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O dia em que Lula refundou o PT

Denise Assis* No dia 19 de abril de 1979, eu e o meu ex-marido acordamos cedo e fomos para a cozinha preparar o café da manhã. Lá, costumávamos deixar pendurado um radinho de pilha de capinha de couro preto (os mais jovens têm que pesquisar que coisa é esta). Ao ligá-lo na Rádio Jornal do […]

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Denise Assis*

No dia 19 de abril de 1979, eu e o meu ex-marido acordamos cedo e fomos para a cozinha preparar o café da manhã. Lá, costumávamos deixar pendurado um radinho de pilha de capinha de couro preto (os mais jovens têm que pesquisar que coisa é esta). Ao ligá-lo na Rádio Jornal do Brasil, nosso primeiro gesto todos os dias, escutamos a notícia da prisão do líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva. Nos olhamos, nos abraçamos e choramos assim, por alguns minutos. Tempo suficiente para extravasar o impacto da notícia devastadora naquele momento.

Cada um ao seu modo seguiu a rotina daquele dia pesado, para nos dias posteriores nos dedicarmos às atividades de resistência. Eu, no meu sindicato (o dos jornalistas), vendendo estrelinhas para comprar alimentos a serem depositados numa Kombi, que o presidente, Carlos Alberto de Oliveira (Caó), disponibilizou para que fossem enviados à matriz, em de São Bernardo, onde se refugiaram os companheiros da liderança dos metalúrgicos em greve. Ele, à frente do DCE da UFF, onde cursava medicina, articulava reuniões e atos por Lula.

Ontem, ao assistir à cena do ato ecumênico para D. Marisa, tendo Lula à frente dos padres e demais membros de outros credos, foi como ligar o projetor e deixar rolar o filme que remontava a esta época. A da fundação, das greves e da resistência.

Sim, as cenas em preto e branco ganharam cores, e o que se deu ali foi o milagre da “refundação”. Lula refundou o PT. E, além disso, fortaleceu e abriu espaço para outras legendas, num momento em que as atenções convergiam para ele.

Antes de sair de cena, arrastado por decisões que atropelaram a Constituição e o Direito, foi apaziguar os ânimos, apagar ressentimentos, unir emoções e, tal como uma mãe que aparta a briga de irmãos, fazendo-os dar as mãos depois da troca de sopapos, colocá-los no mesmo plano, para que sigam em frente aceitando as diferenças.

Lula fez questão de, em praça pública, diante da militância, dar a cada um uma missão, um papel, de acordo com suas estaturas. À Dilma, reservou a condição de parceira, arquiteta do mesmo projeto. Aos antigos companheiros de luta fez referências respeitosas e saudosistas. Para o escritor Fernando Morais, mandou um puxão de orelhas, como se a dizer: “apresse-se com este livro sobre o meu governo, ele é fundamental agora”. Para os demais, foi passando incumbências.

Tratem de ganhar o governo de tal estado, se esforcem para preencher na Câmara a nossa bancada. Lula falou como se escrevesse um “para casa”, e, ao mesmo tempo, fizesse um testamento. Falou às mulheres, em tom de pilhéria, dando-lhes valor ao mostrar o revide à traição como um crescimento e uma conquista. Agradeceu o apoio da classe artística, na pessoa de Osmar Prado, e saudou os mais jovens, chamando ao palco o conjunto do Pará que se apresentava no ato. Falou de gratidão, ao lembrar com carinho do aprendizado naquele sindicato e carinhosamente citar os pratos divididos nos arredores, com os antigos companheiros.

Para os que vêm daquele 19 de abril de 1979, não foi difícil entender que Lula estendeu a todos nós o dedo mindinho e, tal como nas brincadeiras da infância, trocou de bem com a militância, ainda melindrada com os solavancos e, – por mais que vacinada – influenciada pelo bombardeio midiático que, de tão pesado, chegou a minar a confiança de alguns.

E, ainda, enviou mensagens de reconstrução, e instruções para que tudo funcionasse quando “saísse de cena”. Houve quem entendesse apressadamente o gesto de erguer as mãos de Boulos e Manoela como uma sugestão para outubro. Os acostumados a ouvir Lula ao longo dos anos, prestaram atenção ao que veio depois do gesto: “Eu quero dizer a você, Guilherme e à Manoela que, para mim, é motivo de orgulho pertencer a uma geração que está no final dela vendo nascer dois jovens disputando o direito de ser presidente da república desse país.” (…) “Você tem futuro, meu irmão, é só não desistir nunca”. E, voltando-se para Monoela:

“Quero cumprimentar essa garota, essa garota bonita, garota militante do PC do B, que também está fazendo a sua primeira experiência como candidata a presidenta da República pelo PC do B –e que eu acho um motivo de orgulho e uma perspectiva de esperança para esse país ter gente nova se dispondo os  enfrentar a negação da política, assumindo a política e dizendo: ‘nós queremos ser presidente da República para mudar a história do país’.” Lula falou de futuro, sem afirmações categóricas.

Uniu forças, refundou o partido, deu diretrizes. E foi fazer o que achou que devia. A todos, porém, deixou tarefas. A principal, a de destrinchar as mensagens contidas em seu discurso. Simples, claro, mas com algum subtexto. E, por fim, a mais significativa: “Eu vou cumprir o mandato e vocês vão ter que se transformar. Cada um de vocês.Vocês não vão mais chamar Chiquinha, Joãozinho, Zezinho, Robertinho. Todos vocês, daqui pra frente, vão virar Lula e vão andar por esse país.”

*Jornalista e colunista de O Cafezinho

 

 

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Denise Assis

Denise Assis é jornalista e autora dos livros: "Propaganda e cinema a Serviço do Golpe" e "Imaculada". É colunista do blog O Cafezinho desde 2015.

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Leandro

10/04/2018 - 16h59

Um pouco de alívio é saber que ele delegou funções específicas.
Mesmo um guerreiro que sou, meus olhos insistem em verter lágrima.

Mari

10/04/2018 - 00h14

Que texto!
Me desarmou… estava segurando o choro, desde o último Sábado.

Mauricio

09/04/2018 - 09h06

O discurso do Lula deverá ser obrigatório em todos os livros de História.

Mirko Kraguljac

09/04/2018 - 06h26

É isso aí! Lula em 50 minutos fez tudo isso e muito mais – só destrincar as mensagens que ele deixou em seu discurso histórico! E claro, cumprir , cada um de nós, as obrigações ante da história, história que juntos vamos fazer – lutando para valores inestimáveis de um Lula livre e candidato, bem como volta de democracia golpeada.

Marcelo Timotheo

09/04/2018 - 01h44

Textaço. Tinha 14 anos em abril de 1979 e, com família politizada, liberais progressistas (no sentido que a palavra “liberal” tem nos EUA), já acompanhava algo das greves e da luta contra a ditadura. Graduei-me, depois, em História.e, desde 1989, voto em Lula. Obrigado por me levar, e com tanta emoção, para aquele passado de luta. E por mostrar, com beleza e altivez, que é possível crer num futuro bem melhor.

Rita Candeu

08/04/2018 - 20h01

caramba! que texto
eu só faço que choro, é muita emoção!

    Rosângela Maria Pires

    08/04/2018 - 22h53

    Eu também, Rita Candeu! Estive na sexta-feira em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos por quase 6h, em pé, emocionada o tempo todo com a energia que ali reinava! Vi nosso Lula aparecer nas janelas do 2° andar, ao lado do Lindberg e outros e, nós, a multidão parecia que tínhamos entrado em transe! Estou, assim como vc, cheia de sensibilidade, chorosa, emocionadíssima. Choro a todo momento, como agora ao ler esse texto-artigo maravilhoso de Denise Assis, que me parece ser o discurso de Lula exatamente como ela disse: uma distribuição zelosa de atribuições de um pai que vai partir, sem saber se vai voltar, a todos os seus filhos queridos e filhas queridas! Ah, Rita, que aperto no coração, que estrangulamento sinto na garganta e tento não deixar as lágrima escorrerem, mas impossível! Lula está nas mãos dos algozes do Povo e eles querem acabar com o Lula, porque acham que assim vão aniquilar nossa vontade! Mas … #EuSouLula #NósSomosMilhõesDeLulas


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