Por Theófilo Rodrigues
Nos últimos meses, importantes atores da esquerda brasileira sinalizaram favoravelmente à uma reedição, do lado de cá do Atlântico, de uma coalizão política semelhante à que oferece sustentação ao governo do Partido Socialista em Portugal.
Como se sabe, Portugal é governado desde fins de 2015 por uma coalizão política de esquerda conhecida como “a geringonça”. Essa coalizão, liderada pelo primeiro-ministro Antônio Costa, do Partido Socialista, conta com o apoio do Partido Comunista Português, do Bloco de Esquerda e do Partido Ecologista Os Verdes.
Em entrevista para o jornal Público, de Lisboa, Tarso Genro chegou a dizer que “a geringonça portuguesa pode ser inspiração para a nova frente de esquerda que o Partido dos Trabalhadores (PT) tem de construir no Brasil”. Seguindo por caminho semelhante, o sociólogo brasileiro Ruy Braga argumentou em artigo para o mesmo jornal Público que “o país necessita de uma “saída portuguesa”, precisa de uma geringonça”.
Não obstante minha simpatia ou afinidade teórica com os dois, peço licença para discordar pontualmente de Ruy e Tarso.
Como lócus a ser alcançado em médio prazo, a geringonça portuguesa pode, sim, ser exemplo, e servir de inspiração para a esquerda brasileira. No entanto, como estratégia de formação de coalizão eleitoral ou de governo seria, no mínimo, um suicídio para 2018. Vamos aos números.
Em Portugal, a Assembleia da República é formada por 230 deputados. Em 2015, o Partido Socialista elegeu 86 parlamentares, o Bloco de Esquerda 19, o Partido Comunista Português 15 e Os Verdes 2. Isso significa que essa coalizão de esquerda que oferece a sustentação parlamentar ao governo da geringonça possui 122 deputados ou 53% da Assembleia da República.
No Brasil, a Câmara dos Deputados é formada por 513 deputados. Hoje, o PT possui 60 deputados, o PSB 26, o PDT 20, o PCdoB 10 e o PSOL 6. Ou seja, todos os partidos de esquerda e centro-esquerda juntos contabilizam 122 parlamentares ou 23% da Câmara dos Deputados.
Muitos analistas sugerem que do resultado da eleição de outubro sairá um Congresso Nacional ainda mais conservador que o atual. Mas, pelo bem do debate, em um exercício “otimista” de conjectura, vamos supor que o Congresso em 2019 mantenha o mesmo perfil que o de 2018. Nesse cenário, como imaginar ser possível uma “geringonça brasileira”? Ainda que, numa hipótese remota, PT, PCdoB, PSOL, PDT e PSB se unam e elejam o próximo presidente do país, como que sua bancada de apenas 23% na Câmara poderia governar?
O presidencialismo de coalizão, termo cunhado por Sergio Abranches para definir o sistema político brasileiro, é cruel. Sem uma base governista na Câmara que supere o número mágico de pelo menos 50%, nenhum presidente terá estabilidade.
Ou se estabelece um tipo de geringonça brasileira que, fatalmente, levará o país a um novo impeachment em poucos meses, ou a esquerda reconhece sua fragilidade e opta por ampliar sua base de sustentação, momentaneamente, para incorporar a centro-direita enquanto tempos mais auspiciosos não chegam.
Em recente conversa com Miguel do Rosário, a jovem e brilhante líder do Bloco de Esquerda, a portuguesa Joana Mortágua, deu a dica: “em tempos de luta de resistência, como a que a esquerda brasileira enfrenta hoje, são necessárias alianças políticas amplas e capacidade de diálogo”. Se a esquerda brasileira avalia que os tempos são de resistência, como indicam suas resoluções, então sua opção tática não pode ser a do sectarismo e do isolamento.
Antes de construir uma “geringonça”, a esquerda brasileira precisa construir partidos eleitoralmente fortes e capazes de oferecer governabilidade congressual sem a dependência das legendas conservadoras. Com paciência histórica, um passo de cada vez, para não tropeçar novamente no ano que vem.
Theófilo Rodrigues é professor do Departamento de Ciência Política da UFRJ.