Uma crônica portoalegrense
Por Miguel do Rosário
Tenho uma história para contar que, por se ligar diretamente aos temas políticos que nos afligem, talvez lhes interesse.
Na quinta-feira 25 de janeiro, um dia após a condenação de Lula no TRF4, eu ainda estava em Porto Alegre. Tinha marcado minha passagem para a sexta, para aproveitar minha estadia na capital gaúcha e fazer algumas pesquisas correlatas aos temas abordados aqui.
Havia acordado cedo, postado um monte de conteúdo no blog e, por volta das 11 da manhã, decidi que estava livre.
Eu tinha um plano: visitar o palácio Piratini, onde Brizola e companheiros se entrincheiraram, em 1961, no movimento conhecido como Campanha da Legalidade, que derrotou o então golpe que se armava contra a Constituição e contra a soberania popular.
Tenho lido muito sobre Brizola e ficado cada vez mais impressionando como a história brasileira vem se repetindo desde os anos 50.
De um lado, uma direita furiosa, ressentida por derrotas sucessivas nas urnas, se subleva e se volta contra a ordem constitucional, embora procure sempre disfarçar sua subversão mediante o uso de um vocabulário jurídico empolado. Seu principal trunfo é o domínio dos meios de comunicação e o apoio dos setores econômicos mais retrógrados.
De outro, uma esquerda aferrada às leis, as quais, embora conservadoras, se convertem, ironicamente, por sua estabilidade, por seu caráter soberano, em bastião revolucionário e popular.
O principal trunfo da esquerda é seu histórico de vitórias eleitorais e um discurso genuinamente voltado para os interesses da maioria.
Chegado à praça Marechal Deodoro (ou praça da Matriz), dei uma volta por aqui e ali, e acabei entrando na Catedral Metropolitana. Fazia um dia nublado, seco, e aquela área do centro não tem muito movimento. Na praça mesmo, os bancos são ocupados por mendigos, aposentados, ou grupos de trabalhadores em hora de descanso. Lembro-me de passar diante de um desses grupos, que discutiam a “fortuna” de Sergio Cabral. Um homem de pé falava aos outros, sentados, que ouviam em silêncio, sobre o valor das joias do ex-governador do Rio.
A imprensa brasileira é de uma competência exemplar. Ela consegue desviar facilmente a atenção do povo, que passa a não mais enxergar o roubo diário do qual é vítima, via juros, impostos regressivos, remessa de lucros ao estrangeiro, evasão de divisas, sonegação, entrega de patrimônio público a interesses internacionais. Isso sem falar no assalto político praticado contra a soberania popular, mediante golpes judiciais ou parlamentares, derrubando representantes eleitos pelo povo (parlamentares e chefes de executivo) e fortalecendo os mandarins não-eleitos da burguesia.
São centenas de bilhões de dólares roubados, todos os anos, do bolso do trabalhador brasileiro.
Para o povo que assiste TV, porém, o ladrão é… Sergio Cabral, um infeliz condenado a 400 anos de prisão, cuja única esperança hoje é que sua mulher não fique também encarcerada, para que possa cuidar de seus filhos pequenos.
Um furgão estacionado me chamou a atenção. Era desses carros usados para transportar doentes de cidades pequenas para a capital. Trazia o símbolo do governo derrubado. Na parede da Catedral Metropolitana, ainda do lado de fora, observei placas de bronze de uns oito ou dez anos atrás, com agradecimentos a Eletrobrás e a Petrobras pelas obras de restauração…
Almocei por ali mesmo e, lá pelas 14 horas, fiz uma visita guiada ao Palácio Paratini. Não durou mais de quinze minutos. Visita mixuruca, apesar da guia simpática. Tudo o que se conhece são dois salões mal ajambrados. Num deles, os visitantes sentam-se em cadeiras e observam uma enorme pintura pendurada na parede, na qual estão representados os tipos humanos que formam o povo gaúcho. A guia informa, todavia, que, por ordem expressa do então governador, Ernesto Dornelles, o pintor não fora autorizado a incluir negros na obra… Éramos um grupo de nove pessoas, dos quais pelo menos quatro eram negros (e eram gaúchos), um era mulato (eu, carioca). Os outros eram brancos – embora talvez não fossem assim considerados em áreas racistas dos Estados Unidos.
Na escadaria do Piratini, há um busto de Getúlio Vargas, o primeiro governador a efetivamente morar no Palácio, e uma inscrição logo abaixo, bem típica da filosofia ambígua – e astuta, porque seu sentido podia ser adaptado às circunstâncias – de nosso saudoso “pai dos pobres”:
“O poder público deve compenetrar-se de que é seu dever elementar assistir às fontes de produção. Não se pode baratear a vida sem aumentar a produção; e não se pode aumentar a produção sem amparar ao produtor. Onde está o interesse do produtor, está o interesse do Brasil”.
Ambíguo, mas progressista ao entender que um governo, especialmente numa economia tão vulnerável como a nossa, deve participar da economia, sobretudo para proteger o emprego.
Ainda nas redondezas da praça da Matriz, logo atrás do palácio da justiça, fica a biblioteca do governo do estado.
Como eu sou um dos últimos amantes e frequentadores de bibliotecas do país, resolvi entrar. A biblioteca fica num prédio antigo, tem um salão com uma dezenas de mesas. As estantes de livro – pouco mais de vinte, suponho – ficam atrás, à disposição dos visitantes.
Mas acho que ninguém ali estava interessado em livros. Os frequentadores são aposentados que vão ali ler os jornais, ou estudantes que usam as mesas para fazer algum trabalho do colégio.
Mesmo sendo uma das bibliotecas mais humildes que já tive a oportunidade de visitar, de longe digna de um estado tão culto e tão rico como o Rio Grande do Sul, achei o lugar agradável. O wifi funcionava bem, o que é um pequeno milagre em se tratando de bibliotecas públicas. E, apesar do calor que assolava Porto Alegre, e de não haver ar-condicionado ali, a temperatura estava fresca e o ambiente tranquilo.
Catei um livro com a obra completa de João Simões Lopes Neto e fiquei lendo por algum tempo, alternando com pesquisas, no meu celular, sobre a guerra dos Farrapos. Por fim, encontrei uma informação curiosa e, diante dos acontecimentos da véspera, irônica.
Não sei se vocês sabem, mas o Rio Grande do Sul já foi uma “república” independente: a república riograndense, cujo brasão até hoje figura nas escadarias do palácio Piratini. Os oligarcas gaúchos se rebelaram contra o governo central, o “império”, que lhes extorquia com impostos abusivos, e decidiram assumir as rédeas do poder no estado.
Observando de longe, parece uma dessas pequenas revoltas locais, esmagadas rapidamente pelo governo, mas não: a revolução farroupilha durou mais de dez anos, 1835 a 1845.
Ou seja, foi de longe a maior insurreição já vista no país.
A informação irônica é a seguinte: em novembro de 1836, o principal líder dos Farrapos, o homem que se tornaria o maior heroi da cultura gaúcha, Bento Gonçalves Filho, foi eleito o primeiro presidente da República Riograndense enquanto ainda estava na prisão, na Bahia.
Gonçalves conseguiria se evadir apenas em 10 de setembro de 1837, com ajuda da maçonaria, e voltaria para seu estado para assumir, de fato, a presidência da república riograndense.
Eu ainda tinha uma agenda a cumprir naquele dia, e saí da biblioteca. Caminhei um pouco e cheguei ao museu Julio Castilhos. Foi a parte mais melancólica do dia, porque o museu está completamente abandonado.
Os canhões da guerra dos Farrapos, na parte detrás do museu, estão cercados de mato alto. Demorei um pouco para entender que eu estava numa área de exposição, e não num campo baldio adjacente ao museu, que eu tivesse penetrado por descuido.
Fora do museu, percorri alguns metros e cheguei ao alto do viaduto Otávio Rocha, talvez o local mais famoso de Porto Alegre. Fiquei por ali por alguns minutos admirando a vista, até que um rapaz com olhar assassino veio andando em minha direção. Sou carioca, com sexto sentido para assaltantes, e tive certeza que estava diante de um. Por sorte, ele passou direto, talvez por ter percebido que eu estava alerta. Eu tinha algum dinheiro na carteira, e ainda um cheque nominal a minha pessoa, doação de uma leitora, de modo que a situação me agastou um pouco. Então lembrei que faltava visitar o TRF4.
Havia um taxi parado a poucos metros. Fui até ele, entrei.
“Por favor, TRF4”.
O taxista ligou o carro e partiu. Era um senhor simpático, mas um pouco triste, com aproximadamente 50 anos. Ele puxou o assunto.
“TRF4, hein? Agora dá para ir lá tranquilo. Ontem, estava tudo fechado”, ele disse.
“Pois é”, desconversei. Há muito tempo perdi a paciência de conversar com motoristas de taxi, apesar de já ter tido muitas experiências surpreendentes.
“Vou dizer uma coisa. Não sei se o senhor é partidário. Mas acho o que estão fazendo com Lula muito estranho…”, ele prosseguiu.
Eu murmurei qualquer coisa, assentindo.
“Aquele apartamento, o triplex, não é dele, né?”
Eu permanecia em silêncio, mas já um pouco mais interessado no que ele tinha a dizer. Então ele fez uma coisa divertida, que eu já testemunhei tantas vezes em se tratando de Lula e do PT.
“Quer dizer, é claro que ele roubou. Roubou muito. Mas ele fez muita coisa para o povo. Para mim, pelo menos, como taxista, ele fez…”. Ele falou sobre um projeto de lei tal que Lula sancionou que teria beneficiado os motoristas de taxi.
Eu resolvi interagir um pouco e disse rapidamente o que eu pensava de Lula, que tinha sido um dos melhores presidentes da nossa história, e que esse processo não trazia nenhuma prova contra ele.
Ele rebateu que, em sua opinião, Getulio Vargas tinha sido o melhor presidente. Autointitulou-se “varguista”, e deu a entender que era filiado ao PDT. Mas continuou na linha de fazer elogios ao presidente Lula, até que chegamos ao TRF4. O papo tinha engatado e eu, mesmo tendo chegado ao destino, permaneci um ou dois minutos no carro para encerrarmos a troca de ideias.
Enfim, lá estava eu diante do TRF4, um moderno, suntuoso e gigantesco edifício, numa das áreas mais nobres de Porto Alegre.
Subi as escadas e me dirigi à recepção. Num relance, tinha visto que havia roletas na entrada, e uma quantidade enorme de seguranças privados. Aproximei-me de uma das moças e perguntei se podia fazer uma visita. Senti que ela me olhou com uma pontinha de estranheza. Ela perguntou onde eu gostaria de ir.
Como eu não tinha nenhum lugar para ir, fiquei desconcertado por alguns segundos. Pensei rápido e perguntei: tem biblioteca? Ela assentiu com a cabeça, como que rendida pela minha resposta, e me passou um crachá.
Passei pela roleta. E entrei na área interna do prédio.
Como em todo país, o judiciário é outro mundo. Enquanto prédios públicos do executivo ou legislativo nos estados e municípios são geralmente muito simples, as instalações judiciais são quase sempre luxuosas e ultramodernas.
No alto das paredes, havia paineis eletrônicos, com os nomes de cada desembargador, ao lado da sala, do processo em debate. Parecia um aeroporto.
Atravessei um longo corredor, para chegar no bloco de trás. Uma segurança me acompanhou discretamente, e com ar gentil – não sei se orientada pela recepcionista. Só me deixou quando entrei na biblioteca, no quinto-andar.
A biblioteca do TRF4 não tinha nada a ver com a biblioteca do governo do estado. É como se eu tivesse saído da Bolívia e tivesse chegado em Viena. Biblioteca moderna, computadorizada, com mesas e cadeiras novas.
Esse é o Estado judicial em que vivemos. De um lado, bibliotecas públicas e museus abandonados, funcionários sem salário, população sem serviços; de outro, instalações judiciárias nababescas, embora a qualidade do serviço oferecido à população, como vimos no caso Lula, seja a pior de todas.
Rodei um pouco por ali, olhando os livros nas estantes. Dei de cara, logo na entrada, com enormes tomos sobre Direito Tributário, de autoria do desembargador Leandro Paulsen. Desviei o olhar, quase com raiva, e voltei para perguntar à recepcionista da biblioteca, uma mocinha muito simpática, como procurar um livro. Quase nem precisei perguntar nada. Havia um computador ao lado da recepção, com caneta e papel.
Eu estava decidido. Iria ler Cesare Beccaria, clássico do iluminismo que ajudou a derrubar séculos de barbárie penal.
Peguei o endereço no computador e fui procurar o livro. Havia apenas um exemplar, felizmente disponível. Uma edição modesta, sem comentários, tão tímido em meio aos imponentes Manuais de Direito Administrativo, Direito Tributário, etc.
No entanto, este livrinho modesto de Beccaria ajudou a derrubar monarquias e impérios, ajudou a destruir um poderoso e violento universo, com milhares de anos, de barbáries e injustiça.
Enquanto procurava o Beccaria, um outro título me chamou a atenção: Teoria do Domínio do Fato, de Pablo Rodrigo Alflen, um professor formado na UFRGS, com pós-graduações nda PUC-RS.
Por fim, fui me sentar num confortável sofá branco ao fundo da biblioteca, junto a uma pequena estante de literatura, onde vi muitos best sellers de má qualidade, mas que tinha, ao menos, um exemplar de Irmãos Karamazov, de Dostoiésvki, que peguei também, mas só de onda.
Li o que pude de Beccaria. Li um pouco também o Alflen. Hoje à tarde, antes de escrever o post, voltei a esses livros.
O internauta pode ler o Beccaria na internet, em português aqui, e, em italiano, aqui.
O livro do Alflen não está disponível na internet, mas pelo que entendi a obra é baseada num longo artigo acadêmico escrito por este professor de direito criminal, publicado na Revista de Direito Penal e Política Criminal da UFRGS, que eu li há pouco com atenção.
Algumas semanas antes do julgamento no dia 24 de janeiro, fiz uma “live” com um dos parceiros do Cafezinho, o jornalista Wellington Calasans, e discutíamos sobre a guerra civil que poderia nascer de uma decisão do TRF4.
Após a decisão, alguns internautas – talvez trolls – vieram me procurar, cobrando-me, com sarcasmo, a materialização da nossa análise.
Ora, uma guerra civil, uma insurreição revolucionária, não se “decretam”. São o resultado de uma situação política insustentável, e suas causas principais são a descrença, por parte da população, de que obterá justiça pelas vias institucionais.
O judiciário brasileiro, ao promover o espetáculo grotesco do dia 24 de janeiro, ampliando a condenação do presidente Lula para 12 anos, apesar de não se ter apresentado uma mísera prova de sua culpabilidade, enrolando-se em raciocínios sórdidos, absurdos, delirantes, cometeu o mais grave erro de sua história.
O Brasil poderá, sim, viver uma insurreição revolucionária, e este judiciário inacreditavelmente corrupto será o principal responsável.
O livro de Beccaria é mais moderno que nunca. Sua filosofia, sobretudo, é infinitamente mais humana e moderna do que aquela professada pelo judiciário brasileiro.
O italiano ensina que a função do justiça não pode ser a institucionalização da vingança. Não é com severidade que se combate os crimes. A melhor maneira de lutar contra o crime, diz Beccaria, é investir em educação e premiar a virtude. Ou seja, educar o povo e pagar melhores salários à população trabalhadora.
As penas, por sua vez, devem ser brandas, assim como os processos devem ser justos e rápidos. A severidade das penas é proporcional ao nível de atraso de um povo. Um país muito atrasado, terá penas muito duras. Um país mais avançado, se contentará em aplicar penas brandas a seus infratores.
Beccaria ensinava que a justiça nunca deve acreditar na palavra de delatores, prática infame que condena o próprio delator, em primeiro lugar, ao forçá-lo a acusar a si mesmo e a seus pares.
A obra de Beccaria é o mais bonito e inteligente libelo contra a tortura já escrito. Ele explica que um juiz não tem direito de torturar, porque o réu, sendo inocente antes da sentença, não pode ser punido. A gente fica a pensar em Sergio Moro, torturando centenas de réus não condenados, através da ameaça de prisões cautelares indefinidas, sempre procurando lhes coagir a delatar.
Entretanto, o capítulo que me pareceu mais impressionantemente moderno, e que sobretudo parece falar diretamente aos nobres desembargadores do TRF4, é o intitulado “Indícios e formas de julgamento”.
Leiam esses três parágrafos:
Eu me lembrei imediatamente dos desembargadores se referindo à matéria do Globo, ou à delação, não como valendo por si mesmas, mas como confirmando uma às outras, ou seja, exatamente aquilo que Beccaria dizia ser o sinal de pouco valor do indício ou prova.
O valor maior de um indício é sua independência. Se uma matéria no jornal O Globo, falando sobre o triplex, não tem valor em si mesma, mas espera-se que adquira algum significado se juntarmos outros fatos a ela, então ela é um indício fraco.
Sobre o valor dos testemunhos de acusação, Beccaria lembra de uma regra lógica: não basta um só.
A troco de que os desembargadores do TRF4 acreditaram na palavra de um Leo Pinheiro, que mudou sua versão várias vezes, que tinha interesse em mentir e acusar, e que era um criminoso confesso e um homem derrotado, ao invés de acreditar na palavra do ex-presidente Lula e de suas mais de 80 testemunhas de defesa?
Por fim, uma das mais duras advertências de Beccaria é contra o juiz que resolve “interpretar” as leis. Isso representa uma ameaça permanente às liberdades individuais, diz o italiano, porque ficaríamos dependentes do humor do juiz no momento de sua decisão.
Quanto ao outro autor mencionado, o professor Pablo Rodrigo Alflen da Silva, ele deixa bastante claro que a teoria do domínio do fato, do jeito que é aplicada no Brasil, é inteiramente equivocada, seja por confusão teórica, seja por um confronto direto com ordenamento jurídico nacional.
Vale reproduzir a conclusão de seu famoso artigo (o qual, infelizmente, os desembargadores do TRF4 não leram, haja vista o seu voto no dia 24, em que abusaram da teoria para condenar o presidente Lula):
O exame realizado até aqui permite concluir que a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da AP 470, não adotou a teoria do domínio final do fato, desenvolvida por Welzel, nem a teoria do domínio do fato, desenvolvida por Roxin, mas sim, utilizou uma anomalia resultante da conjugação dos critérios de ambas as concepções, o que conduziu a uma absoluta contradição. Ademais, tal equívoco foi decorrente da própria dificuldade que a doutrina brasileira apresentou (e apresenta) no tocante à compreensão de ambas as concepções e de suas diferenciações, o que, inevitavelmente, se refletiu em uma práxis jurisdicional incongruente e, por ora, em uma decisão absolutamente incorreta. Por fim, cabe ter em vista que a teoria do domínio do fato de Roxin não é compatível com a ordem jurídico-penal brasileira, em virtude da opção do legislador brasileiro por um sistema unitário funcional no tocante ao concurso de pessoas.
É uma pena que os desembargadores do TRF4 não frequentem a maravilhosa e confortável biblioteca que têm a sua disposição. Ou pelo menos não parecem ter notado que, nela, há alguns livros que merecem ser examinados com mais atenção, como os que o Cafezinho citou hoje.
E se alguém achar que o Cafezinho deveria temer a ira dos juízes que, porventura, derem com as vistas nos textos publicados por aqui, eu me escudo, mais uma vez, em Beccaria.
Ao falar dos juízes, a quem chama de “déspotas subalternos”, Beccaria, alerta que eles podem se sentir incomodados com os princípios expostos em seu livro, porque eles sentem prazer em esmagar seus inferiores com o “peso da tirania que sustentam”. Num trecho irônico (coisa rara em seu livro, geralmente escrito num tom severo, quase triste), Beccaria explica, porém, que não precisa temê-los (aos juízes), porque “tiranos não lêem”.