Publicado originalmente no Insightnet, neste link.
Por Wanderley Guilherme dos Santos
Na rota entre BR-2002 e BR-2018 operou-se a transformação de um país em que todos ganhavam em outro no qual todos perdem. Em 2002, após três tentativas, Lula conseguiu persuadir o eleitorado de que os planos econômicos fracassariam enquanto não houvesse significativa promoção social dos pobres e muito pobres. A desigualdade extrema permitiu que a primeira das várias medidas com modesto gasto público, o programa bolsa-família, proporcionasse sensível aumento na renda familiar. O impacto no consumo aliviou parte da capacidade ociosa da indústria voltada para consumo de massa sem massa para consumir. Criticar o modelo como consumista é o mesmo que se irritar com o guarda-chuva depois do temporal. Ademais, o consumismo produziu tremores na estratificação social, origem do ódio de parcela da classe média a Lula, responsável pelo forçado convívio com a antiga laia de miseráveis.
A rede de proteção tecida durante os mandatos de Lula exigia reformulações institucionais, resistentes a espasmos de crise econômica e às iniciativas demolidoras de conservadores homicidas. Essa cautela não foi observada por Lula e nem por Dilma. Mas à chegada impetuosa da crise internacional, Lula, em memorável discurso de 2008, recomendou à população continuar comprando, consumindo. Foi um de seus grandes momentos, adiando os efeitos da catástrofe global. A Dilma caberia preparar o país para transição a uma democracia de massa, tecnologicamente atualizada. Nesse trecho deu-se o assalto ao mandato da presidente.
Não participo do coral que atribui a Dilma Rousseff inteira responsabilidade pelo desastre econômico e político sucedido. À época, programas de aceleração do crescimento geravam plataformas para importante salto na economia. Entre outros erros de cálculo, porém, o recurso a desonerações fiscais supunha vigorosa contrapartida do empresariado, sem instrumentos que a conferissem e avaliassem. Como notório, o empresariado adorou o aumento na margem de lucros e só empresou, mesmo, o golpe parlamentar de 2016.
Depois do atual furacão reacionário, completou-se a inversão da prioridade de 2002. Hoje, é indispensável criterioso planejamento que permita o combate eficaz à miséria. Sem severa higiene institucional, o país verá consolidar-se um hiato intransponível em relação às economias tecnologicamente revolucionadas do século XXI. Aproveitar oportunidades nessa corrida impõe admitir-se que nenhum dos grandes partidos brasileiros, isoladamente, dispõe de conhecimento e material humano para tanto. Sem roteiro programático mais ou menos consensual entre os partidos, não haverá futuro promissor para o país, condenado à mediocridade e à indistinção no enorme bloco das nações colonizadas sem a necessidade de ocupação militar. Assunto para políticos laicos, sem pretensão à canonização em vida.