Bastam alguns cliques para entender mais uma velhacaria das operações lavajateiras, que têm como objetivo eliminar a oposição de esquerda da competição eleitoral em 2018.
Desta vez o alvo óbvio é o ex-governador da Bahia, ex-ministro da Casa Civil, da Defesa e da Articulação Política, Jaques Wagner, que sempre esteve entre os cotados do PT para Presidente da República.
A operação não pertence oficialmente à Lava Jato, mas é um de seus desdobramentos. É uma operação lavajateira, portanto, e tem todas as suas características, inclusive a sua principal, a promiscuidade com a mídia: segundo Rui Costa, atual governador do estado, a Globo chegou à casa de Wagner antes da PF.
Agora que a candidatura de Lula está frontalmente ameaçada pela condenação do TRF4, a politização da justiça lavajateira não faz questão de se disfarçar e resolve avançar sobre possíveis substitutos de Lula.
Gleisi Hoffmann, Fernando Haddad, Lindberg Farias, só para citar os principais nomes do PT, já estão sob ataque da Lava-Jato.
A “acusação” da PF, no caso de Jacques Wagner, seria de que houve desvio de R$ 460 milhões na reconstrução da “Arena” Fonte Nova, estádio reconstruído na Bahia para a Copa de 2014.
Ainda segundo as reportagens dos jornais de hoje, este desvio, providenciado pelas construtoras OAS e Odebrecht (sempre ela) teria sido utilizado para caixa dois de campanha e pagamento de propina.
O release da PF, reproduzido em variados meios, é o seguinte:
Segundo informações da Polícia Federal, os mandados foram expedidos pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região e estão sendo cumpridos em órgãos públicos, empresas e endereços residenciais dos envolvidos em um esquema que envolve os crimes de fraude a licitação, superfaturamento, desvio de verbas públicas, corrupção e lavagem de dinheiro. De acordo com a apuração da operação, batizada de Cartão Vermelho, a licitação que culminou com a Parceria Público Privada nº 02/2010 foi direcionada para beneficiar o consórcio Fonte Nova Participações (FNP), composto pelas empresas Odebrecht e OAS. De acordo com laudo pericial, a obra foi superfaturada em valores que podem chegar a mais R$ 450 milhões de reais após correção, sendo grande parte desviado para o pagamento de propina e o financiamento de campanhas eleitorais.
Mas aí chama atenção o fato, requentado, de que o TCE baiano teria reprovado – considerando ilegal – a Parceria Público-Privada originária da obra.
Então fui procurar a notícia original, de abril de 2016, no próprio site da globo. Pronto. Lá está cristalino de onde surgiu essa quantia de R$ 460 milhões de “desvio”, sendo este o valor “atualizado”.
Ocorre que o projeto original previa a manutenção do anel inferior do estádio, segundo o relator do processo no TCE, mesmo com o desabamento do anel superior, que matou sete pessoas em 2007. O projeto foi alterado e, em 2010, o estádio foi totalmente implodido.
Aí vem a matemática da coisa.
O projeto original, ainda segundo a reportagem, custaria R$ 200 milhões, preservado o anel inferior original do estádio. O valor enfim liberado foi de R$ 323 milhões.
Com a mudança de projeto, incluindo a reconstrução total, o valor da obra saltou para R$ 639 milhões, o que daria um aumento do valor em R$ 316 milhões.
A matemática safada das reportagens de hoje subtrai o valor final do projeto modificado (R$ 639 mi), prevendo a reconstrução total do estádio, do valor do projeto original (R$ 200 mi), que previa a reconstrução parcial. Aí bastou arredondar os valores, é claro. E assim surge as propinas e caixa dois de R$460 milhões, o que “justificaria” a operação espetacular de busca e apreensão na residência de Jacques Wagner.
A reportagem de 2016 aponta, entretanto, que o aumento de custo do projeto, da previsão de R$ 200 mi, depois do projeto alterado, para R$ 639 mi, foi fruto de crítica do TCE, que deu prazo de 120 dias para as empresas do consórcio justificarem as alterações.
Voltando no tempo, as reportagens mais antigas deixam ainda mais claro que nem mesmo houve esse hiperfaturamento apontado pelo TCE em 2016.
Isto porque, em 2011 o valor total previsto para o estádio já era de R$ 591 milhões.
A Folha de São Paulo, ao dar a notícia, usa uma semântica própria para ridicularizar a reação dos petistas.
Qualquer reação do PT é sempre descrita como puramente partidária. Para isso, ignora-se as críticas suprapartidárias que a Lava Jato, e seus desdobramentos lavajateiros, vem recebendo há tempos, incluindo aí a denúncia duríssima de inúmeros juristas brasileiros importantes, além das críticas internacionais. A começar por Luigi Ferrajoli, que comparou a operação à Inquisição.
A mídia cria uma narrativa fantasiosa segundo a qual a Lava Jato não é criticada pelo mundo do direito. As críticas viriam apenas do “petismo”, e seriam críticas sem valor, falsas, porque apenas voltadas para o interesse partidário. O desprezo da imprensa, Folha inclusa, pela opinião de importantes quadros políticos, que governaram o país por muitos anos, e que sempre trataram a Folha e a imprensa em geral, com o mais profundo respeito, apenas por serem “petistas”, é estarrecedor. E não tenho outro nome para isso a não ser fascismo.
A infinidade de livros lançados contra a Lava Jato, com denúncias a seu papel central no golpe, passa ao largo do mundo fantástico da grande imprensa nacional.
O cerco midiático é tão violento que ministros do STF, tal como Luis Roberto Barroso, já devidamente convertidos – por covardia, principalmente – ao fascismo judicial, sentem-se na obrigação de prestar contas apenas aos membros da imprensa lavajateira, como o blog Antagonista.
O que chama atenção, de qualquer forma, é a adesão incondicional, chapa branca, da imprensa lavajateira ao discurso da autoridade, em especial da autoridade do sistema de repressão, ao qual tem se juntado, com um papel crescente, o TCU. Lembre-se que as prisões e conduções coercitivas de reitores e professores universitários se deram sempre após relatórios e denúncias, sempre cheios de ilações absurdas, cozinhados nos porões do TCU.
É evidente, além disso, que a operação na Bahia tem como objetivo dificultar igualmente os esforços do PT baiano de se manter no poder, abrindo espaço para as tradicionais forças da direita local, ancoradas, não por acaso, no domínio do carlismo sobre os meios de comunicação, a começar pela afiliada da Globo.
* Esse texto contou com a participação do colunista Rogerio Dultra dos Santos.