha condições de governar isoladamente, a essa altura do campeonato, sem apoio de ninguém, com uma plataforma ditada pelo PCO, é o cúmulo do delírio. Quem ficou ao lado do PT do início ao fim dos governos petistas? O PCO? Não. Ciro Gomes, sim. Pesquisem a posição do PCO ao longo da era petista.
O sentido filosófico de uma aliança é reunir os diferentes do mesmo campo. Se não houvesse diferenças, não haveria necessidade de aliança.
Essas diferenças são fundamentais. São a razão de ser da força e pluralidade da centro-esquerda, porque servem para atingir diferentes núcleos sociais.
O PT e sua militância precisam, por isso mesmo, aceitar as críticas justas de seus aliados. Aliás, eu acho que o PSOL está bem comportado demais em relação ao PT, e isso se reflete negativamente nas pesquisas. É preciso fazer as críticas aos erros das gestões petistas, que não foram apenas as alianças erradas, mas também as escolhas desastrosas de ministros do STF, submissão ao corporativismo do Ministério Público e da Polícia Federal, com consequências trágicas para a democracia e para o próprio partido.
Fazer uma crítica correta, honesta, necessária, a alguém do mesmo campo político não é “traição”. Muito pelo contrário. Como o PSOL não tem feito nenhuma crítica ao PT, por excesso de delicadeza, os setores mais isolacionistas da militância petista, que usualmente sempre foram muito hostis ao PSOL e a qualquer crítica ao PT vinda da própria esquerda, passaram a direcionar sua agressividade na direção de Ciro Gomes.
Os principais cérebros do PT, hoje, na minha opinião, são dois: Lula e Jaques Wagner. Não é a tôa que Wagner é o “Plano B” preferido de Lula. Ou talvez Lula, esperto, esteja apontando Wagner como seu preferido para preservar Haddad, sabe-se lá.
O fato é que Lula, hoje, deixou claro que considera Ciro Gomes um aliado do mesmo campo político e determinou ao partido e à sua militância que celebrem um pacto de não-agressão com o PDT. Vamos ver se os petistas seguirão a orientação de seu líder.
Abaixo, a matéria do Globo que foi tão distorcida pelas máquinas de “fake news” que, infelizmente, também existem no campo da esquerda.
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No Globo
Em Buenos Aires, Ciro Gomes admite incluir PP e DEM em aliança
Pré-candidato do PDT que fazer aliança antes com PSB e PCdoB
POR JANAÍNA FIGUEIREDO, CORRESPONDENTE 08/06/2018 19:38 / atualizado 08/06/2018 20:26
BUENOS AIRES — O pré-candidato à Presidência do PDT, Ciro Gomes, participou de vários eventos nesta sexta-feira na capital argentina e antes de dar a última palestra do dia, na Universidade Nacional de Buenos Aires (UBA), assegurou que veio ao país apresentar sua ideia de liderar “uma ampla aliança de centro-esquerda” que poderia incluir os partidos DEM e PP, desde que antes seja fechado acordo com PSB e PCdoB que garanta “a hegemonia moral e intelectual” de uma eventual frente eleitoral.
Bem humorado e arriscando que na próxima pesquisa da Datafolha poderia ficar entre 10% e 12% das intenções de voto, Ciro evitou fazer comentários sobre o lançamento da candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para evitar ser criticado “pela burocracia do PT”. No entanto, perguntado sobre possíveis cenários, reiterou que se vê disputando o segundo turno com o tucano Geraldo Alckmin já que “no meu cálculo, doído que seja, Lula não será candidato”.
— O que está em discussão não é a sorte do PT e sim do Brasil. Não podemos correr o risco de ver um golpe de Estado e as forças que o praticaram serem legitimadas pelo voto popular — declarou o pré-candidato, defendendo a necessidade de incluir a maior quantidade de partidos possíveis na aliança que está formando.
Consultado sobre uma eventual aproximação com DEM e PP, Ciro não descartou:
— Quizás (quiça em espanhol) tudo… nesse primeiro momento minha prioridade são o PSB e o PCdoB. Se esta aliança se faz, posso avançar em partidos do centro à direita, porque a hegemonia moral e intelectual do rumo estará afirmada. Poderia incluir o PP e o DEM, desde que eu tenha o PSB e o PCdoB.
O pré-candidato foi recebido nesta sexta pela vice-presidente da Argentina, Gabriela Michetti, já que o presidente Mauricio Macri viajou para o Canadá, onde participará de um encontro do G-7. Ciro também se reuniu com empresários e produtores agropecuários. No dia em que o PT lançou oficialmente a candidatura de Lula, a pergunta foi inevitável para Ciro, partindo até mesmo de jornalistas argentinos.
— Há 16 anos, o presidente Lula assumiu o poder no Brasil e todos os dias, até hoje, eu o apoiei. E todas as vezes que fiz algum comentário que desagradou uma parte da burocracia do PT fui intensamente criticado, para usar uma palavra moderada. Por isso, compreendendo o trauma e pelo respeito pelo momento do PT, eu me reservo o direito de não fazer mais nenhum comentário sobre o PT e seus rumos estratégicos. O PT tem seu tempo a sua tática e eu tenho o meu tempo e minha tática — explicou o pré-candidato do PDT, que disse ver em Alckmin seu rival natural num eventual segundo turno.
— Eu não rivalizo com Bolsonaro, rivalizo com Lula, e Lula, no meu cálculo doído que seja, não será candidato — frisou Ciro.
Para ele, a eleição presidencial não tem qualquer centralidade no Brasil hoje e isso explica porque os pré-candidatos ainda não anunciaram seus companheiros de chapa. Dois dias antes da divulgação da próxima pesquisa da Datafolha, Ciro reconheceu que “Alckin tá lá embaixo, passando o pão que o diabo amassou, não decola, mas fatalmente crescerá. Pela minha experiência, o meu adversário do segundo turno é o Alckmin”.
— Bolsonaro tem sete segundos na TV e não tem candidatos a governador competitivos. É um projeto personalista, que poderá chegar a 18% ou 20%. Alckmin terá vários candidatos a governador, a senadores. Alckmin só tem a crescer, e Bolsonaro só pode cair — avaliou.
Ele acredita que a pesquisa poderá colocá-lo empatado com Marina, o que representaria a conquista de um objetivo um mês antes do planejado.
— A greve dos caminhoneiros me ajudou, muita gente começou a falhar e eu tomei posição e isso me deu visibilidade — disse Ciro, que também se referiu às turbulências no mercado cambial e ao clima de ansiedade entre investidores, que levou o Real a sofrer uma forte desvalorização esta semana:
— É uma fraude do mercado financeiro para ganhar dinheiro e dinheiro público… Hoje, apenas para provar a parte criminosa, o Real se valorizou em quase 6% em um dia. Por que, se eu sou o mesmo candidato? Porque o BC disponibilizou US$ 20 bilhões do dinheiro que pertence à nação para premiar os especuladores que especulam contra nossa moeda. É só jogada para ganhar dinheiro que falta nos hospitais, na infraestrutura, e comigo neste processo o brasileiro ficará sabendo disso em tempo real.
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