Ainda não tive tempo e, admito, estômago para assistir a série Mecanismo. É impressionante o ataque simbólico que vem de todos os lados contra Lula e o PT. Fizeram filme sobre a Lava Jato, série sobre a Lava Jato, a Lava Jato ocupa, há quatro anos, todos os noticiários.
O país só afunda desde que a operação começou. Fica cada vez mais pobre e mais corrupto, mas os “manifestoches” ainda seguem iludidos pelo massacre midiático diário.
Diante das consequências desastrosas da Lava Jato, é preciso ampliar os ataques simbólicos, e por isso a série.
José Padilha tornou-se um cineasta brilhantemente fascista desde Tropa de Elite, em que edulcora o assassinato e a tortura de membros da favela como um grande feito do governo do estado. Pior: separa a corrupção governamental de sua contrapartida necessária: a violência policial. O filme teve apoio do mesmo governo do estado que, supostamente, criticava…
E agora temos outro exemplo: pelos relatos que me chegam, Padilha não poderia ter sido mais desonesto. O policial federal é descrito como alguém pobre, que ganha pouco. A meganhagem é edulcorada e o sistema político, tal como preconizado por Sergio Moro em seu artigo de 2004 sobre a operação Mãos Limpas, é meticulosamente “deslegitimado”. A imprensa é tratada como instituição republicana, sem interesses escusos, desconectada dos esquemas de corrupção que grassam no país há décadas.
Além disso, como nota Dilma no artigo abaixo, há uma série de erros factuais que só podem ser ditados pela má-fé.
É como se Padilha tivesse feito uma série sobre a guerra no Vietnam, tratando os americanos como herois bonzinhos e desprendidos.
A guerra híbrida avança. Mais que nunca, urge criar uma contranarrativa, que sirva para defender os interesses nacionais.
Abaixo, uma análise da ex-presidenta Dilma sobre a série.
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O mecanismo de José Padilha para assassinar reputações
Cineasta propaga “fake news” na série de TV lançada pela Netflix. Dilma desmascara as mentiras
NOTA DE ESCLARECIMENTO
O país continua vivo, apesar dos ilusionistas, dos vendedores de ódio e dos golpistas de plantão. Agora, a narrativa pró-Golpe de 2016 ganha novas cores, numa visão distorcida da história, com tons típicos do fascismo latente no país.
A propósito de contar a história da Lava-Jato, numa série “baseada em fatos reais”, o cineasta José Padilha incorre na distorção da realidade e na propagação de mentiras de toda sorte para atacar a mim e ao presidente Lula.
A série “O Mecanismo”, na Netflix, é mentirosa e dissimulada. O diretor inventa fatos. Não reproduz “fake news”. Ele próprio tornou-se um criador de notícias falsas.
O cineasta trata o escândalo do Banestado, cujo doleiro-delator era Alberto Yousseff, numa linha de tempo alternativa. Ora, se a série é “baseada em fatos reais”, no mínimo é preciso se ater ao tempo em que os fatos ocorreram. O caso Banestado não começou em 2003, como está na série, mas em 1996, em pleno governo FHC.
Sobre mim, o diretor de cinema usa as mesmas tintas de parte da imprensa brasileira para praticar assassinato de reputações, vertendo mentiras na série de TV, algumas que nem mesmo parte da grande mídia nacional teve coragem de insinuar.
Youssef jamais teve participação na minha campanha de reeleição, nem esteve na sede do comitê, como destaca a série, logo em seu primeiro capítulo. A verdade é que o doleiro nunca teve contato com qualquer integrante da minha campanha.
A má fé do cineasta é gritante, ao ponto de cometer outra fantasia: a de que eu seria próxima de Paulo Roberto da Costa. Isso não é verdade. Eu nunca tive qualquer tipo de amizade com Paulo Roberto, exonerado da Petrobras no meu governo.
Na série de TV, o cineasta ainda tem o desplante de usar as célebres palavras do senador Romero Jucá (PMDB-RR) sobre “estancar a sangria”, na época do impeachment fraudulento, num esforço para evitar que as investigações chegassem até aos golpistas. Juca confessava ali o desejo de “um grande acordo nacional”. O estarrecedor é que o cineasta atribui tais declarações ao personagem que encarna o presidente Lula.
Reparem. Na vida real, Lula jamais deu tais declarações. O senador Romero Jucá, líder do golpe, afirmou isso numa conversa com o delator Sérgio Machado, que o gravou e a quem esclarecia sobre o caráter estratégico do meu impeachment.
Na ocasião, Jucá e Machado debatiam como paralisar as investigações da Lava Jato contra membros do PMDB e do governo Temer, o que seria obtido pela chegada dos golpistas ao poder, a partir do meu afastamento da Presidência da República, em 2016.
Outra mentira é a declaração do personagem baseado em Youssef de que, em 2003, o então ministro da Justiça era seu advogado. Uma farsa. A pasta era ocupada naquela época por Márcio Thomas Bastos. Padilha faz o ataque à honra do criminalista à sorrelfa. O advogado sequer está vivo hoje para se defender.
O cineasta não usa a liberdade artística para recriar um episódio da história nacional. Ele mente, distorce e falseia. Isso é mais do que desonestidade intelectual. É próprio de um pusilânime a serviço de uma versão que teme a verdade.
É como se recriassem no cinema os últimos momentos da tragédia de John Kennedy, colocando o assassino, Lee Harvey Oswald, acusando a vítima. Ou Winston Churchill acertando com Adolf Hitler uma aliança para atacar os Estados Unidos. Ou Getúlio Vargas muito amigo de Carlos Lacerda, apoiando o golpe em 1954.
O cineasta faz ficção ao tratar da história do país, mas sem avisar a opinião pública. Declara basear-se em fatos reais e com isso tenta dissimula o que está fazendo, ao inventar passagens e distorcer os fatos reais da história para emoldurar a realidade à sua maneira e ao seu bel prazer.
Reitero meu respeito à liberdade de expressão e à manifestação artística. Há quem queira fazer ficção e tem todo o direito de fazê-lo. Mas é forçoso reconhecer que se trata de ficção. Caso contrário, o que se está fazendo não está baseado em fatos reais, mas em distorções reais, em “fake news” inventadas.
DILMA ROUSSEFF