Na grande manifestação que aconteceu no Rio, no dia 15 de março, quinta-feira, a multidão entoava algo como: “por Marielle, eu digo não, não à intervenção”. Os meios de comunicação precisam ser honestos. Os assassinos tentavam silenciar não apenas a pessoa física Marielle, mas sobretudo suas ideias.
Esta é a gravidade de um crime político: ele não visa a pessoa, e sim a ideia.
Marielle lutava contra o fascismo entranhado na sociedade e no Estado, esse fascismo que não se comove com a morte de 60 mil pessoas por ano, vítimas da violência: a grande maioria jovens negros, moradores de periferias.
A primeira morte de Marielle, não pudemos evitar.
A segunda, sim, a morte moral de Marielle, vítima das campanhas fascistas, contra esta lutaremos.
Os tiroteios nos últimos dias, que vitimaram até mesmo um bebê, mostram que Marielle estava certa. Uma política de “segurança pública” que comete a insanidade de trocar tiros em áreas densamente povoadas, ao invés de investir em inteligência e planejamento, pode ser tudo, menos segurança pública.
É simplesmente guerra aos pobres, porque são estes que morrem, em grande quantidade, todos os dias. Os pobres e agentes políticos que representam esses pobres, como Marielle.
Marielle era contra soluções militares para resolver o problema do Rio, que é um problema eminentemente social.
O Rio tinha um desemprego de 5% em 2014, que explodiu nos últimos 3 anos, após a Lava Jato e o golpe.
A Lava Jato e o golpe aniquilaram os empregos do estado, empurrando os jovens para a criminalidade.
E aí o golpe vem com exército e grupos de extermínio, e ainda pedindo que se aprovem leis que dêem licença para matar?
É evidente que isso não vai dar certo.
Se as elites querem combater a violência, terão que combater também a miséria que assola as comunidades mais pobres.
Teremos que refazer o pacto social, cortando privilégios do alto funcionalismo público (juízes, procuradores, etc), e melhorando as condições de trabalho de professores, médicos e enfermeiros.
Sobretudo, é preciso esclarecer a população: quem defende direitos humanos, para todos, inclusive para foras da lei, são os homens e mulheres de bem, que lutam para preservar a democracia e a paz social.
Quem é contra direitos humanos são os bandidos, os ignorantes e a Globo. Esta última agride diariamente um dos direitos mais importantes, previsto na Constituição, que é o de termos um sistema de comunicação democrático e plural.
Temos que ensinar didaticamente ao povo: bandido é quem é contra os direitos humanos.
Essa é a diferença entre um bandido e uma pessoa de bem. O bandido é contra os direitos humanos. A pessoa de bem, é a favor dos direitos humanos, sempre, para todos.
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No JB
Últimas palavras
Em artigo enviado ao JB horas antes de sua morte, Marielle diz que intervenção não é solução
Jornal do Brasil
Por Marielle Franco
Reforma Trabalhista, PEC dos Gastos, Reforma da Previdência. O impacto dessas profundas mudanças, inspiradas em um projeto político retrógrado, alinhado com interesses que servem ao capital internacional e a setores do empresariado, arremessa um contingente de cidadãos e cidadãs para uma espiral de pobreza.
É neste contexto que tentamos ampliar o olhar sobre a Intervenção Federal na Segurança Pública do Rio de Janeiro e avaliar sua real intenção, já que o estado está em décimo lugar nos índices de violência, atrás de Sergipe, Goiás e Maranhão — para citarmos como exemplos apontados no Anuário de Segurança Pública.
Sendo assim, a Intervenção Federal busca se alicerçar numa justificativa que não tem assento na realidade. Nossa pergunta que não quer calar: por que o Rio de Janeiro?
As últimas experiências mostram que a ocupação das Forças Armadas não resolveu o problema de insegurança. Inclusive, é importante que observemos os anos em que o Exército é levado às ruas para “solucionar” uma situação emergencial. O que há em comum não é um episódio alarmante na segurança, mas o fato de que são todos anos eleitorais. O que tivemos como resultado desta política?
O interventor federal General Braga Netto declarou que “o Rio de Janeiro é laboratório para o Brasil”. E o que vemos é que neste “laboratório” as cobaias são os negros e negras, periféricos, favelados, trabalhadores. A vida das pessoas não pode ser experimento de modelos de segurança. O apontamento das favelas, como lugar do perigo, do medo que se espraia para a cidade, desperta o mito das classes perigosas, como bem ressalta a psicóloga Cecília Coimbra, colocando a favela como objeto principal e inimiga pública.
No último fim de semana, pelo menos cinco pessoas morreram e quatro ficaram feridas na Região Metropolitana do Rio. Delas, quatro eram mulheres. Alba Valéria Machado morreu ao tentar proteger o filho, em Nova Iguaçu. Natalina da Conceição foi atingida durante confronto entre PMs e traficantes na Praça Seca. Janaína da Silva Oliveira morreu em tentativa de assalto em Ricardo de Albuquerque. Tainá dos Santos foi atingida por um tiro de fuzil na comunidade Vila Aliança. São as mulheres negras e periféricas que perdem seus filhos para a letalidade. Essa estatística assustadora demonstra que mesmo às vésperas de completar um mês do início da Intervenção, a tão falada sensação de segurança não passa de um discurso político-midiático. E as mortes têm cor, classe social e território. Definitivamente a segurança pública não se faz com mais armas. Mas com políticas públicas em todos os âmbitos. Na Saúde, Educação, Cultura e geração de emprego e renda.
É premente a necessidade de monitorarmos esse processo, tendo o cuidado de lutar para que os direitos individuais e coletivos sejam assegurados, para que as instituições democráticas sejam preservadas e sigam autônomas. O contrário disso se revelaria algo bem perigoso em uma sociedade que tem uma tradição patrimonialista, pouco afeita ao trato democrático e que tem uma relação histórica violenta com sua população mais vulnerável.
* Marielle Franco era vereadora da cidade do Rio (PSOL) e relatora da Comissão da Câmara Municipal de Acompanhamento da Intervenção Federal.