(Repórteres Carl Bernstein e Bob Woodward na redação do jornal The Washington Post, no início dos anos 1970, sabiam que era preciso paciência).
Independente de “tretas” com blogs e deputados, continuo curioso acerca dos documentos divulgados nos últimos dias.
Investiguemos o caso com humildade e objetividade, interessados exclusivamente na verdade dos fatos.
Wadih Damous divulgou, há pouco, um dos documentos do processo envolvendo o ex-advogado da Odebrecht, Rodrigo Tacla Duran, que traz informação de que Duran não foi encontrado no endereço C/ Rio Umia, 22 – Poio, porque este endereço, segundo as autoridades espanholas, estava incompleto. Chamemos esse documento de número 2.
O site Duplo Expresso, por sua vez, havia divulgado, dias antes, com muito estardalhaço (incluindo memes de bombas atômicas), um outro documento (à esquerda na imagem abaixo), emitido pelo Ministério da Justiça do Brasil. Vamos nomear esse documento de número 1.
Os documentos são, obviamente, distintos. No documento 1, o setor de cooperação internacional do ministério da justiça do Brasil encaminha, a seu colega do ministério da justiça da Espanha, um pedido para que marque uma audiência de procuradores brasileiros com Rodrigo Tacla Durán. O local não é especificado, mas o próprio Tacla Duran informa que o depoimento seria dado diante de um juiz. Não seria uma audiência em sua casa, portanto. Seria num tribunal ou num espaço controlado pelo governo espanhol.
Na resposta que dá às perguntas do Estadão, Tacla Duran diz que anexou ambos os documentos acima, embora a reportagem, estranhamente, não os tenha disponibilizado.
O documento 1 refere-se aos processos números 5019961-43.2017.4.04.7000, cujo réu é Tacla Duran, e 5019727.95.2016.404.7000, cujo réu é Marcelo Odebrecht.
A informação contida no documento 1 dá a entender que a responsabilidade de entrar em contato com Tacla Duran seria das autoridades espanholas. Como o encontro entre procuradores e Tacla se daria num tribunal, ou numa sala de governo, e não na residência de Tacla Duran, as autoridades do Brasil não precisavam saber, naquele momento, o endereço residencial dele.
O documento 2, a julgar por ele mesmo, é de outra natureza. Pelo que podemos ler nele, trata-se de uma “notificação” direta, enviada do Brasil, com endereço anotado desde aqui. E o endereço estava incompleto.
Mas esse problema do endereço pode ser jogado nas costas de qualquer um na cadeia de comando que vai desde o juiz no Brasil, passando por procuradores e ministério da justiça, até a burocracia espanhola. Não prova nenhum crime de Sergio Moro. Ao contrário, Tacla Durán, na entrevista ao Estadão explica que Moro alerta para o fato do endereço não estar completo. Não deve ter sido muito enfático, contudo.
É um tanto bizarro que se criem, tão facilmente, ondas de credulidade, atribuindo a qualquer documento que as pessoas sequer leram ou entenderam direito, algum valor sobrenatural.
Mesmo sabendo que à Lava Jato não interessa ouvir Tacla Duran, em função das denúncias que ele tem feito contra áreas centrais da narrativa, é muito fácil para Sergio Moro e procuradores encontrarem uma desculpa qualquer para o problema do endereço.
Al Capone pode ter sido pego por sonegação de renda, mas será difícil pegar Moro por usar um endereço incompleto.
Quanto à ausência dos procuradores lavajateiros à audiência que eles mesmos haviam convocado, para o dia 4 de dezembro de 2017, a desistência deve ter sido provocada pela participação de Tacla Duran, no dia 30 de novembro, em audiência na CPMI da JBS.
No site do MPF há uma página de transparência, com todas as passagens aéreas usadas pelos procuradores federais. Não consta, de fato, nenhuma passagem para Madrid em dezembro.
Quem quiser trabalhar para entender as violações e suspeitas que recaem sobre a Lava Jato, precisa se debruçar sobre as 234 páginas de documentos vazados da CPMI da JBS. Aí tem muita coisa interessante sobre manipulação de dados, que poderiam gerar nulidades processuais sem conta.