(Charge: Latuff)
Por Pedro Breier
Imaginem o seguinte cenário.
A Lava Jato deixa, miraculosamente, de ser seletiva e passa a tratar todos os partidos isonomicamente.
Tucanos de alta plumagem na mira da operação; vazamentos de toda e qualquer delação, não importando quem seja o atingido; prisões indiscriminadas de políticos de direita.
Isso seria bom para o país?
É evidente que não.
A seletivade do judiciário é, obviamente, algo gravíssimo. Uma aberração em um país que se diz democrático.
Entretanto, o buraco é mais embaixo.
No sistema de tripartição dos poderes, o judiciário é, disparadamente, o menos democrático.
Não há qualquer participação popular na escolha de seus membros. As chances de aprovação nos concursos para a magistratura são, por motivos óbvios, abissalmente maiores para os filhos da classe média e alta, naturalmente tendentes ao conservadorismo político – e esta é uma parte da explicação para a seletividade.
O legislativo e o executivo, com todos os problemas das eleições – especialmente a influência absurda do dinheiro mas campanhas -, ainda são preenchidos a partir do voto livre e direto da população.
O fato de um poder não eleito decidir – com o respaldo essencial da velha mídia e do mercado – rasgar as regras definidas pelos representantes eleitos pelo povo – como por exemplo na questão da presunção da inocência – é, talvez, o nosso grande drama democrático.
Esse autoritarismo conservador do judiciário é a origem e o que possibilita a seletividade.
A seletividade, aliás, manifesta-se na esfera política, com a perseguição escancarada à esquerda, mas não só: a seletividade penal atua pesadamente contra a população negra e pobre, sendo um dos grandes mecanismos – talvez o maior – de manutenção da abjeta desigualdade social que assola o nosso país.
Não é à toa que o status quo vem utilizando o judiciário como substituto para as démodés ditaduras militares. Tanto um como as outras são profundamente antidemocráticos e naturalmente conservadores.
A esquerda, portanto, deve, na visão deste que vos escreve, dar prioridade máxima à luta pela democratização do judiciário.
Um sistema que misture concurso público com eleição direta para os cargos de juiz, desembargador e ministro dos tribunais superiores, por exemplo, oxigenaria enormemente o judiciário com ares democráticos.
E para os suspeitos de sempre que vierem com acusações de bolivarianismo, comunismo, etc., bastará lembrá-los que os EUA, suprassumo do capitalismo, elegem seus juízes em eleições diretas.
O brado contra a seletividade é importante, é claro, mas não vai à raiz do problema.
Pode, além disso, se tornar uma armadilha para a esquerda, visto que estender a barbárie jurídica para os partidos de direita só faria com que o poder antidemocrático e conservador do judiciário ficasse mais atrofiado ainda.
O que não é nada desejável para quem sonha com uma sociedade livre, justa e fraterna.