Ciro Gomes, PSB, PP e as alianças complexas: o espantalho Steinbruch
Por Luiz Roque Miranda Cardia
Recomeçou a polêmica em torno da possibilidade de Benjamin Steinbruch ser o vice de Ciro Gomes nas eleições presidenciais. Em abril, limite para a filiação partidária de quem quisesse concorrer em outubro, foi um corre-corre dos partidos atrás candidatos e dos políticos atrás de partidos. Benjamin Steinbruch filiou-se ao PP, e foi levantada a hipótese dele ser candidato a vice-presidente na chapa de Ciro numa aliança do PDT com partidos do centrão.
Tanto o nome do empresário paulista, como a aproximação com partidos do chamado centrão foram motivo para muitas críticas, supostamente à esquerda, contra Ciro. Muitos militantes petistas rejeitam a aliança com o PDT, acusando Ciro de ser de direita ou de querer compor com a direita nas eleições, o que é muito curioso para um partido que teve como vices o empresário mineiro José Alencar, e Michel Temer. Talvez a aliança genuína de esquerda seja com Henrique Meirelles, que foi ministro de Lula por 8 anos, e com o MDB, que afinal de contas é um partido aliado de longa data dos petistas. Com certeza são mais confiáveis que Ciro.
Mas a resistência ao nome de Steinbruch não é só de setores “à esquerda”. Muitos apoiadores de Ciro tem medo de um empresário que enriqueceu com privatizações, e que é a favor da reforma trabalhista, ou de um partido bastante fisiológico do centrão como o PP. São fatos verdadeiros. Esse tipo de aliado traiu a Dilma e a derrubou. No entanto, já defendi que o problema dos governos do PT não foram as alianças, mas sim a falta de projeto e o próprio moralismo dos petistas, combinação desastrosa que chamei de “pseudo-pragmatismo“. Já defendi também que a aliança com o centrão é a aliança com o Brasil profundo dos rincões dominados pelas máquinas fisiológicas, que dependem do orçamento do Estado, que apesar de conservadoras ou reacionárias, não são em si neoliberais. No entanto, esse centrão passou a ser liderado pela direita neoliberal quando o lulismo colapsou.
Esse é o problema. Quem lidera o centrão? Qual o projeto a ser negociado e imposto aos outros setores da aliança? Quem detém a hegemonia? Ciro parece bastante ciente dessas questões: “Eu vou negociar com quem o povo brasileiro eleger. Mas a aliança tem que ter hegemonia clara.”. Foi o que ele disse no Roda Viva.
As duas grandes notícias do dia são sobre o afastamento de Steinbruch da vice-presidência da FIESP, necessário para que possa concorrer nas eleições, e que Márcio França disse a Rodrigo Maia, que o PSB vai apoiar Ciro Gomes à presidente. São duas notícias aparentemente desconectadas. Não são.
O PSB é a noiva da eleição a ser disputada pelo PDT de Ciro, e pelo PT e o espólio de Lula. O PSB prioriza abertamente seus projetos regionais, e uma candidatura presidencial tem de servir aos candidatos a governador. O PDT já fechou com Márcio Lacerda em Minas Gerais. O governador do DF, Rodrigo Rollemberg já deixou claro seu desejo de que o PSB apoie Ciro. Mas os socialistas dos dois maiores estados governados pelo partido, São Paulo e Pernambuco, ainda estão na dúvida entre PT e… PSDB!
Em Pernambuco, do governador Paulo Câmara que lidera a fração hegemônica do PSB, a situação é muito complexa, e envolve até o PCdoB, como explicado por Ricardo Cappelli. Paulo Câmara fica num dilema entre a aliança com o PDT de Ciro que já o apoia, e o PT, que saiu do governo pernambucano, filiando Marília Arraes, a também neta do histórico líder socialista, o falecido governador Miguel Arraes, com o intuito de lança-a contra a reeleição do primo. Ela já aparece na frente nas pesquisas, e a fidelidade do eleitorado pernambucano a Lula é altíssima. Apoiar Ciro pode ser muito arriscado.
Em São Paulo, o governador Márcio França até aqui foi fiel a Alckmin, porém terá como adversário João Doria do PSDB, outra situação complicada. Estes são os dois estados que vem atrasando um acordo do PSB nacional com o PDT de Ciro. Mas hoje, a conversa nos bastidores é que em São Paulo a aliança pode ser destravada. França montou uma coligação bastante grande de partidos pequenos e médios para, sentado na cadeira de governador, com bastante tempo de TV, enfrentar o poderosíssimo tucanato oligárquico de São Paulo. No entanto, falta um partido grande para realmente torná-lo viável, já que o MDB tem Skaf como candidato, e o DEM deve apoiar o aliado histórico tucano.
Tempo de TV do PP. Aliança de Steinbruch e Ciro Gomes
PP é o partido com o terceiro maior tempo de TV e fundo partidário
Se a filiação de Steinbruch no PP causou alvoroço em abril, os novos rumores, de composição da legenda do piauiense Ciro Nogueira com seu xará cearense Ciro Gomes, fazem Márcio França brilhar os olhos com a possibilidade da entrada de PDT e PP em extensa coligação para enfrentar João Doria. Esse destravamento transformaria Ciro no franco favorito do campo da política contra o candidato da anti-política no quadro nacional. Com PDT, PSB, PP, rapidamente ele torna-se um centro gravitacional para PCdoB, Solidariedade e por aí vai.
Isso é que é aliança complexa, que expressa a heterogeneidade do Brasil. Liderar as maiorias desse país continental, nesse sistema eleitoral dominado por máquinas regionais, realmente é papel para profissionais. Como Lula, diga-se de passagem, que era o gênio das alianças, de Renan Calheiros em Alagoas, à Manuela Dávila no Rio Grande do Sul.
A própria “polêmica” em torno do nome de Benjamin Steinbruch é apenas um espantalho criado pela esquerda, e estimulado pela direita, para semear pânico nos apoiadores do pedetista. Steinbruch é um amigo pessoal de Ciro, que já o colocou numa posição estratégica no setor privado, a presidência da Transnordestina, subsidiária da CSN. E apesar das posições reacionárias em relação aos trabalhadores, o empresário é inimigo aberto do neoliberalismo e não é de hoje, basta conferir suas colunas na Folha de São Paulo que sempre atacaram o rentismo e a desnacionalização da economia brasileira, inclusive levados a cabo pelos governos petistas.
O fato é que na formação de maiorias políticas complexas no Brasil é preciso compor com setores heterogêneos mesmo. O que importa não é o nome do vice, mas atrair um grande partido como o PP, enraizado no interior do país, não apenas com bastante tempo de TV, mas com máquinas partidárias importantes, como é o caso do Piauí, estado no qual o PP faz parte do governo do PT. O que importa, portanto, não é o nome Steinbruch estar na chapa, mas atrair, tanto um setor empresarial produtivo inimigo do neoliberalismo, como uma força importante do quadro partidário brasileiro.
O lulismo, a despeito de suas dissidências esquerdistas (e até de petistas de alta cúpula até hoje), e apesar da sua falta de projeto, tanto para a economia, como para a reforma da institucionalidade do Estado brasileiro, foi um exemplo de formação de maiorias políticas sólidas e complexas, como tem de ser no Brasil.
O PDT com a presidência, o PP com a vice-presidência, e o PSB com suas forças regionais, podem realmente criar um novo bloco de poder nacional, com hegemonia clara de um Presidente da República forte, como é tradicional no Brasil de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek que governavam com o PTB e o PSD, com os sindicatos e com os latifundiários.
Evidentemente existirão contradições. Essa é a força do nosso presidencialismo “plebiscitário”, herdeiro do populismo latino-americano. Cabe à mobilização popular impor os interesses das classes mais baixas, e à grande liderança popular arbitrar os conflitos. Essa foi a forma pela qual a participação do povo na política gerou os direitos sociais, tendo como grande símbolo a CLT, ou a soberania nacional, como a defesa da Petrobras. A despeito do que pensam os intelectuais paulistas herdeiros da Revolução de 32, o populismo é o exato contrário da manipulação política, o populismo é a imposição dos interesses nacionais e populares.
O moralismo político que tomou conta da esquerda brasileira é um dos maiores entraves ideológicos à construção de novas maiorias, de uma nova hegemonia, de um novo populismo. Ter medo de fazer alianças é o mesmo que ter medo de tomar o poder.