Lula entra hoje para a prisão. Sairá algum dia? O enigma traiçoeiro de Rosa Weber
Por Bajonas Teixeira,
As articulações para a próxima fase do combate judicial no Brasil, que visa passar da prisão temporária de Lula para a definitiva, já começaram hoje à todo vapor. É o que se vê pela matéria do UOL que usamos para ilustrar esse artigo. Quem pense em viver o luto e lamber feridas, será atropelado pelos fatos. O tempo ganhará uma celeridade impressionante nessa próxima semana. A velocidade da ordem de prisão decretada por Moro, com sua ousadia e sucesso devastadores, tocou fundo no inconsciente dos grupos dominantes no Brasil. Eles vão querer repetir a dose, porque a repetição é a sua pulsão mais profunda.
Nem eles mesmos acreditavam que poderiam vencer de maneira tão fácil. E já que foi um passeio obter a vitória na etapa 1, a prisão de Lula, querem agora garantir logo a etapa 2, mantê-lo em definitivo no cárcere.
Alguns setores do PT sofrem de um grave fetichismo de subserviência à justiça. A célebre expressão muito usada pelas elites brasileiras – “Decisão judicial não se discute, se cumpre” -, mas que elas invariavelmente não cumprem, soa para aqueles segmentos do PT como um dogma sagrado. Isso faz toda a diferença entre um partido de classe média baixa, inseguro e irresoluto, e um partido de velhas elites e oligarquias corrompidas até o pescoço. Renan Calheiros, instado a cumprir a lei, disse simplesmente: não cumpro. E mandou passear o oficial de justiça.
Oficial de justiça que, na verdade, não é oficial coisa nenhuma. Sequer é um suboficial de justiça. Mas carrega o pomposo nome, “oficial”, como um distintivo para enganar os pé rapados e os trouxas. E os engana. No caso do PT, a ficção jurídica é aceita como realidade indiscutível.
A ficção jurídica do momento, presente nos cálculos da cúpula do PT para entregar de forma vil Lula na porta da masmorra de Sérgio Moro é das mais perigosas: “formou-se uma maioria favorável à revisão da prisão em 2a instância; Rosa Weber votará a favor dessa revisão e Lula sairá do cárcere de Curitiba pela porta da frente, de cabeça erguida.”
Nada é mais enganador. A realidade meus amigos, não é estática. Em muitos casos, a realidade sequer é realidade. Assim como Rosa Weber foi bombardeada, pela Globo, pela Folha, pelo UOL, pelo Estadão, e até pelo exército, na figura do seu comandante, e votou como mandava o figurino, de forma ainda muito mais escabrosa, todas as forças anti PT e Lula se lançarão contra ela para mudar seu “entendimento” sobre a 2a instância. E mudarão sem dificuldade.
Hoje, ainda antes da prisão de Lula, a Folha/UOL já começou o trabalho para implodir o entendimento e a decisão da ministra Rosa. Escolheu-se o mais lírico e soft dos seus colunistas. Não foi o famigerado Josias, mas a doce Mônica Bergamo. Há dois dias, Rosa Weber tinha a total convicção de que votaria em favor da prisão só após esgotadas todas as chances de defesa, isto é, só após a 4a instância. Mas a alma de um ministro do STF não é coisa que venha de dentro para fora. Ela é como as partículas de oxigênio da atmosfera que respiramos, aspiradas de fora para dentro.
Rosa Weber já está aspirando sua nova alma, novinha em folha, aliás, que o UOL através de sua inefável vidente, Mônica Bergamo, leu em nuances fugidios na caligrafia da ministra. É claro que Rosa Weber ainda não tem a mínima ideia de que sua alma mudará em breve. Mas é o que, a céu aberto, já é legível no plano da realidade metafenomênica. Diz Bergamo, fazendo a leitura… de sinais:
Eis aí a leitura de sinais. A construção pela mídia da nova alma de Rosa Weber será facílima. Quem assistiu ao seu voto contra o HC de Lula, e testemunhou a mistureba mais sem critérios de todo o fim de feira intelectual possível, percebeu que na sua arquitetura não há nada que se sustente em pé. Mas, o pior, no quadro geral, foi que ela votou contra sua propalada convicção, que repudiaria a prisão na 2a instância, legitimando a injustiça e levando à prisão um indivíduo, Lula, inteiramente inocente. Rosa sabia que estava cometendo uma injustiça, contra suas convicções e contra um cidadão inocente. Nada a deteve. Ela preferiu ser submissa à maioria do colegiado, formada em outra ocasião, que aos seus próprios princípios.
Quem primeiro tirou as consequências abjetas dessa posição da ministra foi Roberto Romano, intelectual ligado ao PSDB (ou, pelo menos, o PSDB parece ser ligado a ele), dotado de grande honestidade e integridade intelectuais, que manifestou a maior e mais articulada das indignações contra o STF e a vergonha dos seus ministros que votaram contra Lula. Disse Romano sobre Rosa Weber:
“Como que ela diz que é contra a prisão em segunda instância e vota a favor dela em um caso concreto? Imagine a seguinte situação: ela é juíza na Alemanha nazista e acredita que a cassação dos direitos civis dos judeus seja errado. Ela votaria a favor só para ir com a maioria que nem ela fez?”
Sim. Votaria, pela lógica dos seus argumentos. E, agora vem o pior: se Rosa Weber vota contra o direito dos cidadãos, e comete injustiças às dezenas rejeitando os habeas corpus que chegam à sua mesa, apenas porque prefere trair suas convicções e ficar com o suposto entendimento majoritário do STF (nos últimos tempos, contra suas convicções, ela negou 58 dos 59 HCs que baixaram na sua mesa), imagine-se que força não terá sobre ela outra maioria, a maioria formada pelas forças que criam a realidade no Brasil (a mídia e as ‘instituições respeitáveis’). Por falar nisso, Roberto Romano acredita que Rosa Weber foi pressionada pelo recado ameaçador que o chefe do exército, o general Villas Bôas, postou no twitter na véspera da votação:
“Para mim foi muito claro o que aconteceu, o recado do general tinha alvo certo”, afirma o professor. “Ela entendeu e acatou, fez o que tinha que fazer.”
Bem, agora imagine-se essa pressão propagada pelos mil autofalantes, e pelos dez mil orifícios, da mídia, das instituições e, claro, dos juízes de todo o país, dos procuradores, das associações de juízes, de procuradores, e até de guardas municipais de pracinhas do interior. O que ocorrerá?
Ocorrerá exatamente a mutação que a visionária Mônica Bergamo já psicografou nas entrelinhas mal traçadas de Rosa Weber. Ela dará a maioria. Mas não contra a prisão em 2a instância, como dizia pensar até ontem, mas sim a favor. Com isso, confirmada a legalidade de sua prisão em segunda instância, Lula estará como uma múmia dentro do seu sarcófago enterrada em uma pirâmide submersa sob as areias do deserto.
Isso não se deve, é verdade, apenas ao PT e ao seu fetichismo jurídico. Se deve também a falta da mais leve noção de lealdade da imensa maioria da população brasileira. Houvesse ela movido um dedo, nada disso estaria acontecendo. Aquilo que se viu no sindicato dos metalúrgicos só impressiona amadores, para os quais qualquer dois ou três pneus queimados pelo MST numa estrada já fazem pensar em revolução. Nada disso. Aquilo não é nada. Não chega a ser uma pulga no imenso corpo do país.
Portanto, continuando esse povo apático, de milhões de jecas tatus portadores de smartphones; continuando a submissão de baixo funcionalismo público do PT à justiça; continuando a volubilidade mercurial de Rosa Weber, que só tende a aumentar com a adulação da mídia, Lula só terá um meio de transporte para sair da masmorra de Sérgio Moro: um caixão pago pelo sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo coberto com a bandeira do seu Corinthians do coração.
A não ser, evidentemente, que ocorra uma guinada muito grande na cultura política de submissão historicamente dominante no PT. A lógica dos submissos é a de que sendo bonzinhos e obedientes serão recompensados no final. A prisão de Lula é mais um fato, entre milhares de outros, a demonstrar o erro dessa apreciação.
Se se quer analisar a realidade política, é importante deixar de lado todo sentimentalismo barato, todas as ficções oportunas criadas para justificar as derrotas, e, pior que tudo isso, todas as boas esperanças acesas por sentimentos religiosos. Como a cada derrota os sentimentos tendem a se tornarem mais fortes, e mais tirânicos, quem analisa um fracasso corre sérios riscos. Quase os mesmos que os portadores de más notícias. Ainda mais quando os fatos estão tão quentes que os dedos temem tocar neles. É nítida a preferência, nos desastres, pela solenidade sentimental e pelas estorinhas reconfortantes. Mas a frieza é o único antídoto conhecido para evitar as derrotas seriais.