(Para ganhar a guerra, é preciso fazer alianças).
Ontem apanhei a beça por causa de uma nota com reunião dos governadores, para discutir possível apoio à candidatura Ciro Gomes. Um monte de gente veio dizer que era “fake news”, que eu era mentiroso, que a história não era verdadeira. Hoje descobri que dois jornais (sendo um nacional, e outro regional) publicaram reportagens sobre a reunião em BH (que era hoje e foi adiada para amanhã, sexta, em Recife), enfatizando, já no título, que se trataria de apoio a Ciro.
A Folha publicou uma matéria, no dia 15 de maio, cujo título é: “Sensíveis à aliança com Ciro, governadores petistas se reúnem em BH”.
Trecho da matéria:
Segundo petistas, Pimentel [governador de Minas] já começa a admitir, em suas conversas, a hipótese de aliança em favor da candidatura presidencial de Ciro Gomes (PDT), com quem ele conversa diretamente.
Outros governadores do campo da esquerda, com o Flávio Dino (PCdoB-MA) e Rui Costa (PT-BA), já manifestaram publicamente simpatia por uma aliança com Ciro.
***
O jornal O Tempo, um dos principais jornais de Minas, publicou hoje um título ainda mais direto, com destaque na capa da edição impressa.
***
Um setor da militância está xingando (além de mim) o governador do Ceará, Camilo Santana, que defendeu enfaticamente, em entrevista ao Estadão de hoje, que o PT se alie ao PDT na campanha presidencial.
Santana deu declarações muito fortes. Trechos:
E penso que o Ciro é hoje, sem dúvida nenhuma, o principal nome para unir as esquerdas e garantir as conquistas sociais alcançadas durante os 12 anos do PT no poder. Ciro sempre foi um aliado fiel. Negar isso acho que seria injusto. Acho que o PT tem uma grande oportunidade de fazer esse debate. Não podemos nos isolar. O momento é de união, não de isolamento. O momento não é de radicalismos, isso não vai levar a nada. O momento é de reflexão, serenidade, desprendimento. Acho que quem pensa de verdade no partido, na sua história de luta, de conquista, não pode apostar no isolamento suicida.
(…) Ciro é uma pessoa preparada, que defende princípios e políticas de esquerda desse País. É inteligente, pensa o País e se credenciou para se colocar como uma das opções.
O pessoal vai ter de xingar também o Rui Costa, o Pimentel, o Flavio Dino, até não sobrar mais nenhum petista, socialista ou comunista em cargos do Executivo.
É importante entender que uma eleição presidencial depende vigorosamente do apoio dos governadores, por razões óbvias. São os governadores que tem acesso político a todas as microrregiões de seus estados. Suas campanhas estaduais serão atreladas à campanha para presidente.
Os governadores consideram, imagino eu, que será uma estratégia péssima fazer campanha atrelada a um presidente que está condenado, em segunda instância, e preso, mesmo que injustamente. Porque se veriam envolvidos num debate jurídico, e não na discussão dos problemas econômicos e sociais das regiões. Além do mais, o candidato não poderia vir, pessoalmente, participar das reuniões, comícios, debates e atos de campanha com os governadores.
Não se trata de abandonar Lula! Ao contrário, a situação de Lula, sua prisão injusta, o lawfare, tudo isso irá fazer parte da campanha, mas é preciso ter um mínimo de estratégia. A luta contra o partido judicial não pode ser feita, como quer o PT, pela via do… judiciário. Não é interpondo recursos ao TSE e ao STF, que se conseguirá alguma vitória nas eleições. A candidatura Lula – e depois a própria presidência e, portanto, todo o governo – ficará inteiramente em mãos do judiciário, e isso é um risco muito grande! Quer dizer, nem risco há: vai perder certamente! Acreditar que o judiciário vai permitir a candidatura de Lula é fazer uma aposta suicida na derrota. E se ele ganhar, também não vai adiantar nada, porque não vai conseguir governar, em função do clima de ódio presente na sociedade.
A luta judicial pela liberdade de Lula precisa ser despolitizada. Acoplar a liberdade do ex-presidente à sua eleição produz uma pressão midiática monstruosa (e inteiramente antilula) contra um judiciário já profundamente conservador.
Não adianta divulgar pareceres de advogados contratados especialmente para isso. O partido judicial está contra Lula, e já deixou isso claro. A solução é vencer nas urnas, e enfrentar o judiciário pela política, pelo parlamento, pela campanha de esclarecimento jurídico, pela ampliação e qualificação da batalha nas mídias alternativas.
Agora, um fato político se impõe: essas ações e falas dos governadores em favor da candidatura Ciro Gomes já produzem um efeito político importante, de transferência de votos do lulismo para o pedetista, o que não significa “abandono” de Lula e sim a tomada de consciência, por parte dos eleitores, que Lula não poderá concorrer, e que é melhor, portanto, escolher logo o candidato que tenha afinidade política com Lula. O PT pode não ter pressa, mas o eleitor tem. A crise tá braba e o único fiapo de esperança que temos é a eleição presidencial: essa é a razão para o aumento da agitação entre governadores – os eleitores vão decidir se os reelegem ou não também em virtude de suas campanhas, que precisam estar definidas. E não podemos tratar as campanhas estaduais com desprezo. A força dos partidos de centro-esquerda nos estados, incluindo aí a formação da bancada federal, será fundamental para garantir a estabilidade do próximo governo.
Todas essas matérias na Folha, no Estadão, no O Tempo, no Diário do Nordeste, nos jornais da Bahia, com declarações dos governadores, deverão surtir efeito já nas próximas pesquisas. E isso é bom, porque é importante que o voto lulista migre para um candidato de centro-esquerda, que consiga fazer a transição do país de volta à democracia.
O lado negativo é que a demora do PT de se unir à candidatura Ciro pode resultar em perda de “timing”. O partido terá menos capital de barganha se esperar muito. Há o risco de que Lula, a grande liderança popular, o mais escandaloso caso de prisão política na história do Brasil, se veja “cristianizado” ao longo do processo de campanha nos estados, com os governadores e seus aliados defendendo Lula publicamente, mas já articulando suas ações em parceria com Ciro Gomes. Essa situação esquizofrênica não é positiva, e implica em riscos eleitorais. A eleição presidencial não está garantida, para ninguém. Acreditar que a eleição já está “ganha” com o ex-candidato condenado e preso, ou seja, marcado pelo partido da justiça como inimigo do Estado?
O PT precisa encarar a situação com objetividade, sem delírios de grandeza. Apesar de ser, de fato, o maior partido do país, com 20% da preferência nacional, ele não pode esquecer que 62% dos eleitores não tem preferência partidária, e uma boa parte deles tem alta rejeição ao PT. Essa rejeição atinge níveis alarmantes em alguns círculos sociais de renda média, círculos que dominam a opinião pública. Estes círculos andam quietos, por causa do fracasso de Temer e também porque já conseguiram o que queriam: tirar o PT do poder. Conforme a eleição se aproximar, e o Lula se mantiver como candidato, a rejeição ao PT nesses círculos tende a explodir novamente, o que pode prejudicar o desempenho eleitoral do partido.
Segundo o Datafolha, a rejeição a Lula, entre pessoas com renda familiar superior a 10 salários, é de 60%, superior mesmo à rejeição a Collor. Entre pessoas com ensino superior, a rejeição a Lula é de 54%, também igual a de Collor. Para efeito de comparação, Bolsonaro, Alckmin e Ciro Gomes tem rejeição, entre o público com ensino superior, de 45%, 39% e 26%, respectivamente. Essas pessoas são procuradores, juízes, funcionários do TCU, jornalistas, professores universitários, delegados de polícia, gente com poder de inviabilizar o governo e patrocinar um outro golpe. O mínimo que se espera de um partido, depois de um golpe, é que tenha ficado mais alerta com os movimentos da opinião pública. Aparentemente, não é o que o PT está fazendo.
O PT está agindo com um triunfalismo totalmente fora da realidade. Eles vêem os 32% de Lula no Datafolha e saem achando que “venceram” o golpe. Não venceram. As vinte páginas de Facebook mas acessadas são de direita e extrema direita, segundo o Manchetômetro. As páginas de youtubers da direita obtém muito mais do que as de esquerda. Quando a campanha se aproximar, toda a máquina midiática da direita, que está hoje de férias, comemorando a prisão de Lula nos bordeis de São Paulo, vai ser posta em ação. Ainda há um grande trabalho pela frente, que requer muita estratégia e paciência. Está claro, por exemplo, que o golpe apenas será vencido com vitórias eleitorais sucessivas, ao longo de muitos anos, além de um processo continuado de educação política do povo.
Temos que pensar estrategicamente.
Um analista publicou há pouco que “mesmo sem Lula candidato, PT está numa situação muito favorável”. O partido realmente acredita nisso?
Ora, se está favorável, porque o presidente Lula está preso, sem provas? Se está favorável, porque uma presidenta eleita com 54 milhões de votos foi derrubada?
Por acaso o mecanismo golpista, formado por mídia, judiciário e classe média revoltada foi desmontado? Não foi. O ex-presidente Lula não tem conseguido uma vitória no judiciário, enquanto os capangas de Temer e do PSDB estão sendo todos soltos. Isso não é uma situação “favorável.
Apesar da posição de Lula nas pesquisas, e de uma relativa recuperação da imagem do PT, a opinião pública brasileira não virou à esquerda. As pesquisas mostram o contrário. É óbvio que os setores conservadores vão emergir com muita força conforme o período eleitoral se aproximar. É infinitamente mais seguro, para Lula, manter-se fora da disputa, para se blindar do fascismo golpista, entranhado no espírito do partido judicial, que é quem mantém o presidente encarcerado. É infinitamente mais seguro, também, que o campo popular esteja unido numa grande aliança antifascista e antigolpista, entre todos os partidos de esquerda e centro-esquerda, com PDT, PSB, PT e PCdoB. A união faz a força. Achar que as eleições de outubro serão vencidas facilmente pela esquerda é uma ingenuidade que não temos o direito de ter.
Para alcançar a vitória, os partidos precisam mobilizar o máximo de militantes. Mas precisam, antes de tudo, de lideranças dispostas a tomar medidas corajosas e necessárias. Stálin fez um acordo com Hitler, pouco antes da guerra. Houve suicídios entre comunistas. Os mais pacientes e inteligentes aguardaram os fatos. Stálin estava rigorosamente certo: ele precisava ganhar tempo para armar a União Soviética para vencer… Hitler. Então os alemães, achando que estavam enganando um punhado de comunistas românticos, aprenderam em Stalingrado que tinham subestimado totalmente a força da rússia revolucionária.
Churchil fez um acordo com Stálin, para horror dos almofadinhas da extrema-direita britânica, e respondeu aos críticos que “faria um acordo até com o diabo para ganhar a guerra”.
A direita perdeu os limites no Brasil, há tempos. Esqueceram? É preciso união total para vencê-la.
Se o PDT e PSB estão oferecendo uma mão amiga ao PT, e num momento difícil do PT, em que se aliar ao partido do “mensalão” e da “Lava Jato”, que “destruiu o Brasil”, que “roubou bilhões de reais dos cofres públicos”, também tem um preço, também traz uma carga de rejeição, e se, mesmo assim, esses partidos querem se aliar ao PT, porque o partido não quer aceitar?
O PT vai crescer com um acordo com Ciro. As pessoas irão entender como um gesto de grandeza, de humildade, de aposta no futuro do Brasil. Além do mais, a população, ao ver que dois partidos ainda respeitados, como o PSB e PDT, que tem história e presença na política brasileira há bastante tempo, estão dando um voto de confiança ao PT, irão olhar para o PT com outros olhos. É como na vida, se os outros vêem que você não está sozinho, te olham de maneira diferente.
A rejeição ao PT cairá rapidamente, o que abrirá novos horizontes para as eleições municipais de 2020. Seus aspirantes a deputados terão uma votação melhor este ano, porque as pessoas desviarão um pouco mais de sua atenção às eleições proporcionais. Aliás, esse era um momento importante para o PT começar uma grande campanha, pela internet, por sua bancada federal. Cadê a pré-campanha do PT, unificada, estruturada, para seus candidatos? Quando sair do gueto “petista”, sufocado por uma militância cada vez mais patrulhadora, e mostrar disposição para respirar os grandes ares da vida, o PT encontrará um manancial enorme e virgem de eleitores.
Feito o acordo presidencial, os partidos poderão estudar, desde já, estratégias políticas para as eleições locais, além de celebrar acordos futuros.