(Mulher chorando, Picasso).
Mataram um poema! – Roberto Ponciano
Especial para o Cafezinho
Nunca vi uma pessoa na política tão cordata quando Marielle.
Estive em muitos eventos com ela, nunca fomos íntimos, sequer apresentados, mas o fato é que a admiração por ela chegava ao nível de 150% na esquerda.
Alguém que conseguia debater com os outros, sem ódio nos olhos e sem ver um adversário político da esquerda como inimigo.
Alguém que conseguia manter a ternura sendo testemunha de tanto sofrimento.
É angustiante saber que alguém pode atirar em Marielle.
O assassinato de Marielle me faz lembrar e muito o assassinato de Federico Garcia Lorca pelos fascistas na Espanha.
Não é só uma pessoa que mataram, é um símbolo.
Lorca, poeta, gay, dramaturgo, gênio, compositor, pesquisador, doutor.
Marielle, socióloga, lésbica, doutora, negra, favelada, mãe solteita, jongueira, pesquisadora da cultura popular.
Alguém que sofria na própria pele a injustiça ao combater o extermínimo da população negra no Brasil.
Ontem ela também foi assassinada.
Escolhida a dedo.
A inimiga perfeita do extermínio.
Uma mulher fortíssima e, ao mesmo tempo, tão delicada.
Como Lorca, que foi comparado, por Neruda, a um cordeiro assassinado por porcos, Marielle era uma borboleta.
Ela flutuava com delicadeza na política, trabalhando com ardor e paixão, mas sempre com uma sutileza, que fazia sua militância parecer surreal.
Um verso, um poema.
E eles mataram uma mulher assim.
Mataram a poesia, a doçura, a delicadeza.
Não mataram somente uma mulher, escolheram a dedo um símbolo, como um recado para todos nós.
Como o fascismo espanhol matou a Lorca para dizer que estava disposto a exterminar um povo.
Se foram capazes de matar uma pessoa tão sutil, tão delicada, tão terna, tão querida, se foram capazes de matar o poema e o sonho.
Serão capazes e estão dispostos a exterminar todos nós.
O assassinato de Marielle não é um ato isolado, é um salto na escalada do fascismo que se instalou desde o golpe.