“Os reajustes diários da Petrobras são abusivos”

Publicado na CartaCapital

Enquanto os caminhoneiros desmontavam os bloqueios nas estradas, os petroleiros iniciavam na porta das refinarias uma paralisação de advertência de 72 horas. É a única coincidência entre os movimentos. A FUP, afirma o coordenador-geral José Maria Rangel, se concentra na denúncia da política de reajustes diários da Petrobras, responsável por uma alta de 20% no preço dos combustíveis só neste ano.

O principal patrão da empresa, lembra o sindicalista, é o povo. Um fato ignorado neste momento. “O Pedro Parente só serve ao mercado financeiro, que bancou sua nomeação para vender o pré-sal”. No dia 12, os petroleiros vão decidir em assembleia se iniciam uma greve por tempo indeterminado e interrompem a produção da estatal.

CartaCapital: Qual o objetivo da greve?

José Maria Rangel: A nossa pauta dialoga com os anseios da sociedade pela redução do preço da gasolina, do gás de cozinha e do diesel, não da maneira anunciada por Michel Temer. O brasileiro hoje paga o segundo maior valor da gasolina entre os países produtores de petróleo, atrás somente da Noruega.

A carga tributária tem um peso grande, é verdade, mas a política desastrada implantada pelo Pedro Parente na Petrobras aumentou em 20% só neste ano o preço do combustível que sai das refinarias. Os reajustes diários são abusivos.

CC: Os defensores da atual política de reajustes constantes acusam o governo Dilma de enfraquecer a Petrobras com um controle artificial de preços. Qual seria a estratégia correta?

JMR: Essa acusação não tem fundamento. Não podemos perder de vista que a Petrobras é uma empresa estatal. Ela tem de servir ao seu principal patrão, o povo. Ela pertence aos brasileiros. Durante os mandatos do PT foi feita a opção estratégica de direcionar a empresa para o desenvolvimento do País. Este governo escolheu permitir a transferência abissal de recursos da estatal para o mercado financeiro.

Se a atual política tivesse sido adotada durante os governos Dilma e Lula, quando o preço do barril de petróleo estava acima de 100 dólares, o lucro chegaria a 50 bilhões de reais. Valeria a pena? Esta é a pergunta. Valeria garantir esse lucro para os acionistas privados, enquanto a população ficaria sem condições para comprar um botijão de gás? É uma lógica perversa. Esconde-se, de forma deliberada, que as dificuldades recentes da Petrobras derivaram da queda do preço internacional do petróleo.

CC: De que maneira?

JMR: A Petrobras passou por uma situação difícil, por conta da cotação do barril de petróleo. O preço caiu de cerca de 120 dólares para menos de 30. O mercado internacional depende de uma série de variáveis. Quando o Parente anunciou a política atual, alertamos que quem iria pagar a conta era a população.

Observe o cenário lá fora. A Venezuela enfrenta problemas, os Estados Unidos estão em conflito com o Irã, com reflexos na Síria… O barril, por consequência, chegou a 80 dólares. Desde que a Petrobras mudou a política, foram realizados mais de 200 reajustes de preço. Os combustíveis subiram acima de 50% no período.

CC: O custo de extração de petróleo no Brasil é um dos mais competitivos do mundo. Isso não deveria permitir à Petrobras praticar preços mais baixos?

JMR: As refinarias instaladas no Brasil têm capacidade para refinar 90% do petróleo consumido internamente. A Petrobras escolheu, porém, abrir mão dessa vantagem. Reduziu a produção para 70% e abriu espaço para as importadoras de derivados. Elas suprem atualmente 30% do consumo e ganham muito dinheiro com a política de reajustes diários. A estatal brasileira, na contramão de outras empresas semelhantes no mundo, caminha para se transformar em uma exportadora de óleo bruto e uma importadora de refinados, de derivados.

CC: Como responder à acusação de que a greve dos petroleiros é oportunista?

JMR: O nosso calendário estava traçado e divulgado muito antes da paralisação dos caminhoneiros. Obviamente, a mobilização deles joga luz sobre um tema que está na nossa pauta desde o início. A greve de 72 horas estava marcada e seria feita em parceria com os eletricitários, dispostos a denunciar os riscos da privatização da Eletrobrás. Como o assunto saiu da agenda, os eletricitários decidiram suspender a paralisação.

Nós mantivemos a agenda, pois na Petrobras o desmonte continua a todo vapor. A empresa anunciou recentemente a venda de quatro refinarias, além de gasodutos e terminais. No dia 12, em assembleia, os petroleiros vão decidir se iniciam ou não uma greve com a parada de produção.

CC: Por que a Petrobras tem sido preservada das críticas?

JMR: O mercado bancou a nomeação do Parente para entregar o pré-sal. Não há interesse em desgastá-lo e provocar a sua saída. Se ele tivesse um pouco de hombridade, pediria demissão. Depois do acordo do governo com os caminhoneiros, a tal política de reajustes diários, ao menos no caso do diesel, caiu por terra. Ela não era “imexível”? O Parente não ameaçou se demitir se houvesse intervenção de Brasília?

CC: Os petroleiros foram os sindicalistas que mais se aproximaram dos caminhoneiros, até pela coincidência de certas reivindicações. Qual a dificuldade do movimento sindical organizado em lidar com essa greve?

JMR: Em 2015, quando o diesel estava a 2,40 reais, os caminhoneiros foram pedir “Fora, Dilma”. Agora, não apontam culpados. Essa é uma diferença. A principal reivindicação é a redução dos impostos, interesse dos empresários. E é difícil identificar claramente as lideranças. Além disso, o movimento estava infiltrado por defensores da intervenção militar. Há muita similaridade com os protestos de 2013. Os caminhoneiros se declaram apolíticos assim como os jovens do Movimento Passe Livre.

CC: A discussão sobre os preços dos combustíveis enfraquece a defesa da privatização da Petrobras?

JMR: Sim, caso a gente consiga aproveitar a oportunidade para esclarecer a população a respeito de como opera a Petrobras, a começar por informar os consumidores de que temos a capacidade de refinar 90% do combustível utilizado no País e, por opção, essa alternativa foi abandonada.

Apesar de todas as críticas, a empresa continua querida pelos brasileiros. A maioria é contra a sua privatização. O “apagão” nos combustíveis só reforça esse sentimento.

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