(Robert Doisneau – Le Plongeur du Pont d’Iena – 1945. Foto tirada no dia da “Liberacion” de Paris)
O PT continua, depois de tudo que passou, desprezando solenemente a necessidade de comunicação. No período que antecedeu o golpe (2012 a 2015), Dilma se exilou voluntariamente no Palácio do Planalto, como que num “aparelho” da guerrilha, sem dar entrevistas, sem participar do debate, sem defender seu governo, que sofria um massacre diário na mídia. Não havia contraponto. Não havia porta-voz. Nada. Era só o chicote de um lado, e o lombo de outro.
Hoje eu entendo que a culpa por essa omissão era em grande parte do PT (os petistas tem o vício de jogar toda a culpa do erro de comunicação exclusivamente sobre Dilma, ao invés de se olharem no espelho), pois um partido político tem muito mais liberdade e desenvoltura para idealizar e montar projetos de comunicação do que um presidente, sobretudo se o presidente é alguém tão severamente “republicano” (inclusive no mau sentido do termo) como Dilma.
Ao invés de contratar uma agência norte-americana, por milhões de dólares, para fazer um site chamado “Agência PT”, o partido podia ter montado programas de comunicação suprapartidários, abertos, dinâmicos, para oferecer resistência diária aos ataques, defender o governo e fazer a luta política. Organizar eventos, festas, churrascos, debates. Criar think tanks… Para que serve o fundo partidário?
Não fez nada. E continua não fazendo nada. Agora está gastando um monte de dinheiro com seguranças e ajuda material para que as pessoas gritem “bom dia e boa noite presidente” num acampamento em Curitiba.
O mundo deu a volta, e o problema o continua o mesmo. Lula foi preso e não deixa ninguém falar em seu nome.
Alguns dizem que se trata de um gesto de “resistência”.
Em política, no entanto, sobretudo desde a invenção da fala, há alguns milhares de anos, resistência dá muito mais certo se houver alguém – um líder, um porta-voz – para vocalizá-la.
Agora de vez em quando, aparecem “cartinhas” do presidente, o que, convenhamos, não é suficiente para estabelecer uma comunicação dinâmica com o povo.
Os internautas sabem que sou um feroz crítico da mídia brasileira. Acho que o PT, coerentemente com sua decisão de manter Lula como candidato a presidente, está correto, por exemplo, em entrar na justiça contra a imprensa por ela não ter incluído Lula nas sabatinas com candidatos.
Coerente, mas esquizofrênico.
É mais uma prova de que o PT deveria escolher um candidato, um porta-voz, para apresentar suas propostas, entre suas próprias fileiras, caso não queira se juntar a outra legenda. Se Lula for solto e conseguir seu registro, então muda o registro de novo, e Lula volta.
Se ninguém do partido quer ser candidato, por medo do fascismo lavajateiro, então ninguém irá querer ser ministro, ou ser governo. Se for este o caso, se os quadros petistas estão com medo (e até entendo se estiverem), então não vale a pena disputar eleições presidenciais. Melhor baixar a bola e mudar a estratégia: apoiem Boulos, Ciro ou Manuela, e invistam na bancada legislativa. Dentro da minha tradição de ser sempre honesto e transparente com os leitores, já deixei claro minha opinião: a melhor estratégia é apoiar Ciro Gomes, que está em terceiro lugar nas pesquisas, tem uma plataforma desenvolvimentista, e já estabeleceu pontes importantes com o centro político.
Do jeito que está, o PT não está conseguindo sair da agenda imposta pela mídia conservadora. Num dia, Lula divulga carta dizendo que sua candidatura será usada para provar sua inocência (ver carta ao final do post). No outro, que vai entrar na justiça contra… Folha, UOL e SBT para obrigar que estes canais lhe entrevistem. Ao invés de uma agenda propositiva, para tirar o Brasil do atoleiro, o PT faz o jogo da mídia e dos justiceiros.
Por que o PT não incluiu na lista a Globo, a Veja, a Jovem Pan, a Istoé, a Época, a CBN, o blog do Reinaldo Azevedo?
É tudo muito confuso. O PT está representando, junto a um TSE presidido por Luiz Fux (a nomeação mais desastrosa de Dilma – e olha que o páreo é duro), para que tenha espaço na imprensa lavajateira?
Alguém acha que tem chance de ganhar a ação? E se, por um milagre, ganhar, será apenas isso: uma vitória judicial, não uma vitória política. Porque a mídia vai entrevistar de má vontade.
Se Bolsonaro entrar na justiça para que seja entrevistado pelo Cafezinho, eu lhe entrevisto, tudo bem, mas vou usar a entrevista para desmascará-lo, assim como a mídia, caso perca na justiça, e tiver que incluir o “representante de Lula” nas sabatinas, vai para cima deste com mais ódio e malícia do que já iria normalmente.
Além disso, quem o PT indicar para participar das entrevistas, será, naturalmente, o indicado por Lula para a vaga de presidente! Então para que essa judicialização inútil? Indique logo um candidato, mesmo que provisório, e bola para frente! Aliás, quem seria esse representante? Será sorteado, votado, ou escolhido por Lula? Em cada entrevista ou sabatina será um representante diferente? Terá autonomia ou será desautorizado mais tarde por Lula e a direção do PT? Se já foi escolhido, por que não está, desde agora, dando entrevistas, participando de debates e fazendo política?
Alguém tem de chegar para o Lula e dizer o seguinte: companheiro, você é nosso candidato, mas como você está preso, e não pode estar na rua fazendo campanha, a gente vai registrar provisoriamente alguém, para representar os projetos e ideias do partido nos debates, entrevistas, manifestações, etc. Quando a gente conseguir tirar você daí, a gente muda o registro de novo, e você volta, ok?
Pode fazer isso, não?
Sobre a “carta” de Lula, divulgada por Gleisi ontem, tenho de ser franco: é um desastre político. Parece a carta de um preso comum, não de um preso político.
Entendam, não culpo Lula. Sei que é inocente, um preso político, e justamente por isso sei que a estratégia de defesa deve ser política.
Eu acompanho a gestação do ovo de serpente desde a Ação Penal 470. Escrevia diariamente sobre o caso, quando ninguém mais dava bola. Vi quando o PT não apenas ignorou a luta jurídica e política contra o arbítrio judicial que avançava naquele momento, com a condenação de Dirceu, Genoíno, Pizzolato e vários publicitários (também inocentes, ao menos das acusações que se lhes imputavam), como ainda continuou indicando, para o STF, nomes com o mesmo perfil punitivista, vaidoso e pró-Globo!
Na carta, Lula diz que será candidato para provar sua inocência? Que será candidato até que o judiciário, ministério público e mídia parem de “mentir”. Como assim? Isso não faz sentido. Um candidato precisa discutir os grandes temas nacionais. Um judiciário conservador é um dos temas, mas Lula fará a autocrítica de ter enchido o STF e o STJ de vaidosos e cínicos, os quais se voltaram contra ele mesmo? Não vai, até porque não pode, pois não pode hostilizar quem vai julgá-los, de maneira que Lula vive uma situação complicada nesse papel triplo de preso político, réu e candidato ao mesmo tempo. É pressão demais sobre apenas uma pessoa!
Lula não precisa ficar divulgando cartinhas dizendo que é “inocente”. Isso é patético. O que se espera de um candidato são propostas de governo. Se o PT entende que Lula pode liderar um processo eleitoral de dentro da prisão, então deve, no mínimo, oferecer orientação estratégica ao presidente, ao invés de servir de pombo correio de missivas escritas por ele em momentos de melancolia!
A única arma do PT é a informação. Ao contrário dos golpistas, o partido não tem judiciário, MP, polícia, espaço no governo federal, mídia. Todos estes estão alinhados com os interesses dos ricos. A campanha é uma oportunidade magnífica para apresentar propostas ao povo brasileiro, dialogar com outras forças, ampliar o leque de alianças, conversar com seus próprios eleitores, defender Lula, denunciar a Lava Jato.
O PT é o partido que reunirá mais recursos públicos em sua campanha. Segundo números do TSE divulgados na imprensa em janeiro deste ano, terá mais de R$ 500 milhões (fundo partidário mais fundo eleitoral) para fazer campanha, sem contar a estrutura toda de prefeituras, governos estaduais e gabinetes parlamentares. Para se ter uma ideia, o PDT de Ciro Gomes tem pouco mais de R$ 67 milhões para gastar este ano, entre fundo partidário e eleitoral. Se PT, PDT, PCdoB (R$ 66 milhões) e PSB (R$ 200 milhões) se unissem, teriam quase R$ 900 milhões, tempo de TV e poderiam vencer as eleições presidenciais e barrar o desmonte nacional! Não inclui o PSOL (R$ 23 milhões) nessa equação porque conheço o partido e sei que não há condições políticas dele se unir a esses outros no primeiro turno: mas o PSOL se junta à corrente no segundo turno, com muita força!
A esquerda tem condições objetivas, reais, de ganhar as eleições presidenciais. Basta botar o pé no chão, a cabeça no lugar, arregaçar a manga e lutar com as armas que temos!
Lula tem um enorme capital político e eleitoral, que não pode ser desperdiçado. Este capital, no entanto, precisa ser cultivado, para que amadureça, consolide-se, deixando de ser um voto frágil, apolítico, emocional, transformando-se em opinião firme, em sólida vontade social, em energia revolucionária!
Se Lula está preso, suas ideias não estão. É preciso que elas circulem, ganhem vida, e se transformem em realidade!
***
Abaixo, a carta de Lula, divulgada ontem:
Querida Gleisi,
Estou acompanhando na imprensa o debate da minha candidatura, ou Plano B ou apoiar outro candidato.
Sei quanto você está sendo atacada. Por isso resolvi dar uma declaração sobre o assunto.
Quem quer que eu não seja candidato eu sei, inclusive, as razões políticas, pois são concorrentes. Outros acham que fui condenado em 2a. instância, então sou culpado e estou no limbo da Lei da Ficha Suja.
Os meus acusadores sabem que sou inocente. Procuradores, juiz,TRF-4, eu sou inocente. Os meus advogados sabem que eu sou inocente. A maioria do povo sabe que eu sou inocente.
Se eu aceitar a ideia de não ser candidato, estarei assumindo que cometi um crime.
Não cometi nenhum crime.
Por isso sou candidato até que a verdade apareça e que a mídia, juízes e procuradores mostrem o crime que cometi ou parem de mentir.
O povo merece respeito. O povo tem que ter seus direitos e uma vida digna.
Por isso queremos uma sociedade sem privilégios para ninguém, mas com direitos para todos.
Lula