Por Pedro Breier
Assisti, ontem, O Processo, de Maria Augusta Ramos.
O documentário, aclamado no Festival de Berlim, conta a história do processo que tentou revestir o golpe de 2016 com uma aparência de perfeita legalidade.
O belo trabalho da diretora não deixa margem para qualquer dúvida: é indubitável, irrefutável e gritante o fato de que a democracia brasileira sofreu um golpe.
Fora a grotesca farsa jurídica, duas figuras fulcrais para o golpe bastariam para a ostensiva certeza apontada no parágrafo anterior:
– Eduardo Cunha, o corrupto notório que, como presidente da Câmara dos Deputados (!) foi o responsável por aceitar a denúncia contra Dilma Roussef. Depois de fazer o serviço sujo ele foi afastado do cargo e preso.
– Janaína Paschoal, a advogada que subscreveu o pedido de impeachment após receber R$ 45 mil do PSDB para elaborar um parecer sobre o tema. São inacreditáveis as suas explanações escolhidas pela diretora de O Processo. Janaína parece uma personagem canastrona saída de alguma novela de péssima qualidade. O momento em que ela fala, supostamente emocionada, que chorou quando viu Dilma dizer, em entrevista ao Fantástico, que queria ser bailarina e que agora a bailarina acabou – isso em plena comissão do Senado que discutia o impeachment – só pode ser classificado como o mais absurdo nonsense.
Creio que quanto mais nos afastarmos temporalmente daqueles acontecimentos, mais esdrúxula vai nos parecer a coisa toda.
Saí do cinema com um gosto amargo na garganta.
É revoltante que um país como o Brasil ainda esteja à mercê de forças que não se envergonham de recorrer a expedientes e personagens tão deploráveis para impor ao país o seu projeto de poder.
Entretanto, ergamos nossas cabeças – mantendo o pescoço ereto, como Lula falou em seu discurso épico antes de ser preso.
Sintamos nossas tristezas diante disso tudo sozinhos, de preferência com a boca e a mente em profundo silêncio.
Na hora de militarmos, de fazermos política, de conversarmos com as pessoas, de escrevermos, esbanjemos a alegria e a confiança de quem está do lado certo da história.
Mesmo que o golpe tivesse sido muito bem feito, não ficaria impune. Os ciclos da história são implacáveis.
Não é este o caso.
O golpe no qual estamos imersos é, além de violento e autoritário como todo golpe, tosco. Bizarro. Estapafúrdio.
Um golpe com tais características desmorona muito mais rapidamente.
Dilma comenta, em uma cena do documentário, que durante a ditadura militar não havia internet e que, portanto, o golpe de 16 não durará outros 20 anos.
Tem toda a razão.
Amanhã vai ser outro dia.