Publicado no Conjur
A acusação de que o advogado Figueiredo Basto — responsável por diversos acordos de colaboração premiada na operação “lava jato” — recebia valores mensais para “proteger” algumas pessoas reforça a tese de que há no país uma espécie de delação premiada seletiva. A opinião é de advogados ouvidos pela ConJur.
“É muito grave a acusação pois revela uma faceta que já vínhamos denunciando há tempo que é a possibilidade de manipulação da delação. Uma manipulação seletiva que protege amigos e determinadas pessoas”, afirma o criminalista Alberto Zacharias Toron.
No entanto, ele ressalta que não se pode condenar Figueiredo Basto, pois até o momento o que se viu foi uma acusação sem um suporte probatório. “Não podemos condenar a priori o colega sem que isso fique devidamente apurado. Temos que dar o crédito a ele da presunção de inocência, e o ônus da prova a quem o está acusando”, completou.
Para o jurista Lenio Streck, o caso de Figueiredo Basto demonstra o risco das delações premiadas da maneira como são feitas hoje no país. “O caso do advogado especialista em delações — seja lá o que isso queira dizer — mostra o risco de um mecanismo sem controle que é o delacionismo utilizado como meio de prova e não apenas como algo que indique onde as provas estão e como as encontrar. E, se for verdade o relatado na notícia — vejam, se for verdade — , ele pode ter caído no famoso liar paradoxe (paradoxo do mentiroso) que pode ser adaptado do seguinte modo: ‘todos os que estão na sala são delatores; as delações não precisam de provas; delações valem independentemente de provas; eu fui delatado; logo, sou culpado’. Algo como a institucionalização da aporia do Barão de Münshausen: afogando-se no pântano com seu cavalo, o Barão puxou-se a si mesmo pelos próprios cabelos. Só que isso é ficção. Na dura vida real, por vezes o último da fieira de macacos, ao atravessar o rio, um segurando no rabo do outro, pode ser comido pela jiboia, como mostra o conto do grande Simões Lopes Neto. Há sempre um que sobra”.
Outro advogado ouvido pela ConJur — que prefere não ser identificado — diz que “parte da advocacia resolveu dançar conforme a música e embarcou na tese de que o advogado tem que resolver o problema do cliente”. “Mas até que ponto devemos ser coniventes com o denuncismo irresponsável, que agora parece se voltar contra o próprio advogado, porque parece que não há prova de nada, a não ser a palavra do delator? Bom momento para esta advocacia de delação repensar o papel do advogado criminal num Estado de Direito sob constante sedução do denuncismo de ocasião.”
Na espera
A Ordem dos Advogados do Brasil do Paraná informou que aguardará o recebimento, através das autoridades competentes, dos documentos relativos à acusação e eventuais provas que embasam a denúncia.
Caso seja confirmada a acusação, será instaurado procedimento disciplinar próprio no âmbito do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PR. Segundo a entidade, os fatos denunciados são graves e precisam ser submetidos ao devido princípio do contraditório e à ampla defesa, evitando-se condenações sumárias e indevidas.
A acusação consta na delação premiada de dois doleiros que afirmaram ao Ministério Público Federal no Rio de Janeiro. Segundo eles, o advogado e um colega que não teve o nome divulgado receberam mensalmente US$ 50 mil, entre 2006 e 2013, como “taxa de proteção” em um esquema comandado pelo doleiro Dario Messer. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Em 2014, o jornal Folha de S.Paulo publicou notícia que acusava o doleiro Alberto Youssef, cliente de Figueiredo Basto, de praticar a chamada delação premiada seletiva. Na época, a acusação foi feita pelo advogado Haroldo Nater, que defende Leonardo Meirelles, que depois também se tornou delator. Tanto em 2014 quanto agora, Figueiredo Basto negou as acusações.
Pioneiro das delações
Considerado um dos maiores especialistas em delação do país, Figueiredo Basto arquitetou alguns dos acordos essenciais para a “lava jato”, como o do doleiro Alberto Youssef — a seu ver, o mais importante da operação — e o do dono da UTC Engenharia, Ricardo Pessoa.
A delação, segundo disse ele em entrevista à ConJur, é incoerente com o Código de Processo Penal, que é “muito antigo e não aborda os modernos mecanismos de obtenção de provas”. O advogado também destacou que as declarações de delatores são confiáveis, pois passam por validação judicial.
“Existe muita filosofia em torno do assunto, mas muito poucas questões de abordagem técnica. Primeiro porque ela é um meio para de obtenção de provas, o que obriga o Ministério Público e a polícia a necessariamente investigarem e trazerem outras provas. Para que essa prova tenha validade, ela tem que passar pelo crivo do contraditório. Tem que ser jurisdicionalizada. Não consta que nenhum acusado na ‘lava jato’ ou em outros casos não tenha tido o direito de enfrentar o colaborador.”
*Texto alterado às 14h47 do dia 22/5/2018 para acréscimo de informações.
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