Denise Assis*
A despeito da insistência da mídia tradicional no bordão “alegria, alegria”, quando forem rever a história do carnaval de 2018 serão as imagens do desfile/protesto da escola Paraíso do Tuiuti, e a dos arrastões na Vieira Souto, a avenida banhada pelo mar de Ipanema, que darão o resumo do que foi a festa.
Desta vez estava no script. O enredo avisava que questionaria o fim da escravidão no Brasil. O que não estava previsto, foi o impacto que a concretude do conjunto de negros acorrentados, seguidos dos escravos de agora, – os trabalhadores garfados em seus direitos com suas carteiras profissionais semi queimadas -, desfilando para uma massa trabalhadora que aplaudia a evolução de seu próprio drama, das arquibancadas.
Perplexos, os comentaristas na TV mal davam conta de descrever o espetáculo de realidade e originalidade que passava diante dos seus olhos. E, o que é pior. Como falar dos “paneleiros” manipulados, se eles eram frutos da orquestração do patrão? Melhor minimizar.
Atrás, em um dos carros alegóricos mais vistosos, (e, portanto, impossível de ser ignorado ou minorado nas falas dos comentaristas), vinha o resultado pronto e acabado da orquestração. Um presidente mal ajambrado, representado por um vampiro (não só pela semelhança física com o que está lá, aboletado na cadeira presidencial), sugador do sangue dos que ralam para colocar este país em funcionamento todos os dias. Caricato como deveria ser. Horripilante como nos parece. Está aí o seu índice de rejeição que não nos deixa mentir.
Nos dias de ofegante epidemia, de alegria fugaz, (o carnaval), a platéia delirante viu desfilar diante de si, na mesma avenida por onde passaram sambas imortais, um samba popular de arrepiar, num dos momentos mais infelizes das páginas de nossa história. A pátria, que até então parecia distraída, bateu palmas para a ala de barões famintos.
Enquanto todos viam de perto uma cidade a cantar, os pigmeus do bulevar agiam freneticamente em Ipanema. Houvesse trilha sonora e estariam cantando outro enredo, ao som do qual sambaram os seus ancestrais: “me dá me dá, me dá o que é meu…”
Pela avenida chique, grupos de jovens negros erravam cegos à cata de vítimas a serem derrubadas a socos e chutes. Difícil distinguir onde estavam as vítimas. Os que tombavam defendendo suas correntes de ouro, ou os que, na falta da educação que lhes foi subtraída, tentavam levar algum, para preencher o futuro que não terão? São os nossos guris, olha aí. Eles disseram que chegavam lá.
*Jornalista e colunista de O Cafezinho