Barraco no STF: o antipetista grosseiro versus o lavajateiro cínico

“Há uma grande desordem sob o céu, a situação é excelente”, dizia Mao Tsé-Tung, analisando as condições políticas anteriores à revolução. É nessa frase que penso ao me informar sobre o barraco ocorrido entre os ministros Gilmar Mendes e Luis Roberto Barroso.

A briga sem-vergonha entre ministros não me alegra ou entristece, mas me proporciona, admito, um sentimento de catarse. Arriscando-me a ser vulgar, é um sentimento do tipo: quero mais que eles se explodam!

Sim, porque afinal, não há mais salvação para o STF. Em certo sentido, eles se tornaram a instituição mais sórdida de todas, porque a mais cínica, a mais hipócrita, a mais covarde.

O legislativo, em especial a Câmara dos Deputados, tem um rosto mais transparente. Uma maioria golpista fez o país passar o maior vexame da nossa história, naquela votação comandada por Eduardo Cunha. Mas tivemos os nossos herois, aqueles que vieram ao microfone para expressar a repulsa popular ao golpe. Não foram maioria, mas também não foram poucos. E, sobretudo, ali havia transparência: golpistas versus legalistas.

O STF é uma coisa mais obscura, mais tóxica. Os ministros, com seus discursos empolados, não parecem dizer coisa com coisa.

Lembram-me muito – os ministros – uma cena que eu via no sítio do meu pai, quando ele criava galinhas. Criança, eu observava fascinado o momento em que elas eram mortas. O caseiro cortava-lhes a garganta e as soltava. Antes de morrer, elas vagavam frenéticas, desvairadas, agitando os corpos sem cabeça.

A briga de ontem entre os ministros Luis Roberto Barroso e Gilmar Mendes me pareceu o entrechocar de galinhas desorientadas. De um lado, Gilmar, um antipetista furioso e maleducado, a fazer insinuações caluniosas sobre Lula e Bolsonaro, perguntando-se quem paga suas caravanas.

Ora, Gilmar é doido? Se tem acusações a fazer (e não é dever de um juiz acusar ninguém, isso cabe ao Ministério Público), que as faça objetivamente. Que seja um golpista sério, ao menos! Insinuar é coisa de moleque!

No entanto, à parte seu antipetismo doentio, que o faz se perder em devaneios repletos de calúnias e ofensas, Gilmar Mendes me parece um constitucionalista mais sério e mais corajoso do que Luis Roberto Barroso e seus chiliques neoliberais.

O “iluminista do Projac” não é mais um ministro independente. Tornou-se mais um dos advogados da Globo no STF, assim como sua colega Carmen Lucia. Ambos à serviço da Lava Jato e, consequentemente, do golpe e o desmonte do Estado.

Barroso quer assumir o lugar do legislativo (neste sentido, a crítica de Gilmar é correta), ao qual ofende grosseiramente o tempo inteiro, apesar de não usar a linguagem chula de Gilmar. Pior que isso: como advogado da Globo, converteu-se no que temos chamado por aqui de “príncipe do estado de exceção”. Sim, porque Barroso perfaz uma dança incrivelmente cínica, em que arrisca posições “progressistas” no campo dos costumes (muitas vezes de maneira inócua, porque sabe que suas posições não prevalecem), enquanto se alinha caninamente ao lado dos coturnos de toga, contra a liberdade, contra as leis sociais, contra as garantias.

Enquanto Gilmar é um golpista vulgar e truculento, Barroso é um representante mais sofisticado, e mais sórdido, da guerra híbrida que sacrificou o Brasil no altar do imperialismo (e hoje em dia, só os idiotas, e a Folha de São Paulo, acham que isso é “teoria de conspiração”).

Quando Barroso acusa Gilmar de falta de “patriotismo”, a expressão parece queimar a sua própria boca de um jeito que ele nem consegue pronunciar direito a palavra. Ele diz “patriotis” e pára por aí.

Por acaso Barroso fez qualquer manifestação, nos últimos tempos, contra a entrega do patrimônio nacional? Não, não fez.

Barroso é tão ou pior entreguista quanto Gilmar.

Até porque, a essa altura do campeonato, a gente não está mais preocupado com o Partido dos Trabalhadores, que mal ou bem sobreviverá a essa era apocalíptica. Nossa preocupação maior é com o país, cujas riquezas naturais, terras e indústrias, estão sendo dilapidadas com uma violência que só se vê em nações invadidas militarmente. E com a população, cujos setores mais pobres estão perdendo direitos a uma velocidade recorde, voltando à pobreza, ao subemprego, à miséria, à fome.

Queríamos que Barroso se indignasse com isso, e não com Gilmar Mendes!

Queríamos que Barroso se indignasse contra o Estado de Exceção, que persegue Lula, que mata Marielle, que prende e “suicida” reitores, que concentra todo o seu dinheiro na Globo!

Chilique contra Gilmar Mendes não nos mata a fome, Barroso!

Se quiser ser patriota, Barroso, eis uma lista do que você pode fazer:

1) Suspender todas as privatizações, que não podem ser conduzidas por um governo não-eleito.
2) Pressionar pela inserção em pauta da votação da inconstitucionalidade do impeachment, e trabalhar objetivamente para anulá-lo.
3) Suspender as campanhas publicitárias do governo na Globo – isso é flagrantemente inconstitucional.
4) Proibir que magistrados ganhem “prêmios” no exterior: isso é propina legalizada.
5) Anule completamente a Lava Jato, operação ilegal desde o início, baseada em delações forjadas, em processos viciados, em modus operandi ditatoriais.
6) Defender abertamente o direito político de Lula ser candidato a presidente da república em 2018, como quer a população, segundo todas as pesquisas.
7) Afastar completamente qualquer possibilidade de haver prisão (ilegal, em vista de um processo sem provas, viciado) de Lula e do almirante Othon.

O youtuber abaixo separou os “melhores momentos” do barraco entre Gilmar e Barroso.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
Related Post

Privacidade e cookies: Este site utiliza cookies. Ao continuar a usar este site, você concorda com seu uso.