Frente Antifa já! Fascistas atacam até Igreja Católica!
Roberto Requião[1]
Diz-se, não sei se é verdade, os senadores do Espírito Santo poderiam confirmar, diz-se que existe um pacto entre os veículos de comunicação capixabas para que não noticiem os suicídios de pessoas que se atiram da Terceira Ponte, ligação entre Vila Velha e Vitória, a fim de que não se estimulem mais mortes. Elas continuam acontecendo, só que sem alarde.
Talvez os meios de comunicação brasileiros devessem fazer um pacto semelhante, recusando-se a publicar as manifestações de toda sorte de psicopatas, de fascistas, de degenerados que transbordam das redes sociais e do gangsterismo político para as “respeitáveis” páginas dos jornalões, para o horário nobre da televisão, para o “Jornal Nacional”, estimulando, acicatando instintos bestiais, pré-humanos.
No primeiro discurso que fiz nesta Casa, neste meu segundo mandato, na sessão do dia quatro de fevereiro de 2011, trazia à memória das senhoras e dos senhores senadores o clássico filme de Ingmar Bergman, o “Ovo da Serpente”, uma parábola do surgimento do nazismo.
“Desde o começo era ostensivo o que seria gerado”, constata um dos personagens do filme.
Desde o começo era ostensivo o que seria gerado.
Desde o começo cultivou-se o zigoto, protegendo-o, aquecendo-o.
E desde o começo deu-se de ombros à gestação do monstro.
Acredito que seja impróprio precisar um roteiro do estabelecimento do fascismo na Alemanha, Itália, Japão, Portugal, Espanha, França, Holanda, Noruega e nos países do Leste Europeu, como a antiga Iugoslávia.
Não há um script único. No entanto, alguns elementos, algumas substâncias são universais.
Por exemplos, a criminalização da política e a desmoralização dos partidos. Todos os políticos não prestam, todos os partidos são organizações criminosas. Todos os políticos e todos os partidos são corruptos. Não se salva ninguém. Os legislativos não servem para nada, são abrigos de imunidades, de foro privilegiado, de corrupção, de mordomias e sinecuras, de desperdício de dinheiro. Se os legislativos fossem fechados, ninguém perderia nada, diziam e diz-se.
A par da depreciação da política, demoniza-se a Justiça, especialmente os tribunais superiores, através da militância de juízes singulares, de promotores e procuradores de Justiça, e de policiais.
Os casos alemães e italianos, notadamente, demonstram que, na área judiciária, a maior resistência ao avanço fascista foi promovida por alguns juízes de tribunais superiores. Daí todo esforço para inimizar a opinião pública contra esses tribunais.
Talvez por reunir juízes mais velhos, com notável saber, extremamente apegados aos preceitos legais, ciosos de sua independência e infensos às pressões políticas e ao autoritarismo, os tribunais superiores sempre sofreram impacto da escalada fascista.
Tanto na Itália como na Alemanha, proliferaram os juízes e procuradores “justiceiros”, os relhos de Deus, os chicotes da vindita.
Na área legal, outro alvo do fascismo em ascensão são os advogados, especialmente os advogados de presos políticos, de líderes oposicionistas. Esses advogados serão tratados como inimigos e estigmatizados.
Nesse roteiro da incubação do ovo fascista, temos também a satanização dos meios de comunicação e dos jornalistas, independentes ou de oposição, e que não sejam classificados como integrantes da “imprensa amiga”.
Afinal, tanto na Alemanha como na Itália e alhures, a mídia comercial, a dita “grande mídia” não resistiu à escalada do nazi-fascismo e mais das vezes, por omissão ou ação, emprestou calor para o choco do ovo.
Por fim, completando o quadro do arreganho fascista, com base na experiência histórica, vem o escracho da Igreja, a desconceituação e infamação de padres, pastores e instituições religiosas que ou se oponham à extrema direita ou que busquem desarmar os espíritos, pregando a moderação e a conciliação.
E isso já está acontecendo, tanto em relação à CNBB quanto ao Papa Francisco.
Alguns radicais de direita estabeleceram um monitoramento cerrado das atividades da Conferência dos Bispos. Dou exemplo: no dia cinco de abril, uma quinta-feira, a Comissão de Justiça e Paz da CNBB convidou senadores e deputados para um café da manhã, na sede da entidade, em Brasília.
Nem havíamos terminado a conversa sobre o Brasil, a crise econômica e política, o papel da Igreja e do Parlamento nisso tudo, quando já mancheteavam na internet: “Café comunista na CNBB”. E prometiam denúncias assombrosas, sensacionais sobre a infiltração esquerdista na Igreja brasileira e sobre a internacional católico-comunista comandada por Roma.
Além de “revelações aterrorizantes” sobre a parceria da CNBB com organizações criminosas.
A irrazoabilidade e a irracionalidade são características distintivas do fascismo. Mentir, distorcer, fantasiar, criar narrativas absolutamente desconectadas com a verdade dos fatos.
Assim, que ninguém se surpreenda caso mais adiante pipocarem operações policiais contra padres, bispos, pastores e leigos não alinhados.
Em relação ao Papa Francisco, acredito que os direitistas já tenham ultrapassado os limites do bom senso e até mesmo do ridículo. Dizem que nunca houve uma Papa tão “político” quanto Francisco.
Pergunto a esses néscios: e João Paulo II? Talvez apenas na Idade Média, quando os poderes espiritual e material de suas santidades se confundiam, tivemos atividades políticas mais intensas que a de Karol Wojtyla em reinado de 27 anos. O seu sucessor, Joseph Ratzinger, não ficou atrás. Um e outro foram papas de intensa, diária, obcecada atuação política.
Não os condeno, pelo contrário. O exercício do papado nunca deixou de ter a dimensão, digamos, terrena.
Mas o ataque a Francisco deve-se à sua oposição desassombrada à globalização financeira, ao reino de Mamon. Sem meias palavras, sem meias medidas, sem tibieza, Francisco mostra os malefícios da financeirização de nossas vidas, das vidas das nações.
Francisco não faz concessões à usura, aos mecanismos cruéis e obscenos que levam à prisão das pessoas e das nações ao endividamento, à especulação financeira, ao entesouramento sibarita.
Francisco não é anticapitalista, pois fala com frequência sobre os benefícios do capital produtivo, abençoando-o. Francisco é cristão, isto é, fraterno, solidário, humano.
Bergoglio retoma a tradição dos grandes Papas que fizeram o aggiornamento do pensamento da Igreja, posicionando-se sobre os grandes temas que galvanizam a humanidade em determinadas fases de sua existência.
Assim o fez Leão XIII, nas décadas finais do século XIX, com a “Rerum Novarum”, das coisas novas, posicionando a Igreja sobre os direitos dos trabalhadores na ascendente sociedade industrial. Tema reprisado quarenta anos depois por Pio XI, no aceso do conflito capital-trabalho. Assunto retomado por João XIII com a “Mater et Magistra” e Paulo VI com a “Populorum Progressio”, nos agitadíssimos dias da Guerra Fria e dos movimentos de libertação nacional, das revoluções que sacudiram o mundo nas décadas de 50 e 60.
Da mesma forma que Francisco, agora, Leão XIII, Pio XI, João XXIII e Paulo VI foram execrados, caluniados e anatematizados pelos conservadores, pelos donos do poder, do capital e da opinião publicada.
Assim, tendo em vista esse histórico da Igreja de viver o tempo que a humanidade vivencia, experimenta e sofre é que os fascistas buscam desmoralizá-la, combatê-la, desonrá-la. Tanto na Alemanha quanto na Itália, para ficar em dois exemplos, a Igreja Católica e as Igrejas Evangélicas históricas foram classificadas formalmente como inimigas do regime.
Senhoras e senhores senadores.
Os ataques que a Igreja vem sofrendo na rede mundial de computadores, quer em sua superfície aparentemente civilizada, quer em suas profundezas sórdidas, abjetas, haverá um dia de formar correntes de organizadas de opinião, movimentos organizados, com claras feições ultradireitistas, nazifascista.
Não estou aqui a defender a Igreja, padres, bispos, pastores, freiras e leigos crentes. Estou aqui a defender homens e mulheres que acham possível construir um mundo fraterno, solidário que se oponha à barbárie fascista e à barbárie da globalização financeira e imperial.
Falei, insisti, adverti sobre a face tosca e agressiva do fascismo em marcha em nosso país.
Mas há uma outra face, mais branda, dita branda, sobre a qual nos adverte José Saramago:
“Os fascistas do futuro não vão ter aquele estereotipo de Hitler ou Mussolini. Não vão ter aquele jeito de militar durão. Vão ser homens falando tudo aquilo quer a maioria quer ouvir. Sobre bondade, família, bons costumes, religião e ética.
Nessa hora vai surgir o novo demônio, e tão poucos vão perceber a história se repetindo”.
[1] Roberto Requião é senador da República, no segundo mandato. Foi governador do Paraná por três mandatos, prefeito de Curitiba, secretário de estado, deputado estadual, professor universitário, oficial do exército brasileiro, advogado trabalhista, agricultor e industrial. É graduado em direito e jornalismo com pós graduação em urbanismo e comunicação.