(Foto: Governo da Bahia).
Por motivos que explicarei a seguir, transcrevo abaixo um artigo de Valter Pomar em resposta a uma entrevista de Jaques Wagner, publicada no Estadão, a qual também reproduzo ao final do post.
Na entrevista, Wagner sinaliza a possibilidade de apoio petista à candidatura Ciro Gomes, inclusive com o oferecimento da vaga de vice.
Valter Pomar reage duramente contra esta alternativa, e defende que o PT deve considerar apenas duas opções: Lula, ou nada!
Ou seja, ou o PT consegue, por algum milagre, levar adiante a candidatura Lula ou denuncia o processo eleitoral como fraude, lançando uma “anticandidatura” (confesso que não entendi muito bem o que isso significa).
Nas próprias palavras de Valter:
(…) só há duas alternativas aceitáveis no que diz respeito à eleição presidencial: ou participamos com Lula candidato; ou participamos com o objetivo de denunciar a fraude, deslegitimar o resultado e criar assim melhores condições para fazermos oposição ao futuro governo federal.
E como participar denunciando a fraude? De momento, há apenas duas hipóteses: ou não substituir Lula, caso ele venha a ser “interditado definitivamente”; ou lançando em seu lugar uma “anti-candidatura”, que tenha como objetivo denunciar o golpe e defender o PT.
Alguns amigos pediram-me para eu escrever sobre isso. Fá-lo-ei!
Discordo radicalmente de Valter Pomar. Acho que o PT não pode, nem brincando, abandonar o processo eleitoral ou participar dele pela metade, pensando apenas em denunciar golpe ou fraude.
O PT, assim como todo partido progressista, não apenas deve participar da campanha presidencial “à vera”, e não como uma “anticandidatura”, seja lá o que isso queira dizer, como tem de se esforçar ao máximo para emplacar uma boa bancada no congresso e nas assembleias legislativas.
Para isso, precisa de uma estrategia política e eleitoral consistente, íntegra, substantiva.
Quanto às proposições de Wagner, concordo com o ex-governador: o PT tem de estar aberto a todas as possibilidades, inclusive a de se aliar a Ciro Gomes.
A guisa de conclusão, Pomar diz o seguinte:
Renunciar voluntariamente à condição hegemônica do PT, escondendo nosso partido e suas lideranças atrás de um biombo, não contribuiria para derrotar o golpismo, nem ajudaria a esquerda a reencontrar nosso caminho para o poder, para as reformas democrático-populares e para o socialismo.
O uso da expressão “condição hegemônica do PT” é deselegante, até mesmo contraproducente, diante do cenário fortemente pluripartidário do país, inclusive na esquerda, além da necessidade premente de união das legendas progressistas em torno de uma agenda comum.
Quanto à denúncia de fraude e golpe, a estratégia de combatê-los não pode ser emulando os piores exemplos da direita venezuelana (não digo pelo conteúdo do protesto, que é muito mais verdadeiro aqui, onde uma presidenta eleita foi efetivamente derrubada, de maneira ilegal, do que na Venezuela, onde a direita protesta contra resultados transparentes e chancelados por observadores internacionais; digo pela forma, pondo a culpa no processo eleitoral, e não no adversário).
O último bastião da nossa democracia são as eleições de 2018. E também não acho que seja inteligente encará-las como uma batalha de vida ou morte. Tipo: se perdermos, acabou-se o mundo, podemos ir para casa. Se o PT ou a esquerda encarar a eleição assim, entrarão nervosos e desconcentrados na disputa política.
Além do mais, não é verdade. Os horizontes pós-eleitorais permanecem tomados de perspectivas infernais, perdendo ou ganhando. Se a direita ganhar, terá que lidar com o problema econômico e social, e a oposição crescente que vai emergir dele. Se for a esquerda a levar o troféu eleitoral, terá os mesmos problemas, em escala ainda maior, porque herdará um país em crise, um Estado completamente contaminado pela violência institucional, além da onda fascista, que tenderá a se radicalizar ainda mais diante da esquerda no poder.
O futuro do Brasil não está fácil para ninguém, nem estará resolvido após as eleições.
Por isso mesmo, as eleições devem ser vistas como um valor em si mesmo, como uma oportunidade de transformá-lo num processo de educação política.
É claro que o impeachment foi golpe e que a retirada de Lula do pleito, da maneira como foi articulada, corresponde a uma insuportável fraude no processo eleitoral. Isso deve ser denunciado agora e sempre. Mas se golpes e fraudes fossem motivo para se desistir da luta democrática, a classe trabalhadora jamais, em nenhum momento da história, teria disputado eleições.
Além disso, o próprio processo democrático deve ser sempre visto sem rigor excessivo, porque se alguém examiná-lo no microscópio corre o risco de achá-lo, como um todo, uma grande fraude, um golpe continuado contra a soberania popular.
Se o PT for entrar na batalha eleitoral pensando em “deslegitimar” seu resultado, então é melhor nem entrar! Quem vai para a chuva, é para se molhar – e deslegitimar uma eleição que envolverá quase 150 milhões de eleitores, e dezenas de milhares de candidatos para os mais diversos cargos estaduais e federais, é desrespeitar a democracia.
Por isso mesmo, é preciso usar a fraude, tanto a fraude específica do afastamento de Lula do pleito, como a fraude sistêmica que contamina a democracia contemporânea, para mobilizar o eleitorado em favor do time prejudicado pelos maus juízes e seus bandeirinhas escroques.
Não acho também que uma possível aliança entre PT e Ciro Gomes significaria, como diz Valter, pôr um “biombo” à frente do partido. O PT cresceu depois do golpe. Tem mais popularidade que antes, e as críticas que recebe dos setores raivosos da sociedade se tornam dia a dia mais caricaturais. Todas as pesquisas mostram que o antipetismo está refluindo, e não crescendo, apesar do esforço diário da Lava Jato em produzir factoides que prejudiquem o partido.
No entanto, mesmo na vazante, o antipetismo ainda é extremamente pesado, e perigoso, porque não é mais apenas um sentimento de antipatia política contra um partido. O antipetismo incorporou elementos emocionais próprios do fascismo, e contaminou setores poderosos dos estamentos, em especial suas áreas mais burocráticas e autoritárias. Isso acontece, possivelmente, porque o PT simboliza exatamente, ao contrário da propaganda neoliberal, correntes antiestatais, antiburocráticas, anticorporativas da sociedade. Ironia bem típica do Brasil: o mesmo país onde os liberais tinham orgulho de seus escravos, é onde a ideologia antiestatal, privatizante, que caracteriza a direita neoliberal, alojou-se – e tornou-se hegemônica aí – no aparelho de Estado!
Os maiores acumuladores de privilégios do Estado (ou, para usar uma expressão chula: os maiores mamadores em suas tetas) não são os socialistas estadófilos que a direita tanto odeia, mas juízes e procuradores, admirados e paparicados por operadores do mercado financeiro filiados às ideias do Estado mínimo.
Neste sentido, de pensar uma estratégia que nos permita driblar o ódio fascista, que infectou setores poderosos do Estado, e que parecem dispostos a abandonar qualquer escrúpulo democrático, brandindo, a todo momento, intervenções militares, é que vale a pena discutir uma aliança com Ciro Gomes.
O próprio Ciro Gomes parece ter entendido bem como funciona o jogo.
Diz Valter que:
Ciro Gomes não tem enganado ninguém acerca de suas opiniões sobre o PT. Ele escolheu construir uma estratégia sem o PT e, em boa medida, contra o PT.
Também discordo dessa asserção. Ciro Gomes tem feito críticas duras ao PT, mas isso todo o mundo faz, inclusive o próprio PT. Não concordo com todas as críticas de Ciro ao PT. Mas concordo com outras. E, o que me parece mais interessante, algumas de suas críticas estão quase mudando minhas ideias. Por exemplo, sempre achei antipáticas, e até mesmo pouco honestas, as críticas que Ciro Gomes faz aos movimentos lulistas de se aproximar de setores golpistas ou ex-golpistas, como Renan Calheiros. Ora, pensava eu, Lula faz bem em tentar reconstituir pontes com o centro, reduzir a ruptura. Isso terá de acontecer um dia ou outro.
Mas talvez Ciro esteja certo: o problema não é reconstituir pontes, e sim a maneira como isso é feito, com os mesmo métodos que nos levaram até aqui.
As fotos recentes de Lula com Renan Calheiros correspondem às fotos de Lula e Haddad com Maluf. Quem não se lembra do seu custo? Os minutos de tv que significaram foram mesmo fundamentais para a vitória petista em São Paulo? Quanto se ganhou e quanto se perdeu ali? Agora, que o PT vive o momento mais sofrido de sua história, vemos com mais clareza a importância de um patrimônio ético, e não importa que seja uma ética puramente semiótica. É justamente esse tipo de ética que mobiliza as multidões.
Entendo que fazer acordos com o centro, e mesmo com a direita, é uma necessidade de um regime democrático como o nosso. Mas precisam ser feitos dessa maneira, com abraços e beijos? Não poderiam ser mais sóbrios, estabelecendo-se em torno de pontos objetivos? Ao invés de abraços e beijos, não poderiam ser reuniões austeras ao redor de projetos de governo?
Do jeito que foram feitos, os acordos me parecem ter prejudicado tanto petistas como seus aliados à direita. Não me sai da cabeça que Maluf, com quase 90 anos, com várias doenças degenerativas terminais, tenha sido vítima da violência encarcerante dos tarados da Lava Jato apenas porque ele se aproximou, em algum momento, de Lula.
Não acho que Ciro Gomes esteja se posicionando “contra o PT”. Muito pelo contrário! Em todas as suas entrevistas, ele fez questão de deixar bem claro que foi um aliado constante, um eleitor, um amigo, do presidente Lula, da presidenta Dilma e do PT. E fala disso com orgulho, sem nenhum tipo de arrependimento.
É inverídico, portanto, que “Ciro não tem enganado ninguém acerca de suas opiniões sobre o PT”. Quer dizer, a expressão é dúbia, porque pode significar exatamente o contrário do que Valter parece ter querido dizer. Pode significar que Ciro Gomes tem sido bastante verdadeiro, talvez até demais, em relação ao PT. De fato, Ciro não engana ninguém, mas talvez porque não seja o seu objetivo “enganar ninguém”.
Deve ser verdade que Ciro Gomes tenha uma estratégia “sem o PT”. Mas este é o ponto em que nos perguntamos: e daí? Qual o problema, visto que ele concorre por um partido diferente? Repare que Valter, antes de se arriscar a afirmar que Ciro tem uma estratégia “contra o PT”, acrescenta um elemento suavizador, como se hesitasse: a expressão “em boa medida”. Como assim, em boa medida? É contra ou não o PT?
Mas o que pensa, afinal de contas, Ciro Gomes? Valter, ao olhar tanto para Ciro Gomes como para o processo político, incorre num vício sectário, de considerar o PT como o centro do mundo.
Não é. O centro do mundo é a luta de classes. Ou luta contra a desigualdade. Ou luta pelo desenvolvimento socio-economico do país, como queiram. As observações sobre os candidatos devem ser articuladas em torno desse conceito, e não ao redor das intrigas partidárias!
O que Ciro Gomes pensa sobre a indústria, a agricultura, a educação, os impostos e os programas de assistência social?
O que Ciro Gomes pensa sobre o governo Temer, os grandes meios de comunicação, o papel do judiciário e do ministério público, e o imperialismo?
Em suas entrevistas, Ciro Gomes tem sido bastante claro em relação às suas ideias.
O PT, por sua vez, está enredado nas armadilhas da direita judicial-midiática e tornou-se quase tão monotemático quanto seus adversários.
Enquanto a Globo vocifera, dia e noite, delenda Lula!, o PT rebate, no mesmo tom, Lula livre, num círculo vicioso que obviamente está destinado a produzir, mais dia menos dia, desgaste político e cansaço moral.
Entendam: longe de mim afirmar que o PT só tem cometido erros. Muito pelo contrário. O partido tem amadurecido de maneira impressionante ao longo deste dolorido, terrível, processo. Se comete erros é porque ele está no centro de todas as tormentas, sendo puxado violentamente para lá e para cá por uma aliança de todas as forças do capital: a grande mídia, as altas finanças, o imperialismo, as castas judiciais e os mandarinatos de todos os tipos. Hoje é segredo de polichinelo que a alta burguesia financista tem manipulado, perigosamente, a pequena burguesia decadente e irritadiça, com tendência ao fascismo e à violência, para jogá-la contra as forças trabalhistas, e muito especificamente contra o PT.
Acossado por todos os lados, o PT resiste, ganha filiados, reúne gente, seus parlamentares mais destacados tem demonstrado audácia e habilidade, de maneira que a legenda tem enfrentado com galhardia e dignidade um conjunto de ataques que já teria destruído qualquer outro partido, não apenas no Brasil como em qualquer outro país.
Me parece evidente que o PT emergirá muito mais forte do que entrou. Às vezes tenho a impressão que parte do ódio ilimitado da direita contra o PT nasce da intuição, entre os próprios militantes conservadores, que suas tristes vitórias constituem inexoráveis e humilhantes derrotas, e que as derrotas do PT, ao contrário, podem estar preparando mais um longo período de vitórias para o campo popular.
Na introdução de seu Luta de Classes na França, Marx explica essa característica dialética das lutas sociais, em que uma coisa se converte em seu oposto. Ao mencionar o tormentoso período que vai de 1848 a 1849, os dois anos mais longos da história do mundo, que parecem ter concentrado a luta de milênios, não apenas do passado, mas também do futuro, Marx observa que:
O que sucumbiu nessas derrotas não foi a revolução. Foram os penduricalhos pré-revolucionários tradicionais, os resultados de relações sociais que ainda não haviam culminado em antagonismos agudos de classe – pessoas, ilusões, concepções, projetos, dos quais o partido revolucionário ainda não estivera livre antes da Revolução de Fevereiro e dos quais se livraria não pela vitória de fevereiro, mas unicamente por força de uma série de derrotas.
Em suma: não foram suas conquistas tragicômicas imediatas que abriram caminho ao progresso revolucionário; muito pelo contrário, foi a geração de uma contrarrevolução coesa e poderosa, a geração de um adversário, e foi no combate a ele que o partido da revolta amadureceu, tornando-se um partido realmente revolucionário.
Ora, não é exatamente isso que estamos vivendo no Brasil? De um lado, o partido do grande capital, com seus gigantescos meios de comunicação, suas conexões imperialistas, seu controle sobre os aparelhos judiciais, sua presença terrível, orwelliana, na “opinião pública”; de outro, o partido da revolta, endurecendo sua têmpera ao fogo ardente da mais sangrenta guerra política da nossa história?
O que era a esquerda brasileira antes, e o que é hoje? Suas “vitórias” em 2002, 2006, 2010 e 2014, ao invés de produzirem uma esquerda forte e popular, pareciam criar uma frente cada vez mais preguiçosa, barriguda e sem criatividade. Com o golpe batendo à sua porta, Dilma não perdeu a oportunidade histórica de fazer um discurso na ONU? Por que? Evidentemente não foi apenas culpa dela, mas porque ela estava cercada de erros, de “penduricalhos pré-revolucionários tradicionais”, como diria Marx, de “pessoas, ilusões, concepções, projetos, dos quais o partido revolucionários ainda não estivera livre” antes do… golpe.
O PT e toda a esquerda tem amadurecido bastante, e isso não significa, evidentemente, que a partir de agora não irão mais cometer erros e não precisem ser constantemente submetidos seja ao escrutínio popular seja à crítica dos intelectuais. O PT já viveu tempos em que ele queria pacificar seus críticos, do povo e da elite, mesmo que para isso precisasse desligar os oleodutos que o conectavam ao corpo vivo da sociedade. Foi um erro, naturalmente. E a autocrítica petista (que, necessário dizer, é duríssima e tem sido uma prática corajosa e dolorosa de seus militantes mais antigos e orgânicos; quem acusa o PT de não fazer autocrítica é porque simplesmente não convive ou conversa com nenhum de seus militantes) sempre insiste nesse ponto: o desmantelamento dos núcleos de base foi o erro mais trágico do partido, o que o transformou num partido pequeno-burguês ideologicamente confuso e superficial, com pouquíssima ou nenhuma base popular, apesar de todas suas grandes vitórias eleitorais.
O que fazer então? Como reconstituir os núcleos de base se a “base” já não existe? Essas coisas não são feitas através de decisões tomadas de cima para baixo. Quer dizer, sempre se pode destruir ou desmontar uma grande organização de uma hora para outra. Construí-la ou reconstruí-la requer um longo período.
E aí voltamos a Ciro Gomes.
Não vejo sentido em atacar Ciro Gomes com base na pura intriga partidária. Não é o momento disso.
Ciro Gomes está correto em construir uma estratégia sem o PT. Mas o PT cometerá um erro se construir uma estratégia sem Ciro Gomes.
Não é preciso ser um grande analista político para entender que a esquerda não-petista, desta vez, tem três candidatos muito bem preparados: Boulos, Manuela D´Ávila e Ciro Gomes.
Para mim, o maior erro do PT não é procurar estabelecer uma ponte com Ciro Gomes e até mesmo flertar com a possibilidade de se aliar a ele nas eleições de 2018. Isso para mim está correto. Talvez não fosse sequer necessário ter um vice do PT. O ideal, a meu ver, é que Ciro Gomes tivesse um vice oriundo do setor produtivo, algum remanescente da burguesia industrial que tivesse coragem de se aliar a um candidato de esquerda. O PT poderia simplesmente formar uma chapa com o PDT, para eleger deputados e senadores, mas sem indicar o vice.
Ou não!
Há vários cálculos importantes que precisam ser desenvolvidos, e discutidos publicamente, especialmente aqueles relacionados à eleição de parlamentares.
O maior erro do PT, ia dizendo, é cogitar uma aliança com Ciro Gomes, ou falar disso publicamente, mesmo que seja para em seguida falar mal, sem antes estabelecer um programa de governo, um projeto, e sem fazer uma mediação com os outros candidatos da esquerda, cuja solidariedade a Lula tem sido infinita e incondicional!
Um fato se impõe: a esquerda autêntica precisa se unir. Ciro Gomes, Boulos, Manuela D´Ávila, PT, precisam estar juntos, de alguma maneira, já no primeiro turno, não necessariamente unidos em torno de uma só candidatura, mas alinhados a um projeto, e aferrados ao compromisso de que, se houver o risco de que a disputa no segundo turno se dê entre o neoliberalismo sociopata dos golpistas, protagonizado pela aliança Temer-PSDB, e o fascismo armado de Jair Bolsonaro, a esquerda se unirá em torno daquele candidato que estiver melhor posicionado nas pesquisas de intenção de voto.
Observem que falei “esquerda autêntica”, que é uma maneira de afastar dois candidatos que, a meu ver, são um ridículo e falso simulacro de “centro-esquerda”, razão pela qual representam talvez o pior de todos os perigos: Marina Silva e Joaquim Barbosa.
**
No blog do Valter Pomar
O plano B de Jaques Wagner
O jornal O Estado de São Paulo publicou, as 16h51 do dia 1 de maio de 2018, um artigo de Ricardo Galhardo comentando opiniões do ex-governador Jaques Wagner.
Segundo o artigo, Jaques Wagner teria dito que o PT pode vir a indicar o vice de Ciro Gomes.
Reproduzo ao final o artigo citado. Até agora, que saiba, Wagner não retificou as opiniões ali publicadas.
Como virou costume entre os defensores do chamado B, Wagner nega peremptoriamente que defenda plano “B, C, X, Y ou Z”.
Mas para Wagner sustentar a candidatura do Lula vale apenas até que “até que alguém diga que ele está interditado definitivamente”.
Ou seja: para Wagner, defender Lula agora é apenas uma etapa. Afinal, diz o ex-governador, “ninguém traça uma estratégia já pensando em plano B”.
O termo mágico na frase acima é “já”.
Ou seja: não devemos começar falando disso, mas é nisso que vamos terminar se “alguém” disser que Lula está “interditado definitivamente”.
Considero um avanço que Wagner e outros setores do PT estejam levando em consideração a possibilidade de a candidatura Lula ser “interditada definitivamente”.
Afinal, não faz muito tempo, havia um setor do Partido e da esquerda que não acreditava que pudessem ocorrer a prisão, a condenação e o golpe. Estas e outras ilusões no inimigo contribuíram para nossas sucessivas derrotas, desde janeiro de 2015.
Também considero um avanço que se debata publicamente o tema, entre outros motivos porque isto permite que o conjunto da esquerda possa participar da discussão e influir nas decisões que venham a ser tomadas.
Decisões entre quatro paredes, tomadas por meia dúzia, não são boas nunca; e neste momento, resultariam em total desastre.
Feitas estas ressalvas, a proposta de Wagner — se materializada, o que considero impossível – seria pior que um equívoco tático: provocaria um retrocesso estratégico de décadas.
Apoiar Ciro Gomes presidente seria voltar aos tempos em que a esquerda brasileira era apoiadora subalterna de líderes do “centro”. A existência do PT contribuiu para superar aquela situação. O que Wagner defende nos conduziria de volta àquele passado.
O argumento de Wagner em favor desta hipótese chega a ser ingênuo: “Sempre defendi que, após 16 anos, estava na hora de ceder a precedência. Sempre achei isso. Não conheço na democracia ninguém que fica 30 anos. Em geral fica 12, 16, 20 anos. Defendi isso quando o Eduardo Campos ainda era vivo. Estou à vontade neste território”.
A ingenuidade, digamos assim, consiste em não perceber que não estamos mais “na democracia”, entendendo por isto o ambiente político que prevaleceu entre 1989 e 2014. O golpe de 2016 e a prisão de Lula criaram uma situação nova, em que raciocínios do tipo “precedência” não fazem o menor sentido.
O objetivo da direita não é apenas impedir Lula de concorrer, vencer e governar novamente. O objetivo da direita inclui destruir o Partido dos Trabalhadores e impedir que a esquerda brasileira continue sendo alternativa de governo. Neste ambiente, ceder a “precedência” para um personagem como Ciro Gomes contribui para os objetivos da direita.
Aliás, Ciro Gomes não tem enganado ninguém acerca de suas opiniões sobre o PT. Ele escolheu construir uma estratégia sem o PT e, em boa medida, contra o PT.
Isto impede “conversar” com Ciro ou com qualquer outro? Óbvio que não.
O problema não consiste em “conversar”; o problema consiste em decidir sobre o quê conversar, com quais intenções conversar. E as intenções de Wagner (e de Ciro) são claras, porém inaceitáveis, ao menos para quem considera que a “precedência” do PT não é um detalhe qualquer.
Assim como não é um detalhe interpretar bondosamente a candidatura de Joaquim Barbosa. Não se trata apenas do papel que ele jogou no julgamento da AP 470. Nem se trata do fato dele ser candidato pelo PSB, que apoiou Aécio e votou a favor do golpe.
Trata-se do “lugar” que ele está buscando ocupar na disputa eleitoral de 2018 e, principalmente, trata-se do programa que ele já sinalizou estar disposto a defender.
Wagner, como já se disse, era a favor de abrir mão da “precedência” já em 2014. Está disposto a fazer isto em 2018. E lamenta que o golpismo tenha nos colocado numa situação que dificulta isto: “o problema é que a prisão do Lula nos coloca numa posição de resistência. Não posso dizer hoje que estou abrindo para qualquer um. É dizer o que? ‘Lula, tchau e benção?’ A situação é complicada”.
Realmente, é uma situação complicada, mas principalmente por um motivo que Wagner não cita: a prisão de Lula e a “interdição definitiva” de sua candidatura converterão a eleição de 2018 numa fraude.
Não se trata apenas de um problema para o PT. Ao impedir Lula de participar da campanha, como candidato e/ou como apoiador, o golpismo está fraudando e adulterando antecipadamente o resultado das eleições.
É principalmente por isto que a “situação é complicada”.
E o que Wagner tem a dizer sobre isto? Ao menos aparentemente, nada! Afinal, quem defende a hipótese do PT indicar o vice de Ciro, não parece estar muito preocupado com a fraude.
Eleição sem Lula é fraude: esta pequena frase causa incômodo em muita gente. Não há reunião ou documento em que não se busque substituir a frase por outra mais simpática, mais propositiva, menos agressiva etc.
Mas os fatos são cabeçudos: se a candidatura de Lula for “definitivamente interditada”, o resultado da eleição estará pré-definido antes que os eleitores votem, por obra e graça de um ato de arbítrio. O nome disto é fraude.
Claro que dentro e fora da esquerda brasileira existe quem pense diferente disto.
O golpismo não aceita que houve golpe, logo não vê porque falar em fraude.
Já na esquerda há quem acredite que, mesmo preso, mesmo sem poder fazer campanha, mesmo sem poder aparecer no horário eleitoral gratuito, Lula seria capaz de transferir votos e levar alguma candidatura para o segundo turno, como fez com Dilma em 2010 (curiosamente, nenhum dos defensores da tese da transferência de votos propõe que Dilma seja candidata a presidência em 2018).
Suponhamos que mesmo com Lula preso e impedido de ser candidato, a chance de levar alguém da esquerda ao segundo turno fosse alta. É claro que nesta hipótese, faria algum sentido correr o risco de lançar outro nome do PT ou mesmo de apoiar uma candidatura de outro partido.
Mas suponhamos o contrário: que a interdição de Lula torne muito pouco provável, para não dizer praticamente impossível, que a esquerda possa estar no segundo turno.
Neste caso, o desfecho seria: entraríamos no processo afirmando ter maioria e sairíamos dele derrotados duplamente, pois não poderíamos nem mesmo reclamar que fomos vítimas de uma fraude.
Para os que trabalhamos com esta “suposição”, só há duas alternativas aceitáveis no que diz respeito à eleição presidencial: ou participamos com Lula candidato; ou participamos com o objetivo de denunciar a fraude, deslegitimar o resultado e criar assim melhores condições para fazermos oposição ao futuro governo federal.
E como participar denunciando a fraude? De momento, há apenas duas hipóteses: ou não substituir Lula, caso ele venha a ser “interditado definitivamente”; ou lançando em seu lugar uma “anti-candidatura”, que tenha como objetivo denunciar o golpe e defender o PT.
Voltamos, portanto, ao ponto inicial: a questão da “precedência” do PT não é um detalhe.
Podemos achar que se trata de um erro político, mas não há motivo para discutir a legitimidade, o direito de outros partidos da esquerda e/ou contrários ao golpe lançarem suas candidaturas à presidência da República.
Mas também não há motivo para tergiversar sobre o seguinte: desde 1989, o Partido dos Trabalhadores é o eixo ao redor do qual se organizam as forças democráticas, populares e socialistas.
Sabendo disto, o setor hegemônico do golpismo trabalha para desmoralizar, estrangular e até mesmo tirar o Partido da legalidade.
Também sabendo disto, alguns setores da esquerda enxergam, na situação atual, uma oportunidade para disputar o que tratam como “espólio”, sem perceber que agindo assim contribuem para o contrário do que dizem desejar.
Finalmente, é pelos mesmos motivos que, em todas as nossas discussões táticas e estratégicas, precisamos levar em conta como melhor defender o Partido dos Trabalhadores, não como um fim em si mesmo, mas como este eixo ao redor do qual a maior parte da esquerda brasileira se fortaleceu desde 1989 e vem resistindo ao golpe desde 2016.
Renunciar voluntariamente à condição hegemônica do PT, escondendo nosso partido e suas lideranças atrás de um biombo, não contribuiria para derrotar o golpismo, nem ajudaria a esquerda a reencontrar nosso caminho para o poder, para as reformas democrático-populares e para o socialismo.
Por isto, a possibilidade sugerida por Wagner é na verdade pior que um plano B. Está mais para “plano S”, S de suicídio.
***
A matéria citada segue abaixo.
No Estadão
Para Jaques Wagner, PT pode ser vice de Ciro Gomes
No entanto, ex-governador da Bahia admitiu que prisão de Lula dificulta diálogo com outras forças de esquerda
Ricardo Galhardo, enviado especial, O Estado de S.Paulo
01 Maio 2018 | 16h51
CURITIBA – Apontado como uma das alternativas do PT para a disputa da Presidência da República, o ex-ministro e ex-governador da Bahia Jaques Wagner admitiu nesta terça-feira, 1º, que o partido pode aceitar ser vice de Ciro Gomes (PDT) e defendeu a inclusão de Joaquim Barbosa (PSB) no diálogo com os demais partidos de esquerda.
Wagner, no entanto, ressaltou que é favorável à estratégia petista de manter o nome do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso em Curitiba, até a última instância. Ele desautorizou a inclusão de seu nome entre os prováveis planos “B” do PT enquanto a candidatura do ex-presidente estiver colocada e admitiu quer a prisão de Lula dificulta a aceitação de outras alternativas pela cúpula petista. “Não coloco meu nome em hipótese alguma à disposição neste momento”, disse.
Ao chegar ao ato de 1º de Maio organizado pelas seis centrais sindicais na tarde desta terça-feira, em Curitiba, Wagner foi indagado por jornalistas sobre a possibilidade de o PT aceitar ser vice de Ciro e respondeu: “Pode. Sempre defendi que, após 16 anos, estava na hora de ceder a precedência. Sempre achei isso. Não conheço na democracia ninguém que fica 30 anos. Em geral fica 12, 16, 20 anos. Defendi isso quando o Eduardo Campos ainda era vivo. Estou à vontade neste território”.
Wagner defendeu as articulações feitas pelo ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, que também é citado como alternativa do PT a Lula, e já se reuniu duas vezes com Ciro neste ano. “O Haddad teve uma conversa sobre a economia brasileira e acharam que era sobre política eleitoral no estrito senso. Esse é o caminho. Eu continuo na minha posição. O PT vai sustentar a candidatura do Lula até que alguém diga que ele está interditado definitivamente. Ninguém traça uma estratégia já pensando em plano B”, afirmou.
Nesta linha, Wagner disse que o PT deve estar aberto para conversar com todas as forças do campo progressista, inclusive Barbosa, algoz de líderes petistas como José Dirceu e José Genoíno no julgamento do mensalão. “Acho que tem que conversar com todo mundo. Não só pensando na questão eleitoral mas pensando em como retomar um processo de crescimento sustentável com distribuição de renda no Brasil. Então acho que conversar com Ciro, Manuela (D’Avila, do PC do B) e Joaquim (PSB), faz parte da política”.
Indagado especificamente sobre Barbosa, Wagner disse que se trata de um outsider e que suas ideias e propostas ainda não estão claras. “O Ciro eu sei mais ou menos o pensamento, a Manuela eu sei mais ou menos o pensamento, o Joaquim está começando a apresentar o seu pensamento. De todos que falei, Joaquim é o mais outsider. Nunca foi uma pessoa dedicada propriamente à política”, afirmou o ex-ministro.
Ele admitiu que a prisão de Lula dificulta o avanço do diálogo com as outras forças de esquerda já que coloca o PT em uma posição defensiva. “O problema é que a prisão do Lula nos coloca numa posição de resistência. Não posso dizer hoje que estou abrindo para qalquer um. É dizer o que? ‘Lula, tchau e benção?’ A situação é complicada”, afirmou.