Por Pedro Breier (com consulta histórico-filosófica ao Ms Fabiano Hanauer Abegg), direto de Porto Alegre
A história se repete.
Sempre que as ideias e ações de alguém são consideradas perigosas para o status quo, este alguém é esmagado pelo sistema.
O método de aplicar um castigo pesado no incomodante e fazer com que todos saibam da crueldade da pena, para dar o exemplo e desencorajar os incautos a insistir na ousadia, é velho. Por isso mesmo as execuções eram normalmente feitas em praça pública.
Como decepar cabeças em público já não pega tão bem hoje em dia, os donos do poder fazem todo um teatro para dar um ar de legalidade e justiça às execuções políticas.
Os desavisados que assistiram Lula ser julgado por 3 distintos senhores brancos vestidos de forma ridiculamente pomposa, misturando juridiquês com provas robustas como depoimentos do porteiro e do vizinho, provavelmente consideraram tudo muito certo, muito justo.
Mas o diabo está nos detalhes. Alguém lembrou nas redes sociais que “No julgamento mais importante da história do país, uma senhora negra serve café para três homens brancos, os quais julgarão um ex-retirante nordestino. Se não entendermos o simbolismo disso, jamais entenderemos esse país”.
Pois é.
O retirante nordestino saiu do script destinado à ralé brasileira, chegou à presidência da República, fez um bom governo – com todas as limitações impostas pela elite e as oriundas do próprio programa lulista -, tirou o Brasil da órbita dos EUA na política externa, provocou mobilidade social com bons programas sociais e educacionais. Isso tudo é imperdoável. Não pode passar batido.
O exemplo tem de ser dado. E foi.
O recado é claro: se o grande líder popular da história brasileira, primeiro lugar em todas as pesquisas eleitorais para 2018 e grande referência da esquerda pode ser condenado e preso sem provas, qualquer um pode.
Militantes, ativistas, jornalistas, políticos, sindicalistas, artistas. Qualquer pessoa de esquerda está à mercê do autoritarismo do judiciário.
Trocamos os milicos, com sua truculência explícita, por arrogantes togados que mascaram sua brutalidade com cínicas referências às leis – estas atropeladas e distorcidas sem dó, a ponto de nenhum jurista de respeito ousar defender a condenação absurda de Lula.
Estamos oficialmente sob a ditadura do judiciário – devidamente tutelada pela mídia corporativa. O sequestro de 16 militantes do Levante Popular pela PM ontem, em Porto Alegre, é uma amostra do que vem pela frente. Um dirigente do MST e membro do PT foi assassinado a tiros na Bahia, também ontem. Não temos o direito de achar que é só coincidência.
A história se repete. E a semelhança dos acontecimentos chega a ser assustadora.
Jesus Cristo foi crucificado em público. Giordano Bruno e Joana D’arc, queimados em praça pública. Tiradentes foi enforcado, esquartejado e as partes do seu corpo foram espalhadas pela cidade, em pontes e encruzilhadas, para que todos soubessem o que acontece com quem desafia o sistema.
O filósofo Sócrates, outro que desafiou o poder estabelecido, foi acusado de corromper a juventude e ensinar a descrença nos deuses. Acabou condenado à morte no ano 399 antes de Cristo.
Durante o seu julgamento ele argumentou que quem perderia com a condenação não seria o próprio Sócrates, mas a cidade de Atenas. “Ficai certos de uma coisa: se me condenardes por ser eu como digo, causareis a vós próprios maior dano que a mim”, disse Sócrates segundo Platão, que presenciou o julgamento e o relatou no livro Apologia de Sócrates.
Lula, milhares de anos depois, seguiu a mesma linha de Sócrates: “Quem está no banco dos réus é o Lula mas quem foi condenado é o povo brasileiro”, disse ontem no ato em São Paulo.
O enfrentamento com o poder é duro. O poder não perdoa: o castigo deve ser exemplar.
Entretanto, a estratégia não vem funcionando. A ideia, ao aplicar a punição exemplar, é matar as ideias de quem enfrenta o status quo.
Pois é justamente das pessoas – e de suas ideias – que fizeram o enfrentamento com o poder e foram impiedosamente perseguidas que lembramos até hoje.
Lula sabe dessa verdade profunda. O retirante nordestino que será preso para dar o exemplo disse, também ontem: “Eles não podem prender o sonho da liberdade, não podem prender as ideias. Eles podem prender o Lula, mas as ideias já estão colocadas na cabeça da sociedade brasileira.”
Ainda bem que nada é eterno neste mundo.
Esta repetição histórica insana de truculência, violência e autoritarismo há de acabar.
A luta está apenas começando.