(Foto: DCM)
Por Rogerio Dultra dos Santos
O Rio de Janeiro assiste, estupefato, a chegada de Michel Temer e sua trupe para a grande farsa da intervenção militar. Assumidamente uma medida de exceção, que suspende a jurisdição civil sobre ações realizadas pelas agências de segurança, a intervenção de Temer brinca com a esfarrapada desculpa do “caos” e da “violência”.
É um movimento tão canalha que remete claramente não só às intervenções da Ditadura Empresarial-Militar de 1964, mas que alude, talvez com maior paralelismo histórico, aos estratagemas dos governos da Primeira República (1889-1930). Naquele momento, o país também não dispunha de um projeto nacional, mas de um acordo velhaco que garantia a divisão do poder entre os Estados mais influentes através de um federalismo interventor.
Diferentemente do que dizem historiadores com plumagens tucanas, a Primeira República, assim como o regime Temer, nunca significou a superação do autoritarismo (seja o do Império, seja o do “Estado-Novo do PT”) ou da corrupção, mas sim o seu aprofundamento subalternizado a interesses oligárquicos, no primeiro caso, e exógenos, no segundo.
Assim, mais que uma manobra para suspender a votação da reforma da previdência, ou um “ensaio” macabro para a normalização de intervenções futuras, a medida de exceção de Temer é uma importante etapa da estratégia de controle dos interesses que sustentam o regime.
A intervenção representa, nesse sentido, um artifício global para reforçar a gerência sobre economias politicamente periféricas, como está se tornando o Brasil. Intromissão internacional que se insinua diariamente pelos soft powers, isto é, pelos instrumentos de criação artificial de opinião (incluindo produtos culturais de massa como Netflix e quejandos), ela visa derrubar a nossa autonomia proto-democrática. Para tal, gera desestabilização econômica e social, fragilização das instituições e criminalização da classe política. Tudo para subordinar o poder nacional a instâncias não-governamentais e internacionalizadas.
A intervenção militarizada por força de decreto inconstitucional prenuncia uma sabotagem na forma de governo democrático que aprofunda o golpe no mandato de Dilma Rousseff, porque é uma sabotagem capilarizada, que atinge o poder local, que inviabiliza qualquer articulação ou tentativa de resistência. Da mesma forma que as intervenções nos Estados durante a Primeira República.
A intervenção de Temer, portanto, não vem para confirmar a incompetência ou o descontrole de Pezão, governador do Rio, mas para reforçar o padrão de desprezo pela autonomia do político sobre outras esferas não majoritárias, como a judicial ou a econômica. A intervenção inconstitucional de Temer avisa, mais uma vez, que a época da política, da força do processo democrático, do respeito aos mandatos eleitorais, chegou ao fim.
A intervenção de Temer, nesses termos, é um símbolo a prenunciar que a destruição surreal que o país sofreu nesses quase dois anos desde a destituição de Rousseff ainda não alcançou o seu ápice.
A nossa tragédia é que talvez a única reação política viável diante desse quadro – onde a voz das ruas não conta mais, e onde uma greve geral parece não entrar nunca no horizonte de resistência –, teria que vir do Congresso, como uma CPI da Lava-Jato, por exemplo.
O problema não reside apenas na inviabilidade política da reação do Legislativo acontecer, e a tempo, mas do fato de que as lideranças políticas dos principais partidos (incluindo aqui 23 Senadores do PMDB, PT, PSDB e outros), e não somente Lula, sobrevivem sob a espada draconiana da nossa Justiça Lava-Jato.
Talvez a imagem que mais capte este dia de tristeza seja a da – ao meu ver – campeoníssima Escola de Samba Tuiuti, ao representar um povo por um lado bestializado, a bater panelas para a sua própria desgraça e, por outro, escravizado, submetido a um Presidente-Vampiro que suga a democracia do país e o leva para tempos cada vez mais sombrios. Será que Temer, depois do mis-en-scène do anúncio da intervenção, assistirá o desfile das Campeãs hoje à noite? Se o fizer, mais uma vez a realidade fantástica superará a carnavalização da política.