Algumas dicas para os próximos passos da resistência

A imprensa corporativa brasileira é o núcleo do autoritarismo, do golpe e do pensamento conservador no país.

Apenas como ilustração, segue o tweet publicado há pouco pelo Valor, um dos jornais do grupo Globo:

“Eleições complicam retomada”… É assim que a Globo vê a democracia: como um complicador.

É lamentável que setores da esquerda ainda não tenham, depois de tudo que vivemos nas últimas décadas, antes e depois dos golpes de 1964 e 2016, se apercebido do óbvio: a democracia no país não pode mais conviver com uma imprensa assim.

Quer dizer, há uma explicação.

No Brasil, a passagem do regime autoritário para a democracia se fez através de uma estratégia massiva de cooptação da intelectualidade progressista, que não encontrou outra fonte de renda a não ser trabalhando para os mesmo grandes jornais e revistas que se consolidaram na ditadura.

É assim que todos os exilados, militantes de esquerda, intelectuais, em especial as suas franjas mais livres, mais ambiciosas, vão escrever para a imprensa conservadora.

Para se consolar da humilhação de trabalhar para o “adversário”, irão jurar, a seus amigos, correligionários e leitores, que sua liberdade nunca foi tolhida, que sempre puderam expor suas opiniões.

No fundo, eles sabem que isso não é verdade.

Como esses mesmos intelectuais formarão a massa crítica dos partidos políticos de esquerda, entende-se que as próprias legendas se encontrarão inteiramente contaminadas pela agenda neoliberal da grande imprensa.

Na mesma linha, os dirigentes mais vaidosos dos partidos de esquerda, além de seus intelectuais orgânicos mais ansiosos em interferir no debate público, se verão escravos dessas empresas herdeiras da ditadura.

A expansão das universidades públicas, na era Lula/Dilma, abrirá uma nova grande frente de trabalho para a intelectualidade progressista. Não é por outra razão que as forças golpistas, centradas no aparato repressivo, se voltam com muita agressividade contra a comunidade acadêmica, vista como um núcleo importante ao redor do qual a inteligência popular pode organizar uma resistência pacífica importante.

Lembro-me que, no auge da luta contra o impeachment, Dilma Rousseff publicou um artigo na área de assinantes, da Folha… O que não teria importância, caso ela houvesse enviado, regularmente, artigos exclusivos para outros órgãos de imprensa, incluindo os alternativos.

Não, apenas a Folha teria o privilégio de receber material exclusivo da presidente da república.

Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo e hoje coordenador da pré-campanha de Lula à presidência da república, apesar de suas críticas formais ao monopólio da mídia, nunca fez uma autocrítica às estratégias de sua própria administração, que nunca empoderou os centenas, quiçá milhares, de projetos de mídia alternativa que pululam na gigantesca periferia paulistana.

O secretário de comunicação de Haddad repetia a velha fórmula de ser o “amiguinho” de jornalistas da grande imprensa conservadora, e não escondia sua hostilidade por empreendimentos da mídia independente, a quem acusava de só pensarem em “dinheiro”. Ou seja, enquanto criminalizava a pobreza da mídia alternativa, vítima de décadas de políticas de comunicação voltadas exclusivamente para as grandes empresas, a prefeitura petista despejava milhões de reais na mídia tradicional.

A mesma coisa fazem hoje os governos de Minas e Bahia. Mesmo após Michel Temer ter, publicamente, sob pressão da grande imprensa, anunciado que sua primeira medida de governo seria cortar qualquer repasse publicitário a órgãos não-alinhados ao golpe, o Partido dos Trabalhadores não foi capaz de mobilizar seus próprios governadores, para que entrassem em campo compensando as perdas da imprensa alternativa contra a perseguição descarada promovida pelo consórcio golpista formado por governo Temer e mídia corporativa.

No dia seguinte ao anúncio dessa violência cometida por Michel Temer, os governos estaduais do PT, e de outros partidos não-alinhados ao neoliberalismo, deveriam ter vindo à público para afirmar que não concordavam com isto, e que a opinião publica brasileira não poderia ficar à mercê de uma imprensa que, pela segunda vez em algumas décadas, servia de esteio a um golpe de Estado.

O comportamento de governos estaduais e prefeituras do Partido dos Trabalhadores mostra que a legenda ainda é, por um lado, colonizada politicamente pela lógica da grande imprensa e, por outro, vítima do mesmo terror que tanto estrago fez no governo Dilma.

Desde que ainda mantenham esperanças, mesmo que tênues, de ganhar eleições, ou pior, paralisados de medo de eventuais ataques mais diretos da imprensa a suas administrações, eles continuam ancorando sua estratégia de comunicação na mídia neoliberal.

O aspecto mais covarde dessa tática é que ela é adotada apenas quando o partido está no poder. Fora do poder, Dilma, Haddad, Pimentel, esquecem o preconceito que tinham com a mídia alternativa, quando fingem desconhecê-la, e passam a frequentá-la diariamente.

O mesmo acontece durante períodos eleitorais.

Dá a impressão que esses petistas preferem ser presos, condenados a décadas de cadeia, em processos puramente midiáticos, a se rebelar contra a imprensa que os fustiga diuturnamente. É importante ressaltar que a crítica do jornalismo corporativo à esquerda partidária, como ela se dá no Brasil, não é mais democrática: a imprensa conspira abertamente com órgãos judiciais para que haja prisão ilegal de dirigentes políticos e até mesmo criminalização de seus partidos.

O terrorismo que a imprensa conseguiu infundir na mentalidade de importantes dirigentes e políticos da esquerda tradicional tem um componente quase místico – e não estou exagerando. É como se eles farejassem, por trás da imprensa comercial, toda a violência inaudita do Estado, com suas táticas escabrosas de tortura.

Admito que há razão para o medo. A imprensa comercial soube se aliar aos setores mais reacionários dos aparatos de repressão – e silenciar e intimidar os setores mais progressistas – para transformá-los em seus capangas e mercenários. E a capacidade de tortura psicológica da grande imprensa brasileira hoje é muito superior a de qualquer outro momento da nossa história.

A esquerda precisa, no entanto, mobilizar suas forças – de maneira transparente, aberta, pública, e não através de esquemas envergonhados, obscuros, o que é uma herança maldita do período da clandestinidade – para fazer o bom combate da comunicação.

As forças que ainda tem são governos estaduais, prefeituras, mandatos parlamentares, centrais sindicais, sindicatos e movimentos sociais.

E o que eles podem fazer?

Como venho fazendo há tempos, desde os primórdios do governo Dilma, dou aqui as dicas. Uma pena que o PT prefira pagar dezenas de milhões de reais a marketeiros que, em seguida, irão se voltar contra o partido, a ouvir a opinião – gratuita – de jornalistas progressistas comprometidos com valores de justiça social, distribuição de renda e desenvolvimento nacional.

A mídia contou para os dirigentes de esquerda que os jornalistas que tem lado são “engajados” e que não seriam, portanto, jornalistas de verdade.

Essa é, evidentemente, uma falácia, até porque não há jornalismo mais engajado do que aquele praticado pela grande imprensa, embora muitas vezes ele tente se disfarçar sob uma aparência, profundamente hipócrita, absolutamente falsa, de “imparcialidade”.

A iniciativa mais importante é criar um think tank progressista, que receba suporte financeiro de forças políticas do campo popular, do Brasil e do exterior, com objetivo de liderar a luta de contrainformação necessária na resistência ao golpe. Essa é uma necessidade urgente, óbvia, que eu venho explicitando, porém, há muitos anos.

Esse think tank deve ser pluripartidário, naturalmente, e daí que os partidos de esquerda precisarão conviver com um pouco de risco.

Que risco pode ser maior, afinal, do que ficar exposto, nu e desarmado, durante tantos anos, à mídia golpista?

Um think tank não pode repetir o burocratismo dos partidos. Precisa ser ágil e combativo.

A direita brasileira tem vários think tanks importantes, além das dezenas de thinks tanks norte-americanos ou europeus já presentes no país.

O que é o Wilson Center senão um think tank imperialista que serviu para apoiar todos os movimentos golpistas dos últimos anos, a começar pelo julgamento do mensalão e culminando com a Lava Jato?

Ministros do STF, procuradores-geral da república, juízes, passaram por lá desde o início da Lava Jato, sem que a esquerda brasileira desse um pio!

Se as forças progressistas não usarem as armas que ainda possuem, para salvar o país do violento retrocesso neoliberal em curso, achando que vencerá a guerra apenas incitando sua militância desarmada para cima dos tanques de guerra da mídia corporativa e de seus capangas no judiciário, as chances de vitória serão bastante reduzidas. E se houver vitória, esta não se sustentará por muito tempo.

O Brasil precisa de uma nova narrativa. É a única maneira de resistir ao golpe, e derrotá-lo.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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