Sob o aspecto jurídico, não é correto se falar em “juiz da Lava Jato” ou “relator da Lava Jato”.
A competência dos órgãos jurisdicionais é toda prevista na Constituição Federal e nas demais leis processuais de nosso ordenamento jurídico.
“Lava Jato” não é uma categoria reconhecida pela Teoria do Direito e nem é uma instituição reconhecida pelo Direito. Por outro lado, não basta que um crime tenha alguma “ligação” ou “relação” com outro delito para modificar a competência de foro ou de juízo.
A unidade de processo e julgamento, que pode levar à modificação de uma destas competências, só poderá ocorrer nos casos de conexão, elencados no artigo 76 do Código de Processo Penal, que dispõe:
“Art. 76. A competência será determinada pela conexão:
I – se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras;
II – se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas;
III – quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.”.
Vale a pena repetir: conexão é um conceito jurídico e não algo pensado pelo censo comum.
Assim, não basta que a Petrobrás seja vítima de vários crimes patrimoniais para que eles sejam conexos. Não basta que os crimes tenham sido delatados em um mesmo acordo de cooperação premiada para que eles sejam conexos. É preciso que os crimes tenham sido praticados em uma das situações jurídicas expressamente previstas no artigo 76 supra.
Mesmo na hipótese mais abrangente do inc. III (conexão instrumental ou probatória), não basta que os crimes tenham sido descobertos por uma mesma fonte de prova ou não basta que haja uma prova comum a ser produzida em dois processos.
O inc. III do artigo 76 cuida de uma hipótese de prejudicial homogênea. Vale dizer, a prova de um crime influindo na prova de outro crime. Ou seja, se um crime não restar provado, não existirá o outro crime. Por exemplo: a prova de um furto é relevante para provar a existência do crime de receptação. Por outro lado, já não serão conexos os crimes sabidos pela mesma testemunha ou praticados apenas contra a mesma vítima.
Desta forma, descabe dizer que o juiz Sérgio Moro é competente para processar e julgar todos os crimes que tenham “ligação” com a corrupção ocorrida na Petrobrás, em decorrência de delitos praticados por alguns de seus gerentes ou diretores (corrupção passiva) e vários empresários (corrupção ativa, quase todos agraciados com prisões domiciliares!!!). Isto vale para os crimes de corrupção de vários políticos, que teriam recebido “propinas” destes corruptos.
Assim, é preciso que, em cada caso concreto, fique demonstrado que o crime investigado naquele processo é realmente CONEXO com um outro delito da competência de um juízo ou de um desembargador dos Tribunais Federais Regionais, ou de um ministro do Superior Tribunal de Justiça ou de um relator do Supremo Tribunal Federal.
Explicitando sob o aspecto prático:
a) não basta que a vítima do crime patrimonial seja a Petrobrás ou que a descoberta do crime decorra de uma mesma delação premiada para que a turma ou câmara do desembargador Gebran seja o órgão judicial competente para processar e julgar os “processos da Lava Jato” e, com mais razão, que ele seja sempre o relator destes processos;
b) não basta que a vítima do crime patrimonial seja a Petrobrás ou que a descoberta do crime decorra de uma mesma delação premiada para que a turma do ministro Félix Fischer seja o órgão judicial competente para processar e julgar os “processos da Lava Jato” e, com mais razão, que seja ele sempre o relator destes processos;
c) não basta que a vítima do crime patrimonial seja a Petrobrás ou que a descoberta do crime decorra de uma mesma delação premiada para que a turma do ministro Edson Fachin seja o órgão judicial competente para processar e julgar os “processos da Lava Jato” e, com mais razão ainda, que ele seja sempre o relator destes processos.
No Direito Processual Penal, a conexão é entre infrações penais (crimes) e não entre processos.
Por outro lado, o instituto da prevenção pressupõe uma competência concorrente entre dois juízos igualmente competentes. Destarte, o juiz, o desembargador e o ministro só estarão preventos se tiverem atuado em processo anterior em que a infração penal seja CONEXA com o crime que é objeto do novo processo.
Enfim, é preciso que os nossos tribunais sejam técnicos e apliquem corretamente as regras processuais em vigor, independentemente de posturas ideológicas ou concepções punitivistas de equivocada política criminal.
Afranio Silva Jardim, professor associado de Direito Processual Penal da Uerj. Mestre e Livre-Docente em Direito Processual pela Uerj.