É inacreditável o caos político em que o golpe de Estado de 2016, financiado por multinacionais do petróleo, articulado pelo conluio criminoso de mídia e judiciário, e operado por bandidos do naipe de Eduardo Cunha, Moreira Franco e Romério Jucá, mergulhou o país.
Após topar com um post do colega Eduardo Guimarães, em seu blog Cidadania, sobre textos político-partidários publicados no site do Exército Brasileiro, eu descubro que, em maio de 2017, o Exército autorizou, em portaria, a criação e manutenção de um blog, hospedado na página oficial da instituição.
O último artigo publicado lá é um chorume fétido do general Maynard Marques de Santa Rosa, militar exonerado por Lula em 2010, por ter feito críticas desrespeitosas à Comissão da Verdade.
O título do texto, Esquizofrenia Social, gera uma interpretação irônica, porque parece ter sido escrito por um maluco.
Pra começar, o texto traz um virulento ataque à Constituição Brasileira de 1988, considerada pelos melhores juristas do mundo como uma das mais modernas e humanas do planeta. Não é o que pensa o Exército brasileiro, a julgar pelo editorial publicado em seu blog:
O bombardeio populista e ideológico, a partir da Constituinte de 1988, consolidou uma cultura de direitos sem deveres e minou o princípio da autoridade.
Qual seria o “bombardeio populista e ideológico” feito a partir da Constituição de 88?
O de que “todo poder emana do povo”. Ou seriam os princípios de dignidade humana inscritos na Carta Magna?
Eu fico imaginando o que aconteceria se um general norte-americano, chinês, francês ou alemão, usasse o site oficial de suas respectivas forças armadas para atacar a Constituição de seu próprio país…
O texto é apenas um amontoado de clichês direitistas. Não falta nem um ataque sem pé nem cabeça à “ideologia de gênero”:
Outro aspecto contumaz da agenda subliminar é a chamada “teoria do gênero”. Inventada na Europa por pensadoras feministas, pretende alterar as leis da natureza, ao derrogar os sexos, como se o homem e a mulher fossem espécies diferentes dentro do gênero humano. O que surpreende é a assimilação do conceito pela grande mídia, que vem conseguindo inculcar tal aberração na sociedade, até alcançar a legislação governamental.
Num trecho em que o general tenta um vôo intelectual mais profundo, citando o Antigo Regime e a Revolução, de Alexis de Tocqueville, ele parece tomar o lado dos… nobres.
Sobre fenômeno similar, escreveu Alexis de Tocqueville, em “O Antigo Regime e a Revolução”, que as teses dos enciclopedistas eram temas da moda entre os nobres da França no século XVIII, durante os convescotes de Paris e os saraus da Corte de Versailles, como se não lhes afetassem a própria sobrevivência.
O texto se encerra com um chamamento sinistro a uma “reação”:
Chegamos, assim, ao limiar da ordem política, econômica, social e jurídica. É hora, portanto, de reação, antes que o faça o instinto de sobrevivência coletivo, potencial criador de cenários escatológicos.
O post é aberto a comentários, e daí surge um fenômeno curioso. O chorume do chorume. Os comentários são de baixíssimo calão, e quase todos alertam para o “perigo comunista” e conclamam uma “intervenção militar”. Gilmar Mendes, ministro do STF, é atacado com violência especial, o que é um fenômeno interessante: desde que Gilmar decidiu, em nome da segurança política de seu partido, o PSDB, romper com a narrativa midiática segundo a qual político bom é político preso, ele se tornou alvo preferencial da direita hidrofóbica que ele mesmo, Gilmar, cultivou durante anos.
Como é de praxe na história brasileira desde a década de 50, a direita tem ojeriza aos códigos processuais, à política, a democracia, aos direitos humanos e à Constituição.