No Nocaute
A colunista do Nocaute Aline Piva conversou com Mark Weisbrot, economista norte-americano e co-diretor do Centro para Pesquisas Econômicas e de Políticas Públicas em Washington, e que é também colunista ocasional do New York Times.
Nocaute – O que significa a perseguição a Lula?
Mark Weisbrot – Esse é o segundo estágio de um golpe que começou, claro, com o impeachment de Dilma. Então ela foi sem um crime real, e agora nós temos um ex-presidente que está sendo mandado para a prisão sem evidência. Esses são dois aspectos do mesmo processo, organizado pelas pessoas que nunca realmente aceitaram o governo do Partido dos Trabalhadores como um governo legítimo, que é a elite tradicional do Brasil e a mídia, claro, que é parte disso. Eles estão tomando o que eles não puderam ganhar por 14 anos nas urnas, eles estão tomando isso de volta. Isso eu acho que é o mais importante que está acontecendo. E o processo, claro. Eles estão enfraquecendo o Estado de Direito, eles estão destruindo a independência do Judiciário nesses casos políticos, e eles estão realmente criando uma forma diferente, muito mais limitada, de democracia, onde eles podem decidir não só se um presidente pode continuar no cargo, mas se outro candidato, um ex-presidente, pode ser candidato – quem pode ser candidato nas eleições. Então é realmente uma forma muito limitada de democracia. E é ainda mais perigoso que isso, quer dizer, obviamente há muitas coisas que são reminiscentes do golpe de 1964, como essa violência do dia 27 de março, quando atiraram na Caravana do Lula, em 17 de março você teve Marielle Franco, vereadora do Rio, que foi assassinada, foi um verdadeiro assassinato político, e você não vê o governo fazendo muito para investigar. Então isso está ficando mais e mais não só uma forma limitada de democracia, mas algo que parece mais e mais com que violência e repressão possam ter um papel ainda maior na maneira que essas pessoas governam.
Os Estados Unidos estão envolvidos?
É interessante como o papel dos Estados Unidos nunca é discutido na mídia internacional quando eles falam sobre América Latina. Quer dizer, América Latina está passando por essa enorme transformação, e se tornou, no século XXI, mais independente dos Estados Unidos do que foi por 500 anos, e agora está voltando atrás, de volta ao século XX. E falar dessas mudanças sem os Estados Unidos é como falar da Ucrânia e não mencionar a Rússia. E é claro que eles estão envolvidos. É interessante, quando perguntaram isso para o Lula no Democracy Now, a primeira coisa que ele disse foi “bem, nos levou 40 anos para descobrir o que os Estados Unidos fizeram no golpe de 1964”, então muito disso não vai vir à tona. Mas você tem muita evidência, você tem a evidência, claro, do apoio dos Estados Unidos ao impeachment de Dilma, como falamos anteriormente, onde eles vieram, por exemplo, Aloízio Nunes, que estava à frente do Comitê de Relações Internacionais do Brasil, veio aqui dois ou três dias depois do golpe, e se encontrou com Tom Shannon, o número três no Departamento de Estado. Há esses encontros e outras coisas, como a coletiva de John Kerry em frente da Embaixada, em 15 de agosto, com José Serra. Essas coisas, e as coisas que ele disse sobre o grande futuro que eles teriam… Há maneiras de fazerem todos saberem que os Estados Unidos apoiaram o golpe. Agora, o impeachment – e é claro que eu chamo de golpe -; agora, a segunda fase, a perseguição a Lula, e aí, você vê, os Estados Unidos estão obviamente envolvidos nas investigações. O Departamento de Justiça, por exemplo, o procurador-geral, Kenneth Blanco, ele esteve em uma conferência aqui em julho de 2017, e ele disse que era “difícil imaginar uma relação mais cooperativa na história recente” do que aquela entre o Departamento de Justiça dos Estados Unidos e os procuradores brasileiros. E um pouco mais à frente no mesmo discurso, ele se vangloriou de como os procuradores do Brasil ganharam um veredito contrário ao presidente Lula. Então ele está muito feliz com isso, e ele não está tentando esconder isso nem um pouco. Então eu acho que precisaremos alguma investigação para descobrir exatamente o que eles fizeram, mas se você olha para a atitude deles em relação ao Brasil – e nós sabemos que eles nunca quiseram o PT, todas as coisas que eles fizeram no correr dos anos, as quais eu só arranhei a superfície, quer dizer, você tem tanta história em todos os 14 anos dos Partidos dos Trabalhadores, e mesmo quando Lula estava disputando as eleições em 2002. Então você tem muito motivo aqui, e você tem oportunidade, porque aqui estão eles, envolvidos na investigação com Sérgio Moro, e o que eles estão fazendo? Eles estão aí para garantir que seja uma investigação imparcial? Eu não acho. Eu acho que eles são parte do governo dos Estados Unidos. E eles estão fazendo o que outras partes do aparato de segurança dos Estados Unidos, como é chamado, eufemisticamente, está fazendo. Então sim, eu acho que eles estão envolvidos e eu acho que nós vamos ter mais evidência. Espero que nós consigamos mais investigação aqui sobre o que eles estão realmente fazendo.
O que significa a prisão de Lula para, o Brasil, América Latina e o mundo?
Bom, eu acredito que, de imediato, a prisão do Lula e o uso do sistema judicial para impedir que ele concorra à presidência, impedir que o Partido dos Trabalhadores retorne ao poder – é que eles estão tentando fazer. Eu acho que isso obviamente tem um efeito terrível em qualquer tipo de democracia. E, claro, não é só a democracia em abstrato, é o que eles querem fazer com esse poder. Nós vemos o que a direita está fazendo em termos de cortar gastos sociais, a tentativa de cortar as aposentadorias, educação. É a agenda usual da direita, de criminalizar o MST, por exemplo. Então há isso, e há também parte do que está acontecendo na América Latina. Tem acontecido essa grande virada à direita e, como eu disse, a perda da soberania nacional e independência. E aqui você vê os Estados Unidos usando esses novos governos de direita, que eles ajudaram a chegar lá – e na Argentina, eles intervieram bastante na Argentina para piorar os problemas do balanço de pagamentos, bloqueando empréstimos no Banco Mundial, no Banco Interamericano de Desenvolvimento, e os Estados Unidos retiraram o apoio a isso depois que Macri assumiu o cargo. E aí você tem o sistema judicial dos Estados Unidos, como no Brasil, onde o sistema judicial dos Estados Unidos usado internacionalmente; quando o sistema judicial dos Estados Unidos foi usado para exacerbar o balanço de pagamentos na Argentina também. A Corte de Nova Iorque decidiu que os credores da Argentina não poderiam ser pagos até que os fundos abutres fossem pagos. Então eles fizeram todas essas coisas, e aí, claro, eles removeram todas as coisas que eles fizeram para a Argentina quando eles já tinham o governo de direita. E nós poderíamos ir país por país. Obviamente, Venezuela é o exemplo mais proeminente. Lá nós temos Estados Unidos abertamente fazendo um chamado para um golpe militar e fazendo tudo que eles podem para garantir que isso efetivamente aconteça. Eles têm sanções financeiras contra o país, as quais são ilegais sob a Carta da OEA e outras convenções internacionais que os Estados Unidos são signatários. E eles estão tentando estrangular o país economicamente. Eles está até ameaçando com ainda mais sanções. E nesse momento, ninguém nem sabe sobre isso porque a mídia quase não está reportando sobre isso. Eu acho que a Reuters está reportando nos Estados Unidos, e eles são basicamente os únicos que estão prestando atenção a isso: os Estados Unidos está realmente tentando impedir que uma eleição presidencial aconteça, porque eles querem um golpe. Mesmo se um candidato da oposição ganhe, eles não querem nem tentar a sorte nisso, porque eles querem o candidato deles. Então esse é o estado a que chegamos quando temos governos de direita, nem tanto de direita, mas realmente pró-Estados Unidos. Quero dizer, Brasil, Argentina, Colômbia… Santos foi independente por algum tempo; você tinha outros governos independentes, e agora todos esses governos se tornaram subservientes à política externa dos Estados Unidos no hemisfério de maneira que não haviam sido em décadas. E nós nunca tivemos ninguém como Luis Almagro na Organização dos Estados Americanos por uma década. Ele tem uma cruzada fanática contra a Venezuela e ele está até apoiando mais sanções petroleiras contra a Venezuela. Então isso é algo – e você tem México também, que costumava ter uma política externa independente que data da Revolução Russa. Eles foram praticamente o único país que se recusou a cooperar com os Estados Unidos sobre Cuba depois da Revolução Cubana. E eles estão nos bolsos da política externa dos Estados Unidos também. Então isso é um grande retrocesso, que os Estados Unidos usem a terminologia da guerra fria. Isso é o que sempre eles quiseram, desde 20 anos atrás, simplesmente se livrar de qualquer governo de esquerda que você possa. E é isso que eles estão tentando fazer agora.