Por Bajonas Teixeira,
Presidente do STF, Cármen Lúcia, deveria ser a primeira voz a se levantar diante do risco de um golpe contra a democracia, como foi esse do locaute das empresas de transporte. Como suma sacerdotisa do supremo, a defesa da democracia é a sua missão mais importante, já que é ela a guardiã do estado democrático de direito. Ao invés de exercer a responsabilidade do seu cargo, Cármen Lúcia passou dez dias com a boca mais fechada que um túmulo.
Só ontem, quando toda a situação pareceu relativamente normalizada, depois inclusive de aprovadas as medidas pedidas pelas chantagens das empresas de transporte na Câmara e no Senado, a ministra do STF veio a público expressar sua preocupação. Disse ela, segundo o Estado de Minas:
“A construção permanente do Brasil é nossa e é democrática e comprometida com a ética. Não há escolha de caminho: a democracia é o único caminho legítimo. Cumprimos nosso dever com a República Federativa do Brasil. Há de se ter serenidade, mas também rigor com o cumprimento e o respeito aos direitos, especialmente os fundamentais”.
Se a democracia é o único caminho legítimo, e se o país foi estrangulado por um movimento em forma de serpente de centenas de cabeça, coordenado por grandes empresários que devem R$ 52 milhões em impostos e tributos sonegados à União, qual teria que ter sido a ação da presidente do Supremo? Ela teria que, desde que ficou clara a magnitude e o risco do golpe em andamento, o que já se pode ver entre o segundo e o terceiro dia, usado a autoridade do seu cargo e todos os meios legais para intimidar o grupo empresarial de extrema direita por trás dos acontecimentos.
Mas dela só se viu a ausência e só se ouviu o silêncio. Cármen Lúcia ganhou a forma intangível de um espectro mudo, cego e surdo, acocorado atrás das espessas névoas da imaterialidade. É provável que Shakespeare, se fosse contratado pelo governo de Minas para compor uma versão renascentista do casamento na roça, se lembrasse de dar um papel para ela. O espírito de Lady Cármen não ficaria mal assustando a quadrilha em uma curva morta qualquer do caminho.
Mas desde que a quadrilha fosse só o grupo dos dançarinos, e não uma quadrilha criminal, formadas de ladrões de dinheiro público e indivíduos inescrupulosos capazes de pôr em risco a vida de milhares de pessoas, de queimar bilhões em bens destruídos com os bloqueios das estradas. Nesse caso, o espectro de Lady Cármen ficaria assustado ao invés de assustar.
Se o país esteve em estado de guerra por dez dias, o STF de Cármen Lúcia esteve em paz, a paz dos cemitérios e da morte da democracia.
O pior de tudo é a lição que fica: que o STF está pronto a se associar, pelo seu silêncio e pela inatividade, fazendo-se de morto, a qualquer grupo de aventureiros golpistas que pretenda destruir a ordem democrática no país.