A (bizarra) entrevista do ministro da Justiça ao Correio Braziliense

(Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Essa entrevista é um clássico da ignorância e truculência das elites brasileiras em lidar com a questão da segurança pública, que é vista como uma questão de guerra, ao invés de ser analisada como um tema político e social.

A entrevista de Torquato Jardim explica a violência. É uma violência alimentada pelo próprio Estado, e por uma elite que almeja isolar-se completamente, com seus privilégios, do povo.

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No Correio Braziliense

‘Não há guerra que não seja letal’, diz Torquato Jardim ao Correio

Ministro da Justiça afirma que os militares terão de se adaptar ao combate com traficantes no Rio de Janeiro, pois a guerra é desconhecida. E não descarta alterações na legislação para dar salvaguardas às tropas, como querem os generais

postado em 20/02/2018 06:00 / atualizado em 20/02/2018 14:03

O ministro da Justiça, Torquato Jardim, compara a intervenção federal no Rio de Janeiro a uma guerra assimétrica, em que o inimigo, no caso os traficantes, tem várias frentes de ação, dificultando o trabalho das forças militares e policiais. “Essa guerra moderna não é mais aquela de 1945, com inimigos uniformizados, terreno definido e batalhão organizado”, disse ele, que foi protagonista de duas decisões do governo em nomear um general para comandar a segurança do estado fluminense e criar um ministério para coordenar as ações de combate à violência nas cidades brasileiras.

Em entrevista na tarde desta segunda-feira (19/2), na sede do Correio, Torquato disse que, no Rio, qualquer um pode ser o inimigo. “Não se sabe que arma virá, não se sabe quantos virão. O seu inimigo não tem linha de comando longamente estabelecida. Não tem um centro nevrálgico para atacar. Pior, no caso do narcotráfico e do crime organizado, está também nas fronteiras com outros países.” A missão do general Braga Netto é complexa, segundo ele. “Nessa guerra assimétrica, você não sabe nem quais são os recursos necessários, não sabe quantos homens são necessários e qual arma usar. Quantos eu preciso para a Rocinha? Não sei.”

Torquato é direto sobre o combate: “Não há guerra que não seja letal”. E diz que as forças do Estado devem se adaptar aos terrenos e aos armamentos, não descartando alterações da própria legislação, para dar salvaguardas aos militares em operação. O tema é uma reivindicação dos generais, que defendem alterações jurídicas para proteger as tropas que cometerem crimes intencionais de futuros processos, tal qual estabelecido pelo Conselho de Segurança da ONU na ocupação no Haiti. “Não temos legislação totalmente adequada. Nenhum país tem. É razoável imaginar que haja mudança legislativa. Nesse pacote que está sendo discutido pelo deputado Rodrigo Maia e pelo senador Eunício de Oliveira, é provável que esses temas sejam enfrentados.”

Torquato ainda fala sobre a criação do Ministério da Segurança e a pressão dos outros estados por ajuda do governo federal. “Marola vai ter, só não podemos deixar virar tempestade.”

Confira os principais trechos da entrevista:

Os próprios militares estão apreensivos sobre a intervenção no Rio, a ponto de alguns até publicamente questionarem a medida.
Não conheço essas fontes. Mas a preocupação de todos os envolvidos direta e indiretamente é a natureza e o treinamento militar, que não é de PM. O Exército não é PM, cada um tem sua função diversa. A questão é com que intensidade retreinar e reequipar as Forças Armadas para uma ação de PM, ainda que apenas em apoio à PM. Os próprios equipamentos militares. Aquele tanque é grande para entrar na favela, então, você precisa de um menor, um veículo mais leve. O que foi utilizado na operação do Rio é um veículo mais leve, que podia passar naquela ruazinha, mas não tinha couraça necessária. Teve que ser abandonado porque não tinha blindagem necessária. Esse é um desafio para as Forças Armadas, que força usar, com que intensidade usar, com qual equipamento disponível. As Forças Armadas não têm a experiência de ver o colega morrer. Por proteção divina, se quiser, nenhum deles foi morto até agora. Teve um baleado ligeiramente, na Avenida Brasil, meses atrás. O problema que preocupa a todos é a natureza da instituição, o treinamento dela decorrente e como bem utilizar. Se tem fuzileiro naval, uma infantaria acostumada em terreno perigoso, poderá ser uma utilização mais direta. Você tem um batalhão de infantaria na selva que está acostumado a um terreno mais perigoso, então pode entrar em uma mata. Paraquedista também está acostumado a um terreno mais agressivo. As outras unidades, não sei. Cada uma vai ter que se adaptar a um terreno, a uma circunstância. É sempre um risco.

Vai morrer gente…
Em algum momento, lamentavelmente, vai. Não há guerra que não seja letal.

Os militares estão fazendo uma pressão muito grande para ter mais salvaguardas como aconteceu, por exemplo, no caso do Haiti, com aval da ONU, inclusive os protegendo de processos futuros.
Já mudou a lei do Brasil sobre o militar ser julgado pela Justiça Militar.

Mas eles acham que é pouco. Querem mais proteção, inclusive jurídica.
Esse é um problema seriíssimo, quando em qualquer país você engaja Forças Armadas e reação civil interna. Não é uma guerra civil. Essa pergunta não tem resposta. Isso já me foi comentado em mais de uma ocasião. Se está lá com PM, Polícia Civil e Forças Armadas, se passar um guri de 15 anos de idade, você vê a foto dele, já matou quatro, entrou e saiu do centro de recuperação, uma dúzia de vezes, e está ali com um fuzil exclusivo das Forças Armadas, você vai fazer o quê? Prende. O guri vai lá e sai, na quarta ou quinta vez que você vê o fulano, vai fazer o quê? Você tem uma reação humana aí que deve ser muito bem trabalhada psicologicamente, emocionalmente, no PM ou no soldado. Você está no posto, mirando a distância, na alça da mira aquele guri que já saiu quatro, cinco vezes, está com a arma e já matou uns quatro. E agora? Tem que esperar ele pegar a arma para prender em flagrante ou elimino a distância? Ele é um cidadão sob suspeita porque não está praticando o ato naquele momento ou é um combatente inimigo? Os EUA enfrentaram esse tema como um inimigo combatente. É a noção de guerra assimétrica, estamos vivendo uma guerra simétrica.

Do que se trata essa guerra?
A guerra moderna não é a que lutamos em 1945, que você tinha terreno inimigo, inimigo com uniforme, estruturado, com batalhão, pelotão, companhia etc. Você não sabe quem é o inimigo, a luta se dá em qualquer ponto do território nacional. Você não sabe que arma virá, não sabe quantos virão. O seu inimigo não tem linha de comando longamente estabelecida, tem duas ou três linhas e acabou. Você não tem um centro nevrálgico para atacar, combater e desmontar o batalhão. O Exército não tem sede, está esparramado em qualquer lugar, qualquer ponto do território nacional. E o pior, no caso do narcotráfico e crime organizado, nas fronteiras em outros países. Esses dois bandidos que foram mortos no Ceará, de quinta para sexta, estavam operando no Paraguai. Foram ao Ceará em férias e foram pegos. Na guerra assimétrica, você não tem território, qualquer um pode ser inimigo, não tem uniforme, não sabe qual é a arma. Você está preparado contra tudo e contra todos, todo o tempo. Você não sabe nem quais são os recursos necessários, não sabe quantos são necessários e usando qual arma. Quantos eu preciso para a Rocinha? Não sei. Como você vai prevenir aquela multidão entrando e saindo de todas as 700 favelas? Tem 1,1 milhão de cariocas morando em zonas de favelas, de perigo. Desse 1,1 milhão, como saber quem é do seu time e quem é contra? Não sabe. Você vê uma criança bonitinha, de 12 anos de idade, entrando em uma escola pública, não sabe o que ela vai fazer depois da escola. É muito complicado.

Mas tem de adaptar a legislação também?
Nós não temos legislação totalmente adequada a isso também. Aliás, nenhum país tem.

A partir da pressão dos militares, pode haver mudança?
É razoável imaginar que haja uma mudança legislativa. Esse pacote que está sendo discutido pelo deputado Rodrigo Maia e pelo senador Eunício de Oliveira. É provável que esses temas sejam enfrentados.

Se essa intervenção der certo, põe o presidente como opção para a reeleição?
Não sei. Eu direi, do ponto histórico, que o chefe do poder Executivo, municipal e estadual, que possa ser reeleito é sempre uma opção, nunca é uma carta fora do baralho.

Uma das críticas de militares é que foi uma decisão de surpresa.
Nem açodado, nem apressado, nem surpresa. (O ato da intervenção) foi pensado durante semanas, conversado, apenas em um círculo íntimo do presidente da República, do qual sempre participou o ministro da Defesa. Portanto, as Forças Armadas estavam cientes do que se passava. Não é uma decisão que você anuncie em praça pública, no coreto. Isso não existe. Conforme se consolidavam as ideias, outros foram participando, passamos ao quadro político, ao jurídico, ao econômico e ao financeiro. Aí vieram os ministros Henrique Meirelles e Dyogo Oliveira, conversamos sobre a produção de mercado porque a intervenção suspende a votação e o processo legislativo. Então, era preciso saber das questões econômicas e financeiras quais as consequências para o mercado, para investidores. Depois, pesquisas de opinião, qual é a percepção se não passa a Previdência agora. Tudo isso foi conversado. Até que, concebida toda essa história, os comandantes militares vieram para tratar diretamente com o presidente. Até então havia sido tratado por intermédio do ministro da Defesa. Por que os comandantes militares foram chamados? Porque, pela Constituição, eles são também membros do Conselho de Defesa Nacional. Se eles iam ter posição formal em face da comissão, diante do presidente do conselho, eles também foram chamados ao diálogo e trouxeram mais informação, perspectiva. Isso significa engajamento. Houve consulta formal, naquele ambiente restrito, se aceitariam bem um general como interventor ou se preferiam um civil. Tudo isso foi estudado. Alguns de nós estudamos nomes de militares, outros de nós estudamos nomes de civis. Pelo menos uma dúzia de personalidades tiveram seus nomes imaginados e conversados entre nós, como eventuais interventores. No último passo, antes da decisão, é que os dois presidentes, da Câmara e do Senado, foram chamados, na quinta-feira.

Os comandantes militares foram chamados nessas semanas anteriores?
Foram consultados.

Qual era o núcleo inicial dessa conversa?
O presidente, com o ministro Padilha, ministro Moreira Franco, ministro da Defesa, da Justiça. Por exemplo, sobre o Ministério da Segurança Pública, o presidente e eu conversamos, pela primeira vez, em novembro. Desde então estamos cozinhando. Desde aquelas coisas que andei falando em outubro (NR: Torquato disse que comandantes de batalhões da PM são sócios do crime organizado), conversamos sobre a conveniência do Ministério da Segurança Pública. Já naquela época, alguns parlamentares falavam isso. É aquela velha frase do presidente Kennedy: “Quando uma boa ideia dá certo, tem quinhentas mães. Quando não dá certo é órfã de pai e mãe”.

Mas ainda há pouca informação sobre a intervenção…
Não vamos entregar o ouro para o bandido. O que é público? Não vai faltar dinheiro. A folha de pagamento do estado continua com o estado e já foi feito acerto financeiro com o estado. Por exemplo, a intervenção não podia sair antes porque tinha que acabar de fechar o acordo de recuperação financeira do Rio de Janeiro com a União. Não podíamos engajar a ação orçamentária do estado. Agora o estado tem orçamento. Veja que as coisas foram acontecendo. A área econômica foi avisada depois para também não atrapalhar o time dela, não ter vazamento. Foi sendo construído devagar. A inteligência, sei que o papo é velho, mas estamos falando desde julho do ano passado, não dá para revelar tudo que sabemos.

O pai da criança foi o senhor?
Não. O presidente e eu conversamos sobre isso desde novembro.

Como vai ficar essa divisão dos ministérios da Justiça e da Segurança?
É um corte cirúrgico. Historicamente, o Ministério da Justiça é um ministério de convivência política com o Congresso e jurídica, com o Poder Judiciário. É o elo entre o Executivo e o Legislativo e o Executivo e o Judiciário. Foi assim quando tomei posse. Visitei os tribunais, o Ministério Público, para recompor esse espaço tradicional de pensar as leis, as reformas, o espaço de fazer a assistência social, como a Secretaria Nacional Antidrogas, o espaço do índio, a Funai. Essa é a visão clássica que foi desaparecendo aos poucos por outras circunstâncias. O Ministério da Justiça tinha, por tradição, deveres, no direito brasileiro, conjunto do sistema e repensar códigos e legislação. Mas aí veio a ênfase na área de segurança pública. De uma certa maneira, a Polícia Federal e o governo federal sempre estiveram lá, mas não tinham a preeminência de passar a ter, nas últimas duas ou três décadas, um avanço da sofisticação da criminalidade. Então, veio esse lado forte da segurança pública, que absorve, barbaramente, o tempo do ministro de Estado. Acaba que as outras tarefas ficam com menos horas de dedicação. Você passa a ter 15 secretarias que aportam ao ministro de Estado. Fica muita coisa. É minha brincadeira: vou da tanga à toga todos os dias, da Funai à magistratura, passando pela Polícia Rodoviária Federal, Polícia Federal, Arquivo Nacional. O corte é este: você teria uma concentração de esforços com as verbas já disponíveis, uma concentração de trabalho de gerência — a motivação é política, mas a grande mudança é gerencial — você teria PF, Polícia Rodoviária Federal, Departamento Penitenciário, Secretaria Nacional de Segurança Pública, essencialmente os quatro, formando esse novo ministério.

Coordenando as polícias estaduais?
Coordenando no papel do Ministério da Justiça, que é suporte técnico, suporte financeiro e, no espaço nacional do crime, a coordenação nacional da inteligência. Um estado, por mais competente que seja suas polícias militar e civil, poderá ser unificado no combate ao crime, no mínimo, nacional. Temos que manter um espaço de coordenação de informação de circulação de drogas, de armas, um espaço nacional, que é o papel do Ministério da Justiça.

O governo federal não passará a ser mais cobrado pelos estados?
Sim. Você tem toda a razão. Será cobrado. Por isso insisto em dizer, a criação de Ministério de Segurança é para enfatizar em termos gerenciais, buscar nova capacitação gerencial da União e coordenar a ação dos estados. Porque, na Constituição de 88, essa é uma tarefa dos estados, a tarefa da União é suporte técnico, suporte político. E essa, insisto, coordenação da inteligência, a nacionalização da inteligência.

Qual o perfil desse ministro?
O primeiro traço é esse diálogo com os estados. Um diálogo firme, para deixar claro que o trabalho não é de substituição, não é de intervenção. Intervenção é só no Rio de Janeiro.

Se o plano do Rio der certo, outros estados não vão pedir ajuda também e assim jogarão a responsabilidade para o governo federal?
Esse é o risco. Esse é um desafio conceitual fantástico que terá o futuro ministro: não haver transferência de responsabilidade. Alguns governadores aplicaram mal o dinheiro, claramente. É uma questão gerencial, e nessa questão gerencial de falta de verba, por outras razões sociológicas e psiquiátricas, houve uma quebra da hierarquia das Polícias Militares e Civis dos estados. Numa instituição dessa natureza, se você quebra a hierarquia, você quebra a capacidade de operação.

As polícias capturaram os estados?
Não, não sei. Aí são 27 unidades da Federação e eu não saberia responder. Isso merece ser estudado com mais detalhe pelo interventor no Rio. O que aconteceu no Rio de Janeiro levou àquela tão falada quebra de coordenação, de ascensão política e administrativa dos comandantes, dos governadores sobre as coisas de Estado. Isso agora está muito falado, está muito em muitos jornais, todos estão comentando isso. O desafio será retomar a linha direta.

Quais os desafios?
Esse tipo de mutação genética do policial militar e civil tem que ser avaliada. Não que isso seja novidade no Brasil. Se voltarmos lá atrás, vamos voltar à Scuderie Le Cocq (um grupo de extermínio no Espírito Santo).

Há críticas sobre uma marquetagem política na intervenção…
Olha, é natural que quaisquer dessas decisões você tenha especialistas em certos meios de comunicação. Agora, é curioso que a maioria dos especialistas que eu vejo criticando temas de segurança pública são antropólogos, psicólogos. Eu vejo muito pouca gente que viveu Segurança Pública criticando.

O senhor defende a unificação das polícias?
É impossível. As duas são de naturezas completamente diferentes.

Vocês chamaram o diretor-geral da Polícia Federal para as conversas sobre a intervenção?
Não, não.

Ele não está falando muito?
Ele falou de um assunto em um terreno que está fora do poder Executivo. É expresso na Constituição que a Polícia Federal, com exclusividade, é a polícia do Poder Judiciário Federal. Enquanto ele falar desse tipo de tema, ele se reporta ao juiz federal e ao tribunal federal.

Mas a imagem da PF não fica arranhada?
Eu seria incongruente se respondesse essa pergunta. Esse assunto é da Polícia Federal, do juiz federal e do Tribunal Federal. Ele está se explicando perante o Supremo Tribunal Federal.

A rebelião de ontem já é uma reação à intervenção?
Era totalmente esperada. Tanto é que todos os presídios federais, em particular, mais que os estaduais, estão em regime de alerta. É natural que o crime organizado tente, provoque, para conhecer a capacidade de reação, de organização do poder público. Já que é uma guerra, estão testando a capacidade de cada um agir.

Há uma preocupação de que os traficantes do Rio fujam para outros estados…
Temos de ver se vai ser marola ou tsunami. Alguma coisa vai acontecer, temos que ser realistas. Alguma coisa vai acontecer, São Paulo, Minas, Espirito Santo, em consequência dessa ação no Rio. Quanto mais eficaz a ação no Rio de Janeiro, a marola vai crescer. O nosso trabalho é não deixar virar tempestade, jamais um tsunami.

O senhor é a favor da legalização das drogas?
É um negócio muito complicado. Nenhum país do mundo resolveu o problema das drogas com violência, com repressão a longo prazo, e com forças armadas, nem com legalização. Então, vamos jogar fora essa história porque isso é conversa de especialista. Nenhum país venceu essa guerra nesse esquadro. Então, o passo o seguinte, é você escolher, isso é dificílimo, a questão de equação de tolerância. Enquanto poder público, você tem que admitir uma certa quantia de droga. O seu filho nunca vai fazer exatamente o que você quer, tem umas coisinhas que você vai ter que tolerar. Então, essa equação é dificílima. Você tem histórias de sucesso, Miami, lá pros anos 1970, era uma vergonha. A Nova York que eu conheci nos anos 1970/1980 era uma vergonha. Então temos que estudar isso aí. Para você zerar o custo, é impossível, ninguém tem dinheiro para isso. Porque zerar é um custo brutal, você não consegue. Você tem que viver com a realidade. Você não pode pensar em projetar a repressão para a normalidade. Você tem uma transição, depois tem a estabilidade. Então essa história de passar leis muito mais rigorosas na repressão só se for ali no tempo certo. Imaginar que ela vai ser boa para a estabilidade, não. Porque ela gera uma intolerância, uma resistência que não vai ser acolhida na estabilidade. Então, nessa sequência, você tem que estabelecer aquela equação que eu falei: qual o custo-benefício de diminuir o mercado de 30%, 20%, 40%, 60%, 80%, aí cada estado com sua capacidade, cada estado, cada país, cada unidade da Federação. No caso brasileiro, com a sua capacidade operacional, com a participação da sua sociedade civil. Nós podemos crescer com a sociedade civil como elemento fundamental.

Uma sociedade que consome, inclusive.
Que consome. Então a sociedade civil tem que reagir, a família tem que reagir. Por isso, a importância das comunidades terapêuticas. A família tem que aceitar a ideia que tem alguém na casa dependente de drogas e tratar junto, e ser parceiro na recuperação. Não é só atividade do governo com droga, a Suíça conseguiu isso, a Holanda conseguiu isso, a Alemanha conseguiu isso. É claro que há o drogadito, sempre haverá. Mas a parceria da sociedade civil é fundamental. Se a família brasileira continuar essa postura que o governo tem que arrumar coisa, que o governo tem que fazer, não. Começa é dentro de casa.

Há risco de captura de militares pelo tráfico?
Pode ser. Esse é um problema sério. Você tem um militar engajado que fica até oito anos de serviço. Ele saindo, o armeiro, como eles chamam, especialista em montar e desmontar rifles, fazer manutenção de armas, sai sargento ganhando R$ 3.500 por mês, vai ganhar R$ 22 mil no narcotráfico e, às vezes, ele nem é de um grupo só. Ele se aluga, vai de grupo em grupo, de morro em morro.

O senhor acha que o general interventor vai ter condições de avançar sobre a banda podre da polícia?
A expectativa é essa.

É para isso que houve a intervenção?
O motivo da intervenção é a quebra da ordem pública geral. As causas da quebra da ordem pública são que o interventor terá que atacar.

Qual a principal causa dessa quebra?
Não há uma causa. É um caldeirão.

O carnaval ajudou?
No carnaval, foi uma surpresa que não houvesse policiamento suficiente. Primeiro, o carnaval do Rio de Janeiro já tem um século. Segundo, já se sabia que chegariam 3 milhões de visitantes.

O boneco do presidente Temer na escola de samba ajudou a tomar essa decisão?
Não.

O senhor fez uma crítica muito forte em relação aos comandos da PM, no final do ano passado. E sofreu várias críticas. Como o senhor avalia esse período entre a crítica e a intervenção?
As estatísticas se tornaram muito mais velozes e cresceu muito mais rápido do que se imaginava, até porque chegou o verão e sempre aumenta o movimento das praias. Mas eu fico triste de ter estado tão próximo da verdade. Não me regozijo. Eu apenas disse o que todos já sabiam. Era segredo de polichinelo.

Os estados perderam o controle?
É também uma questão gerencial, de concentrar esforços em segurança.

O problema não é dinheiro?
É gerência. O dinheiro está lá. Em dezembro de 2016, o governo distribuiu 44 milhões para 25 unidades da Federação. Mas alguns não usaram, não fizeram projetos, a ponto de ter de baixar portaria com mais prazo para os projetos.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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