(Sergio Moro no Wilson Center, o think tank da CIA. Foto: Wilson Center)
Vou começar hoje um trabalho que eu deveria ter iniciado meses atrás. Como eu já noticiei aqui, o livro Comentários a uma sentença anunciada já está disponível gratuitamente para download, neste link aqui.
Vamos fazer resenhas diárias sobre os artigos publicados no livro. Isso vai estimular a leitura das peças. Falarei, naturalmente, dos artigos que já li.
Se alguém quiser fazer uma resenha também, basta publicar nos comentários, que a gente transforma em post.
Hoje eu falarei do artigo de Rômulus Luis Veloso de Carvalho, intitulado “Nada sobrou do devido processo legal. A sentença é nula!”
O artigo de Rômulus (peço perdão ao autores para chamá-lo pelo primeiro nome, pois será mais fácil identificá-los assim) tem a vantagem de identificar os números dos capítulos da sentença de Moro que ele critica.
Vou transcrever alguns trechos:
“(…) o processo [do presidente Lula] ainda em curso certamente entrará para o rol de casos obrigatórios em um estudo acurado sobre como não proceder em julgamentos penais midiáticos em que se objetive seguir nos ditames constitucionais.
O grande desafio de equilibrar a liberdade de imprensa com o direito a um julgamento justo sempre foi tema sensível e, no presente caso, o que se verificou foi o completo esvaziamento de qualquer possibiliade de se chegar ao final da instrução com obediência aos ditames do devido processo legal.
(…) Em julho de 2017, no momento da sentença, não existia mais a presunção da inocência. Fora ela absolutamente destroçada pelos canais de comunicação e pelas arbitrariedades cometidas no curso da instrução. Não existia ainda imparcialidade mínima por parte do julgador que durante toda a instrução viveu em confronto direto com os defensores dos acusados.
(…) Deixando de lado a sobriedade na construção argumentativa que deveria marcar a sentença, o seu texto está repleto de adjetivações pejorativas sempre direcionadas aos defensores.
No item 57, o juízo ao se referir ao exercício do direito de defesa de provocar os tribunais para manifestação sobre eventual parcialidade do julgador qualifica as ações nesse sentido como lamentáveis. Ponto seguinte e sem explicações críveis, o juízo afirma que durante a instrução processual foram adotadas medidas questionáveis como estratégia de defesa.
Depois de gastar laudas tentando justificar decisões anteriores, como a condução coercitiva e o levantamento do sigilo das interceptações telefônicas, no item 143 o juízo voltou a taxar o comportamento do defensor do ex-presidente de inadequado, enaltecendo o episódio de destempero do advogado que representou a Petrobras na assistência de acusação ao atacar o defensor do réu, marcando em negrito as qualidades pessoais do assistente.
No ponto 147, já na folha 32, o menoscabo com os defensores fica mais evidente no tom de benevolência conjugada com ameaça velada que o juízo emprega. Aduz sem explicar que poderia ter tomado providências mais enérgicas contra o que chamou de comportamento inadequado dos defensores durante a instrução. Revela imaginar existir alguma espécie de hierarquia entre as funções durante o processo.
Esse tom de encarnar superioridade ética e a insistência na construção de uma narrativa que objetiva apequenar a defesa se repetirá em outras passagens importantes.
No item 136, o magistrado realizada uma inusitada autocitação, ao trazer para a sentença sua fala durante o interrogatório, quando transmitiu ao ex-presidente suposta segurança de que seria julgado com base nas leis e na prova do processo – como se interessassem as palavras e não o agir.
A descrita tentativa de pautar o trabalho dos defensores sim é um proceder lamentável. Não cumpre ao juízo fazer considerações sobre a qualidade do trabalho de uma ou outra parte, mas responder aos requerimentos por ela formulados fundamentalmente.
Quando se provoca o judiciário ou algum outro órgão público para se manifestar ninguém está interessado em saber a opinião do agente sobre o assunto, naquele momento quem fala é o Estado e a linguagem se impõe sóbria e técnica.
Adiante, em fls 203, no ponto 793, o magistrado simplesmente abandona a função de sentenciar e analisar a prova dos autos para novamente tecer opiniões pessoais, agora acerca das escolhas políticas que deveriam ter sido feitas para bem tratar do assunto corrupção ao longo do mandato do ex-presidente.
(…) O exemplo é que o ex-governante pecou em temas cruciais na opinião do magistrado. Deveria ele ter se empenhado em aprovar no congresso emenda constitucional para permitir a prisão a partir da decisão em segundo grau ou, ainda, em alterar a jurisprudência do Supremo nesse sentido.
Esse comentário teria espaço em algum blog, no editorial de algum jornal, em carta de opinião endereçada a imprensa, mas está registrado na sentença condenatória mesmo que em nada toque o tema objeto do debate existente no processo criminal.
Mas grave: o magistrado reclama da falta de interferência do então chefe do executivo no trabalho de outros poderes.
(…) A sentença é, portanto, nula por violar todo o processo legal. ”