Publicado no DW Brasil
Antes da nova rodada de leilão de áreas do pré-sal nesta quinta-feira (07/06), o clima no governo era de comemoração. A ANP, Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, destacou o número recorde de empresas inscritas, totalizando 16, dentre as maiores do setor de petróleo e gás no mundo.
Esse interesse estrangeiro é visto como efeito direto de uma nova lei que mudou as regras de impostos pagos por petroleiras. Para o deputado Júlio Lopes, relator da medida provisória que ficou conhecida como MP do Trilhão e se transformou na lei nº 13.586/2017, foi um avanço. “O Brasil construiu um novo sistema de atratividade de empreendedorismo externo na área do petróleo”, disse à DW Brasil.
A lei prevê que, até 2040, todo o dinheiro investido em produção de óleo poderá ser deduzido da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ).
Para o técnico e ex-consultor legislativo da Câmara dos Deputados, Paulo César Ribeiro Lima, a lei é um escárnio. “Ela vai gerar uma perda de arrecadação da ordem de 1 trilhão de reais, sem atualização a valor presente”, afirmou, em entrevista à DW Brasil.
Em parceria com a organização não-governamental 350.org, Lima assina um estudo que calculou como essa queda na arrecadação vai impactar as diferentes regiões do Brasil até 2040. “Para estados e municípios, a perda pode ser de 338 bilhões de reais. Para União, de 662 bilhões de reais”, prevê Lima.
Por esses cálculos, para atrair petroleiras estrangeiras, o país abre mão de um recurso público que equivale a 10 vezes o valor destinado em 2018 para o fortalecimento do Sistema Único de Saúde, por exemplo, de 99 bilhões de reais.
A matemática dos tributos
A conta feita por Lima se baseia na interpretação do parágrafo primeiro dessa nova lei. Segundo o texto, as empresas poderão deduzir integralmente, para fins de obtenção do lucro líquido, as “importâncias aplicadas” nas atividades de exploração e de produção de jazidas de petróleo e de gás natural. “O uso desse termo, ‘importâncias aplicadas’, deixou tudo genérico demais”, diz.
“Agora, tanto os royalties quanto os bônus de assinatura, além de outros pontos, poderão ser deduzidos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL pagos pelas petroleiras”, explica.
O valor arrecadado com esses dois tributos é crucial para o país: parte do IRPJ (46%) é transferida para estados e municípios, como manda o artigo 159 da Constituição Federal.
“O mais grave é que toda a vez que você faz uma dedução desse imposto, os municípios mais pobres perdem. Menos dinheiro é repassado para eles”, afirma Lima.
No caso da região Nordeste, a produção do pré-sal sob o regime de partilha poderá significar uma perda de receitas de 141,4 bilhões de reais devido à queda de repasses do IRPJ. “Vemos, nesse exemplo, que o pré-sal passa a ser um agente de empobrecimento do Nordeste”, lamenta Lima.
Até então, a legislação vigente era mais clara. As empresas não poderiam inserir na lista de custos o valor pago em royalties e bônus de assinatura – um montante pago por quem vence a licitação na assinatura do contrato. Era uma forma de o governo garantir a arrecadação dos impostos.
O polêmico trilhão
Lima acabou de se aposentar da função de assessor legislativo. O engenheiro, que trabalhou na Petrobras por 17 anos, foi duramente criticado quando apresentou a estimativa pela primeira vez, a pedido da própria Câmara dos Deputados. À época, a Receita Federal rebateu os números alegando que Lima teria cometido erros de cálculo.
Outros assessores técnicos ouvidos pela DW Brasil confirmam a complexidade da conta – e o impacto negativo para os cofres públicos. “O primeiro artigo da nova lei é o mais relevante em termos de renúncia fiscal. O impacto (na arrecadação) é muito grande”, disse uma das fontes ouvidas, que preferiu não ter seu nome revelado. “Não tem nenhum setor da economia brasileira que receba uma dedução desse tipo”, complementou sobre o benefício dado às empresas de petróleo.
Questionado sobre a realização de estudos prévios que mostrassem o impacto da lei na arrecadação, o Ministério da Fazenda disse que não irá comentar.
“Tesouro” e poluição
A exploração do pré-sal pode representar um aumento de 176 bilhões de barris de petróleo às reservas brasileiras, volume bem maior que os 12,7 bilhões de barris estimados pela ANP. A atual rodada de leilão ofereceu as áreas de Itaimbezinho, Três Marias, Dois Irmãos e Uirapuru, nas bacias de Campos e Santos.
José Goldemberg, professor emérito da USP e especialista em energia que já ocupou cargos nos governos paulista e federal, defende a exploração do pré-sal. Ele diz que a queda no consumo mundial de petróleo traz um risco de as reservas atuais ficarem “encalhadas”.
“O Brasil precisa adotar políticas que façam com que a exploração se acelere, para que se comercialize o petróleo rendendo, naturalmente, royalties e posses para o país”, opina.
Quanto ao benefício fiscal oferecido para as petroleiras, Goldemberg classifica como um problema transitório. “A arrecadação virá. Acho essencial atrair as empresas porque, sozinha, a Petrobras não tem capacidade de investir o que é necessário”, afirma.
Nicole Oliveira, diretora da 350.org Brasil e América Latina, fala em incongruência e inconsequência. “O mundo já sabe que o petróleo está com os dias contados por acelerar as mudanças climáticas. É insensato perfurar novos poços”, critica Oliveira.
A ONG, que coordena uma campanha mundial contra o investimento em combustíveis fósseis e a favor das energias mais limpas, diz que as petroleiras deveriam pagar por todos os danos que causam ao clima e às populações em todo o mundo – e não receber subsídios de governos.
“O petróleo não enriquece ninguém. No Brasil, ele promove a corrupção e a Lava Jato mostrou isso. Ele promove o desvio de recursos que deixam de chegar para aqueles que mais precisam dos serviços públicos”, aponta Oliveira.