Flerte entre PT e PSB em Pernambuco tropeça em Marília Arraes para selar aliança

Publicado no El País

Em meio a fogos de artifício e bandeiras vermelhas, a vereadora recifense Marília Arraes (PT) subia no palco, rodeada de militantes no Clube Internacional do Recife, no último domingo. No som alto tocava a música Maria, Maria, de Milton Nascimento. O discurso da pré-candidata ao governo do Estado de Pernambuco durou menos de 15 minutos, mas foi contundente e, sem mencionar nomes, deixou seu recado. “Os nossos adversários têm tentado nos impedir. Cada dia que a gente acorda tem uma novidade, na imprensa, nos blogs, na rádio, dizendo que o PT não tem mais candidatura, que está tudo negociado”, disse ela. “Mas não. Quem está dividido são eles”, afirmou. Marília sabe, porém, que seu maior adversário neste momento está dentro de seu próprio partido.

Eleita duas vezes vereadora pelo PSB, a neta de Miguel Arraes deixou o partido em 2013 e se filiou ao PT em 2016, quando foi eleita pela terceira vez para a Câmara Municipal de Recife. Agora, almeja o governo estadual, mas para isso, terá que enfrentar primeiro a resistência dentro de casa. Isso porque o PT vem flertando com o ex de Marília, o PSB, desde que o ex-ministro do Supremo Joaquim Barbosa anunciou a desistência de sua candidatura à presidência.

Nesta sexta-feira, o ex-prefeito de São Paulo e articulador da campanha de Lula, Fernando Haddad, estaria em Recife para articular esta possível união entre o seu partido e o PSB de Paulo Câmara, governador de Pernambuco e pré-candidato à reeleição. A agenda de Haddad também incluía uma reunião com Marília, mas teve de ser cancelada, devido à crise nos aeroportos gerada pela falta de combustível. Por uma questão de agenda, Haddad só deve desembarcar no Recife daqui a três semanas. Até lá, a convenção estadual do PT já terá acontecido e os delegados já terão decidido, por meio de votação, o futuro do partido no Estado.

Uma aliança entre PT e PSB no Estado significaria sacrificar a candidatura de Marília para apoiar a de Paulo Câmara. Em troca, o Partido dos Trabalhadores garantiria o apoio do PSB em Minas Gerais, onde a tentativa de reeleição do governador Fernando Pimentel (PT) pode bater cabeça com a candidatura do ex-prefeito de Belo Horizonte Márcio Lacerda (PSB). Lacerda também é cobiçado pelo PDT, onde é cotado para ser vice de Ciro Gomes na chapa majoritária.

As cartas estão sobre a mesa, mas a escolha não será simples. Marília, cuja candidatura é defendida em grande parte pela juventude e por mulheres do PT, tem além do nome forte as pesquisas a seu favor. Embora o cenário esteja embolado, a petista (15%) aparece tecnicamente empatada com Paulo Câmara (15,5%) e Armando Monteiro, do PTB (14,5%). Logo em seguida, aparece o ex-ministro da Educação, Mendonça Filho (DEM), com 11% das intenções de voto, segundo o levantamento mais recente do Instituto Múltipla.

Por outro lado, uma aliança com o PSB é vista com bons olhos pela corrente majoritária do PT, a CNB (Construindo um Novo Brasil), e defendida pelo próprio Lula. Na quinta-feira passada, Haddad visitou o ex-presidente pela primeira vez desde que ele fora preso, em 7 de abril. Ao sair da superintendência da Polícia Federal em Curitiba, o ex-prefeito afirmou que Lula pediu para que ele visitasse governos que considera “vitrines”, para colher “boas ideias”. Dentre eles, o Governo de Pernambuco.

Ao chamar a gestão Paulo Câmara de “vitrine”, Lula não só acena para o PSB, como joga um balde de água fria na candidatura de Marília, crítica ferrenha ao governador pernambucano. Por isso, o ato deste domingo em Recife era não somente em defesa da candidatura de Lula, mas também dela própria. “O PT voltou às bases (…) e uma aliança desse tipo hoje significaria sair desse processo de forma violenta, romper com nossa militância”, disse Marília, sem mencionar nomes ou partidos além do seu. “E isso nós não podemos admitir. Uma aliança agora, neste momento, seria esmorecer. E seria uma conta muito mais alta do que para os próximos quatro anos. Significaria estar do lado mais frágil da história. E essa conta nem eu e nem vocês vão pagar”, afirmou, sob aplausos.

10 de junho: data final

A pré-campanha de Marília dentro do PT também se debruça sobre o passado do PSB para se opor a essa união. O partido, embora tenha integrado o primeiro mandato de Dilma Rousseff, desembarcou da gestão em 2013, e saiu com candidatura própria em 2014 ao lançar Eduardo Campos, primo de Marília e morto em um acidente aéreo em agosto daquele ano. Em 2016, o partido apoiou publicamente o impeachment de Dilma – 29, dos 32 deputados votaram a favor do impedimento. E isso Marília Arraes faz questão de lembrar. “Existe um palanque de Temer em Pernambuco dividido entre os que apoiam Temer e assumem essa condição”, disse ela. “E existem aqueles que articularam o golpe junto com Temer, mas que por oportunismo não querem assumir nesse momento. Fingem que nada aconteceu”, afirmou ela, que carrega não só as características físicas do avô – corpo meio atarracado, olhos claros e nariz curvado – como também tem os mesmos trejeitos dele. A fala pausada, acompanhada de gestos com a mão direita, que na maior parte do tempo está de punho cerrado, com a unha do dedão no meio do indicador dobrado.

Além do sobrenome poderoso – Miguel Arraes é chamado de “mito” pelos pernambucanos até hoje, 13 anos após a sua morte –, a vinculação de Marília ao nome de Lula e a imensa aceitação de seu partido em Pernambuco devem pesar na balança. O ex-presidente tem 66,5% das intenções de voto em Pernambuco, segundo pesquisa de março do instituto Múltipla, enquanto no Brasil, o percentual é de 32%, segundo o último Datafolha. Qualquer candidato que leve seu apoio tem grandes chances na disputa do Estado.

Seja como for, o PT estadual só baterá o martelo oficialmente no próximo dia 10, quando ocorre a convenção do partido em Pernambuco. Cerca de 300 delegados definirão as diretrizes do PT para estas eleições. Consciente disso, Marília joga para a militância a responsabilidade. “Precisamos conscientizar nossos delegados de que o futuro de Pernambuco vai ser definido no dia 10 de junho”, afirmou Marília no domingo. “Eles querem resolver a eleição antes da eleição começar”, afirmou, sem determinar quem exatamente seriam eles.

A disputa promete ser acirrada. Na véspera do ato de Marília, o vice-presidente do PT estadual, Oscar Barreto definia o evento como um “motim”. “A fala de Haddad já diz tudo. Se ele fez essa sinalização política toda é porque foi escalado para dizer aquilo. E sua declaração sintetiza a opinião de Lula sobre a necessidade de alianças”, disse Barreto, segundo a Folha de Pernambuco. “Então enquanto Lula emite sua opinião de dentro da cadeia, as pessoas continuam questionando esse posicionamento. Isso se chama motim”.

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