“O inverno está chegando”

Ontem, andando na rua, cometi a imprudência de olhar para a banca de jornal. Costumo evitar isso, mas às vezes me distraio e minha retinas pousam em terreno contaminado, o que me obriga, quase sempre, a um processo de desintoxicação mental que inclui escrever um post.

Meu cérebro registrou, num átimo de segundo, a imagem de um a manchete bizarra. Tive que retroceder uns passos para ver de novo, com calma.

A manchete do Estadão, jornal paulista que se encontra em algumas bancas de Copacabana, dizia que “Novas escolas disputam professor com altos salários”.

No subtítulo, a informação bizarra: “Colégios com mensalidades de até R$ 8 mil acirram concorrência com tradicionais e aquecem mercado”.

Eu fico imaginando se a imprensa brasileira tem ideia do quanto esse tipo de jornalismo se tornou caricatural.

Caricatural, mas sádico. Ao invés de matérias que informem, à sociedade, sobre o real estado da educação em São Paulo e no país, o Estadão publica uma reportagem acrítica, encomiástica, sobre as “novas” escolas de elite da capital.

Quem tem R$ 8 mil para pagar numa mensalidade escolar? E se a pessoa tiver dois filhos, será de quanto? De R$ 16 mil?

Como assim, esse tipo de escola “aquece o mercado”? Isso é, evidentemente, uma mentira.

No mesmo dia (domingo, 7/jan/17), a Folha divulgava, na capa, mas numa chamada pequena, na parte inferior, sem destaque, que “Venda de comida melhora oferta de emprego”.

O que chama atenção é que a notícia não é exatamente as escolas de R$ 8 mil, nem a “melhora do emprego” proporcionada pela venda de “marmitas na calçada”, e sim a degradação do jornalismo brasileiro. Isso sim é notícia!

Por isso eu me sinto, às vezes, agastado com esses novos e moderninhos sites de “jornalismo”.  A sensação que eu tenho é que, se estivéssemos na Alemanha dos anos 30, eles fariam matérias tipo: “Entenda, com infográficos, porque o nazismo está crescendo no Brasil”, sem nenhuma pegada realmente crítica!

Na série Game of Thrones, o lema da família Stark é que o “inverno está chegando”, que significa, suponho eu, uma postura alerta diante da vida e do futuro. É um lema que o Cafezinho gostaria de adotar também. Há um inverno chegando.

Se a “recuperação” econômica vendida pela mídia é essa, o espetáculo de 500 mil pessoas vendendo marmita na rua, de um lado, e escolas com mensalidade estratosférica, de outro, então, com certeza, estamos avançando, a passos acelerados na direção de um futuro distópico, apocalítptico.

A menos, é claro, que haja uma reviravolta política, ou seja, que a população eleja um candidato totalmente contrário às diretrizes emanadas de jornais como Estadão, Folha e Globo, e que lidere, entre outras coisas, um processo revolucionário de transformação da educação brasileira.

Estou lendo uma biografia de Leonel Brizola, escrita pelo jornalista e blogueiro FC Leite Filho. Quando prefeito de Porto Alegre, nos anos 50, Brizola criou centenas de escolas. Em seguida, como governador do Rio Grande do Sul, construiu mais de seis mil escolas, onde os estudantes ganhavam material escolar, uniforme, alimentação e até mesmo um tênis!

Como governador do Rio de Janeiro, Brizola construiu mais de 500 Cieps, escolas de tempo integral onde crianças e adolescentes podiam fazer 4 refeições por dia, receber aulas de professores qualificados, praticar esportes, incluindo natação numa piscina olímpica, e voltavam para casa de banho tomado.

Taí porque Brizola foi tão duramente combatido por nossas elites egoístas, as mesmas que fazem manchetes de jornal com suas escolas de R$ 8 mil ao mês.

E a arma que usaram contra o líder trabalhista sempre foram campanhas de imprensa.

É isso que as crianças deveriam aprender hoje, nas escolas.

Que o maior inimigo do país é uma imprensa cínica, covarde, elitista.

O principal problema do Brasil, hoje, é uma cultura política fundamentada numa estratégia absolutamente fascista de mistificação em massa da população.

Para que nada mude, os brasileiros precisam continuar sendo ludibriados, 24 horas por dia.

Para que tudo mude, é preciso combater as mentiras.

Talvez seja por isso que setores autoritários queiram ressuscitar leis da ditadura para combater as ‘”Fake News”.  O objetivo é o oposto: blindar justamente a mesma mídia que articulou o golpe de 2016, e que, durante os últimos 60 ou 70 anos, trabalhou sempre contra todos os esforços em prol de mais soberania e mais bem estar para a população.

A Folha de São Paulo, hoje, tem duas editorias de política: Poder e Lava Jato.

É muito interessante o que a Lava Jato se tornou, uma editoria…

A tal operação “contra a corrupção” é inteiramente baseada em delações forjadas, espionagem ilegal e vazamentos criminosos.

Mas isso é assunto para outro post.

 

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
Related Post

Privacidade e cookies: Este site utiliza cookies. Ao continuar a usar este site, você concorda com seu uso.