O quadro está se definindo.
Enquanto Sergio Moro e Rosângela, sua esposa, estão em Nova York, tomando champagne e comendo caviar junto com João Dória, Ciro Gomes está na Suécia, denunciando o golpe, em português e inglês, e conversando com brasileiros, incluindo militantes de esquerda.
Um dos militantes, um jovem de camisa vermelha chamado Bruno, levantou-se para fazer pergunta. Ele cumprimentou Ciro pela denúncia do golpe, mas objetou que vivemos uma “ditadura judicial”, que havia prendido Lula, principal candidato nas pesquisas, e pergunta se Ciro Gomes daria um indulto ao ex-presidente.
Ciro responde que gostaria de conversar com o rapaz reservadamente. Mas, como a pergunta havia sido feita em público, ele tinha o dever de respondê-la. O rapaz levanta a voz para falar em ditadura judicial, ao que Ciro rebate, subindo o tom:
“Não temos uma ditadura judicial, e sim um problema de vazio de poder”.
Esta é a tese de Ciro Gomes, a de que o judiciário ocupou o vácuo deixado pelo Executivo, em especial a partir de 2013, quando a aprovação de Dilma começa a cair de maneira muito forte.
Sobre o indulto, Ciro explica que falar sobre o indulto agora é contraproducente para a estratégia jurídica ou política da defesa do ex-presidente, porque pressupõe que Lula não obterá nenhum resultado positivo na terceira e quarta instância.
Se eu falar aqui que vou indultar o Lula, eu imagino o ex-presidente me xingando lá de dentro da cela: “Vá para puta que pariu, Ciro, eu sou inocente”.
A nova armadilha imposta a Ciro é esta pergunta do indulto a Lula. É uma pergunta interessante, porque o que está em jogo aqui não é apenas o indulto de Lula, mas o próprio mérito de sua condenação. A condenação é “injusta”, tem dito Ciro Gomes em diversas entrevistas, ajudando a consolidar a narrativa de que Lula é uma vítima de Lawfare, de uma orquestração política do poder judiciário.
Entretanto, há um problema político complicado para o PT resolver, lembra Ciro: dos 11 ministros, ele indicou 9.
Uma internauta reagiu, numa dessas polêmicas que a gente faz por aqui, a esse argumento, com um outro argumento que eu mesmo já usei algumas vezes para defender o PT pelo processo de escolha de ministro do STF: não se pode culpar uma mulher se o marido bate nela, com o argumento de que ela “o escolheu”. Esse argumento, porém, não é tão bom assim: porque qualquer um pode rebater com o seguinte raciocínio: “tudo bem, um marido violento, vá lá, acontece, mas nove maridos?”
Por outro lado, o judiciário parece ter perdido completamente a vergonha, como mostra a participação de Moro num rebabofe em Nova York promovido por João Dória.
A situação serve de contraste. De um lado, a turma do golpe, os amigos de Moro, e que parecem não ter nenhuma agenda social; de outro, as forças políticas que estão tentando costurar uma solução para fazer o judiciário voltar à ter um papel democrático no país. Essas últimas ainda não conseguiram se unir, mas o processo eleitoral vai forçar uma simplificação do quadro, de maneira que, perto da eleição, tenhamos um candidato da Lava Jato, ligado ao PSDB, a Temer e ao golpe, e outro bebendo suas energias de todos os setores prejudicados pela Lava Jato e pelo golpe: os movimentos sociais, a esquerda, a indústria nacional.