Por Bajonas Teixeira,
Reza a lenda que o brasileiro têm memória curta. Na verdade, dependendo do caso, não têm memória nenhuma. Por exemplo, ninguém mais lembra que há quatro dias o gabinete de crise de Temer anunciou que a PF havia acionado a justiça para prender empresários responsáveis pelo locaute.
Até agora, sobre esse assunto, a justiça não deu nenhum sinal de vida. Ao contrário, mostrou-se inteiramente morta aos apelos da PF para que prendesse empresários. Nada demais, já que o assunto foi imediatamente esquecido.
Mas então veio o anúncio da greve dos petroleiros. Greve de trabalhadores, e não locaute de empresários. Foi como se estivéssemos em outro país, com outra constituição e outro judiciário. A justiça mostrou uma agilidade admirável para declarar a greve ilegal e estipular uma multa de R$ 500 mil por dia em caso de descumprimento.
Nada excepcional nessa ressurreição. A justiça brasileira transita constantemente entre os mortos e os vivos, passando de períodos de hiperatividade, como ocorreu em todas as semanas que precederam à prisão de Lula, para fases de total ausência de sinais vitais. Ultimamente, depois de morrer durante os oito dias que já dura o locaute dos caminhoneiros, a justiça abriu a tampa da sepultura, saltou de repente como uma mola, e voltou a julgar com hiperatividade. Tudo para proibir a greve dos petroleiros.
Dois pesos e duas medidas da justiça? Não. De forma alguma. Por que não é a mesma justiça a que permite e a que proíbe. Uma é a justiça viva, ostensiva, mandona (expede mandados), e cheia de seiva judicial. A outra é a justiça anêmica, inteiramente apática, débil, ausente e incapaz de pronunciar uma sentença sequer.
Por exemplo, para decretar a prisão do Eduardo Azeredo (ex-tudo pelo PSDB: deputado, senador, governador, etc), a justiça usou o modo RIP (Rest in peace, isto é, descanse em paz). Por duas décadas, um tempo maior do que o que separou as duas guerras mundiais do século XX, Azeredo pôde viver como se a justiça, ou melhor, a pressa e a avidez em proferir sentenças e decretar prisões, coisas típicas da justiça viva, não pudesse alcança-lo. E tanto não podia que nesse período não o alcançou.
Se o brasileiro chegasse a compreender pelo menos isso, a lógica das metamorfoses da justiça brasileira, o golpe teria trazido um imenso amadurecimento político. Mas quando falta ao aluno juízo e memória, o aprendizado fica muito prejudicado, e como no Brasil o que aconteceu há quatro dias já pertence à pré-história, é pouco provável que as lições dos fatos sejam assimiladas.
Além da saída do macabro Pedro Parente, a lista de reivindicações dos petroleiros traz a redução dos preços do gás e dos combustíveis, o fim do sucateamento das refinarias e do patrimônio da Petrobras.
É óbvio que se trata de uma greve política, já que pede a saída de Parente, e do projeto que está por traz da sua política de preços internacionais – a privatização da Petrobras. Mas tudo que vem acontecendo na Petrobras, é certamente político. Aliás, o que poderia ser mais político do que o preço do botijão de gás que está asfixiando famílias do país inteiro e forçando, nas áreas rurais, ao retorno à lenha? A modernidade da lenha é o que o moderno neoliberalismo tem para dar ao país.
A morbidez da política do governo Temer para a Petrobras só é comparável ao que relata Hannah Arendt sobre o gás em Viena. No verão de 1939, com os nazistas barbarizando a população judia de Viena, a companhia de gás interrompeu o fornecimento para consumidores judeus. Fornecer gás para os judeus dava prejuízo, já que eles o usavam para cometer suicídio. Apesar de serem os maiores consumidores de gás da cidade, não pagavam as contas. (Men in dark times, p. 200)
No caso do governo Temer, a política de preços praticada, e a importação da gasolina e do diesel, tem um objetivo claro: o suicídio da Petrobras.