(O prefeito de Niteroi, Rodrigo Neves, discursando no lançamento da candidatura de Leonardo Giordano ao governo do Rio).
Precisamos ter uma conversa franca sobre a ideia de lançar um bloco único de esquerda, encabeçado por Marcelo Freixo, com apoio de PT e PCdoB, ao governo do Rio.
Publicada inicialmente por um colunista do jornal O DIA, a notícia parecia até um fake news, mas foi confirmada pela deputada federal Jandira Feghali, principal quadro comunista do estado.
A proposta produziu, como era de se esperar, um forte impacto, e não só no Rio. Renato Rovai, editor da Forum, escreveu imediatamente um texto entusiasmado, afirmando que “a decisão do PT e do PCdoB de apoiar o deputado estadual Marcelo Freixo se ele for o candidato do PSoL ao governo do Rio é o grande fato político do campo progressista nos últimos anos”. Dias mais tarde, diante das reações negativas vistas em setores do próprio PSOL, Rovai voltou ao tema, tentando mudar a opinião dos críticos da proposta.
O jogo político regional costuma ser mais influenciado por vaidades e intrigas do que o nacional, e os próprios analistas às vezes se deixam melindrar por essas sutilezas, evitando tocar em determinados temas. Ou então, quando vêem de fora, não as percebem.
Eu queria também dar minha opinião. E ontem, sábado, durante o lançamento oficial da candidatura de Leonardo Giordano para o governo do estado do Rio, pelo PCdoB, tive a oportunidade de conversar com muita gente sobre o quadro eleitoral no estado e também sobre a tal proposta.
A ideia é boa e o PCdoB, pelo que pude apurar, está realmente falando sério.
O próprio Giordano, entrevistado pelo Cafezinho, deixou bem claro que interpreta a sua própria candidatura como um movimento de um jogo maior, de articulação das forças progressistas do Rio de Janeiro, em torno de um projeto unificado de reconstrução de um estado devastado politica e economicamente.
A cúpula do PCdoB estava, naturalmente, presente ao evento: estavam lá Jandira Feghali, deputada federal; João Batista Lemos, presidente estadual do partido; e lideranças da juventude, como Tayná Paolino, presidente da União da Juventude Socialista (UJS) no estado e pré-candidata a deputada estadual, e Daniel Iliescu, ex-presidente da UNE e pré-candidato a deputado federal. A jovem Luana Bonone, que está assumindo a comunicação da legenda no estado, e é uma de suas principais estrategistas, regia o evento dos bastidores.
O evento contou também com a presença de importantes personalidades de outros partidos, como o prefeito de Niterói, Rodrigo Neves (PDT), o embaixador Celso Amorim (PT), que também é pre-candidato ao governo no estado, e o senador Lindberg Farias (PT).
Lideranças de diversos movimentos sociais prestigiaram a cerimônia.
O vídeo de todo o evento pode ser visto abaixo. Eu gostei especialmente do discurso do prefeito de Niterói, Rodrigo Neves (PDT), que começa mais ou menos no minuto 26:00 (ou 2:09:52, de trás para frente).
Entre as falas, no minuto 49:00 (1:47:35 de trás para frente) foi exibido um vídeo da vereadora Marielle Franco (PSOL), seguido de um emocionante discurso sobre o profundo impacto político de sua morte.
Voltemos ao tema da frente única de esquerda, com Marcelo Freixo à frente.
A ideia é boa, e a divulgação da proposta teve o efeito positivo de quebrar o tabu que existia, até então, sobre uma eventual (e inusitada) aliança entre PT/PCdoB e PSOL, que representam pólos de esquerda bastante diferentes, apesar da crescente unidade programática de todos, desde pelo menos 2015, quando passaram a formar, nas ruas e no congresso, um bloco unido contra iniciativas conservadoras, o golpe e o fascismo.
A maneira como a ideia foi lançada, no entanto, talvez não tenha sido a melhor.
Esse tipo de iniciativa precisa ser, antes de tudo, costurada entre as lideranças, e não plantada num grande jornal. Alguma liderança do PT deveria telefonar para uma liderança do PSOL, para conversar e marcar um encontro reservado. Em seguida, poderiam ser organizados debates em conjunto, sobre temas nos quais fosse possível se construir uma agenda harmônica.
Esta liderança do PT deveria ser alguém mais próximo aos quadros do PSOL, e não Quaquá, presidente estadual da legenda, que representa justamente as alas do PT mais polarizadas com o PSOL.
A maneira como a ideia foi lançada pareceu mais uma provocação, mesmo sendo, em teoria, uma ideia excelente, que encontra aceitação em boa parte da enorme esquerda social, não-partidária, não-organizada, que caracteriza a maioria da esquerda fluminense.
É preciso enfrentar o problema com franqueza. O PSOL encontrará obstáculos quase intransponíveis para se aliar ao PT. Há parlamentares do PSOL, como Renato Cinco e agora, Babá, que assumirá a vaga de Marielle Franco, que são extremamente hostis ao PT. É verdade, por outro lado, que os principais quadros do PSOL no Rio, como o próprio Marcelo Freixo e Jean Wyllys são mais próximos do PT, como prova sua participação intensa na campanha de Dilma em 2014, e na luta contra o golpe. Mas a própria maneira de se organizar das bases do PSOL, extremamente horizontalizada, deu aos setores mais radicalizados de sua militância, exatamente estes que são mais refratários ao PT, um poder de influência muito importante sobre as decisões partidárias.
Além disso, o PSOL precisa enfrentar um obstáculo perigoso para a sua sobrevivência: a cláusula de barreira. Com Marcelo Freixo puxando votos para o legislativo federal, o PSOL pode ampliar substancialmente tanto sua bancada estadual, que pode chegar a oito deputados, como a federal. Certo, não é nada que vai mudar os rumos do estado ou do país. É um cálculo puramente partidário, mas é assim que funcionam os partidos, e não só o PSOL.
Há diferenças importantes de ordem ideológica, entre os dois pólos, que ainda precisam ser equacionadas: o PSOL não encontrou, à diferença de PT/PCdoB, que já entenderam o caráter classista e imperialista da Lava Jato e do golpe, uma narrativa coerente para explicar e combater o avanço do autoritarismo judicial. Nascido do flanco lacerdista de um PT que já era o mais moralista dos partidos, o PSOL tornou-se, desde sempre, ultramoralista e, como tal, facilmente manipulável pelas cruzadas anticorrupção lideradas pelo consórcio lavajateiro. Ao mesmo tempo que facilita seu discurso eleitoral, ganhando votos, o moralismo psolista joga água no moinho da juristocracia violenta que estamos vendo emergir no país.
O partido, a meu ver, vê-se perante um dos dilemas mais difíceis de sua breve história: ou critica a Lava Jato, perdendo votos da classe média , zona sul, que herdou do PT, e, coerente com sua ideologia profunda, que é socialista, combate esse imperialismo travestido de justiça, que vem devastando o país e, com força especial, o estado do Rio; ou continua a favor da correnteza midiática e se concentra na crítica moralista da corrupção, de olho nos votos que pode herdar dos eleitores arrependidos e confusos do PMDB.
Ambas as opções são difíceis. Eu acho a primeira mais coerente, todavia, além de ser a única que permitirá ao partido conquistar votos além da classe média.
A proposta do PT/PCdoB, apesar dessas ressalvas, acelera um debate que é urgente e necessário. O PSOL talvez não possa, em virtude de suas agitações internas, participar, num primeiro momento, da frente única, mas esta pode ser formada por outros partidos: além dos dois tradicionais aliados, a frente poderia atrair o PDT e o PSB, o que daria chance de repetir a mesma costura a nível nacional.
Além disso, não sendo possível uma frente unificada no primeiro turno, é preciso construir, desde já, a viabilidade dela para o segundo turno das eleições.
Rodrigo Neves, prefeito de Niteroi e coordenador da campanha de Ciro Gomes no Rio, não parecia refratário a ideia de um bloco único no estado, e seu discurso, no lançamento da candidatura de Giordano, revela um quadro político ainda aferrado a convicções profundamente progressistas.
Outro ponto discutido no lançamento da candidatura de Giordano é que as soluções para o Rio tem de ser articuladas, necessariamente, com o governo federal, de maneira que essas eleições no estado serão, mais que nunca, nacionalizadas. Não será possível, ao Rio, soerguer-se economicamente sem investimento federal e sem uma retomada vigorosa das indústrias devastadas pela Lava Jato.
Independente das vicissitudes e idiossincracias partidárias, sectarismos, cicatrizes, ressentimentos, o fato é que os partidos de esquerda, ou progressistas, ou nacionalistas, ou tocados por um mínimo de comprometimento com o bem estar da população, precisam pensar além de si mesmos. O drama social do Rio de Janeiro – e do Brasil – vai demandar uma criatividade revolucionária para que possamos encontrar soluções políticas objetivas para nossos problemas.