(Não é só a barba)
Por Pedro Breier
O filósofo grego Sócrates foi condenado à morte por envenenamento, acusado de corromper os jovens e pregar a descrença nos deuses.
Sócrates explicou, na sua defesa diante dos cidadãos atenienses que o julgariam, os motivos reais da perseguição que sofria.
(Como se vê, a direita brasileira está longe de ser pioneira na estratégia de inventar acusações fuleiras para esconder os verdadeiros motivos de uma perseguição injusta).
A história é mais ou menos a seguinte.
Um amigo de Sócrates chamado Querofonte perguntou ao célebre Oráculo de Delfos se havia alguém mais sábio do que Sócrates. O oráculo respondeu negativamente.
Sócrates, que não se considerava de modo algum um sábio, resolveu lançar-se, depois de muito matutar, à empreitada de entender o que quis dizer o Oráculo, procurando pessoas que seriam mais sábias do que ele.
O primeiro foi um político que parecia sábio aos olhos do filósofo. Conversando com o cidadão, Sócrates percebeu que o homem parecia sábio a muitos outros e principalmente a si mesmo, mas não o era, de fato.
Sócrates concluiu então que era mais sábio que o político por saber que não sabe nada, enquanto o político acreditava saber alguma coisa sem sabê-la.
O homem não parou mais.
Procurou todos aqueles que diziam saber qualquer coisa e acabou concluindo que a verdadeira sabedoria estava na consciência da própria ignorância. Era como se o Oráculo quisesse dizer algo como:
Aquele dentre vós, ó homens, são sapientíssimos os que, como Sócrates, tenham reconhecido que em realidade não tem nenhum mérito quanto à sabedoria.
Jovens passaram a seguir Sócrates e a imitá-lo na análise da sabedoria dos homens.
Aqueles que eram desmascarados, muitos deles poderosos e influentes, não ficavam nada contentes e passavam a caluniar e acusar Sócrates, processo que desaguou na sua condenação à morte.
Segundo o filósofo, direcionaram-lhe acusações comuns, que eram movidas a todos os filósofos, “porque não querem, a meu ver, dizer a verdade, isto é, que descobriram a presunção de seu saber, quando não sabem de nada”.
Passemos a Lula.
O ex-presidente conta reiteradamente em seus discursos a história de que Fernando Henrique Cardoso estava feliz de passar a faixa presidencial a Lula, apesar do candidato do seu partido ter sido José Serra.
Lula diz que FHC – e, de resto, toda a elite – apostava no seu fracasso como presidente da República. Um reles retirante nordestino, metalúrgico, sem diploma universitário e que fala como alguém da ralé faria um governo desastroso e abriria caminho para a volta triunfal de FHC à presidência.
Como se sabe, deu ruim.
Lula fez, com todas as suas contradições, erros e moderação, provavelmente os melhores governos da história do nosso país – o que é confirmado por todas as pesquisas que indagam sobre o melhor presidente da história.
Pois o fundo psicológico dessa perseguição violentíssima a Lula e ao seu partido parece ser o mesmo da perseguição a Sócrates: a não admissão, por parte dos poderosos metidos a sábios, de que um qualquer havia desmascarado a sua empáfia vazia.
Lula, ao transformar o Brasil em um dos países mais respeitados do planeta, fez desmoronar a arrogância classista da nossa elite, que só produz miséria e sofrimento quando está no poder.
Assim como Sócrates, Lula não poderia ficar impune diante de tal ousadia.
As semelhanças não param por aí.
Durante o seu julgamento, Sócrates argumentou que quem perderia com a condenação não seria o próprio filósofo, mas a cidade de Atenas. “Ficai certos de uma coisa: se me condenardes por ser eu como digo, causareis a vós próprios maior dano que a mim”.
Lula, milhares de anos depois, no discurso após a confirmação da sua condenação pelo TRF 4, seguiu a mesma linha de Sócrates: “Quem está no banco dos réus é o Lula mas quem foi condenado é o povo brasileiro”.
Há afinidade entre Sócrates e Lula até mesmo na hora de cumprir a pena.
Sócrates teve a chance de sugerir aos julgadores uma pena alternativa à morte, como a prisão ou o exílio.
Convicto de que não havia feito injustiça a ninguém, preferiu a morte – que era, segundo ele, uma incógnita – a escolher alguma outra injustiça para si próprio. Ainda sugeriu, irônico, que fosse sustentado pelo Estado no Pritaneu, sede dos membros dos governos das cidades-estado da Grécia Antiga.
Lula, igualmente convicto da sua inocência, também decidiu submeter-se à pena imposta pelos carrascos da democracia brasileira, como que para completar o desígnio histórico de ser o protagonista de mais um capítulo da luta milenar da humanidade por liberdade.
Não bastasse o sucesso de seus governos, a elite tacanha que parasita o nosso país ainda tem que engolir mais essa: Lula, o presidente operário que brotou da miséria, entrou no panteão dos grandes personagens da história da humanidade ao repetir, milhares de anos depois da morte de Sócrates, a saga épica de um dos fundadores da filosofia ocidental.
Durma-se com um barulho desses.
* Inspiração, consulta e citações: Apologia de Sócrates, de Platão.