(Moro e Eduardo Bolsonaro, deputado federal PSL-SP. Foto: Twitter Eduardo Bolsonaro).
Com a execução política de Marielle Franco e os ataques terroristas perpetrados ontem contra o ex-presidente Lula no sul do país, a crise brasileira assumiu ares perigosamente violentos.
Precisamos falar sobre isso.
Em 2004, dez anos antes de liderar a Lava Jato, o juiz Sergio Moro publicou um artigo acadêmico incrivelmente deslumbrado com a Manu Polite, operação que afundou a economia italiana por vários anos, destruiu seus melhores partidos políticos, levou Silvio Berlusconi e demais fascistas ao poder – e não afetou em nada a corrupção no país. O mais prestigiado escritor italiano, Umberto Eco, numa entrevista sobre Numero Zero, seu livro inspirado no populismo judicial-midiático da Manu Polite, afirmou a um jornal francês que, após a operação, “nada mudou, na verdade ficou pior”.
No texto, Moro preconizava a necessidade da “deslegitimação da política” como condição necessária para o avanço das investigações:
O processo de deslegitimação [do sistema político] foi essencial para a própria continuidade da operação mani pulite
A expressão “deslegitimação”, sempre se referindo ao sistema político, é usada cinco vezes no texto; todas as vezes numa acepção positiva, quase entusiástica. Desde então, Moro não atentava para os terríveis riscos de convulsão social e econômica que poderiam resultar de um processo de deslegitimação do sistema político em países com grande população, como Itália e Brasil.
Para que o processo de deslegitimação se consumasse, era essencial o apoio da opinião pública, e isso era obtido através de “jornais e revistas simpatizantes”:
(…) a investigação da “mani pulite” vazava como uma peneira. Tão logo alguém era preso, detalhes de sua confissão eram veiculados no “L’Expresso”, no “La Republica” e outros jornais e revistas simpatizantes. (…) os vazamentos serviram a um propósito útil. O constante fluxo de revelações manteve o interesse do público elevado e os líderes partidários na defensiva.
Moro não esconde a satisfação com o resultado desse processo deliberado de tensionamento da opinião pública contra a classe política. Ele festeja, por exemplo, alguns protestos que assumiram “ares violentos” contra políticos investigados, como a vez em que “uma multidão reunida em frente à residência de Craxi” atacou o líder do Partido Socialista Italiano com pedras, quando ele deixava sua casa “para atender uma entrevista na televisão”.
É evidente que Sergio Moro e seus cúmplices procuraram e ainda procuram, deliberadamente, instilar violência pública contra o “sistema político brasileiro”, com consequências muito mais perigosas do que as que vitimaram a Itália.
Por que mais perigosas?
Porque, ao contrário do Brasil, a Itália contava com a proteção de um grande percentual da população com acesso ao conhecimento, à alta cultura e as novas tecnologias, uma enorme quantidade de jornais, revistas e canais de TV identificados com a esquerda democrática, um altíssimo nível de industrialização, além de ser uma nação membro da União Europeia, entidade que, com todos os seus problemas, ajuda a Itália e a sua população a manter um formidável grau de estabilidade econômica e social.
Como cidadãos europeus, os italianos sempre puderam, durante a crise econômica causada pela Manu Polite, contar com a possibilidade de migrar para nações mais estáveis do continente.
Berlusconi, além disso, não tentou acabar, como está fazendo Temer, com os direitos sociais e trabalhistas dos italianos, que permanecem entre os mais avançados do mundo.
E ao fim do processo – e Sergio Moro vê isso como um dos “fracassos” da Manu Polite -, os legisladores italianos ampliaram as garantias constitucionais de empresas e cidadãos italianos, incluindo leis contra o abuso de autoridade (lei vassali, por exemplo) para que os arbítrios da operação não voltem a se repetir.
Os ataques perpetrados contra a caravana de Lula, incluindo a descoberta de explosivos num dos veículos que perseguia o ônibus do ex-presidente, devem ser levados a sério. A elite lavajateira está brincando com fogo e vai se queimar.
E de onde vieram os ataques? De setores sociais identificados com a candidatura de Jair Bolsonaro, os mesmos que formam, segundo todas as pesquisas, o núcleo duro de apoio a Lava Jato, conforme mostra a tabela abaixo, colhida de sondagem realizada ao final de novembro do ano passado, pelo Datafolha.
O Brasil vive hoje uma polarização entre Lula e Bolsonaro que é muito parecida à polarização entre Lula e Sergio Moro: 73% dos eleitores de Bolsonaro votariam num candidato apoiado por Sergio Moro, enquanto apenas 23% dos eleitores de Lula fariam o mesmo.
Os ataques contra a caravana de Lula no sul são apenas a expressão mais tosca do terrorismo judicial que a Lava Jato vem perpetrando contra o Brasil, a ponto de – pasmem! – motivar, desde o final do ano passado, editoriais assustados de um dos jornais que mais se beneficiaram com a Lava Jato, como o publicado hoje, intitulado “Operação sem fim“. Em outubro de 2017, o mesmo jornal já havia publicado um texto forte contra a operação. E já são conhecidas as invectivas cada vez mais duras de Reinaldo Azevedo, até pouco tempo o blogueiro conservador mais incensado pela grande mídia, contra a violações jurídicas e constitucionais cometidas, sistematicamente, por decisões judiciais conexas à operação Lava Jato.
A Lava Jato jamais deixou de ser o o braço armado da guerra híbrida e principal eixo de articulação do golpe.
O Brasil que emerge da operação Lava Jato – e por causa da Lava jato – é um país mais corrupto, mais violento, mais pobre e infinitamente mais autoritário.
Espero que os setores ainda ingênuos da esquerda percebam isso a tempo.