Queridas historiadoras do futuro, deixo aqui mais um documento importante para vocês estudarem estes sombrios tempos que vivemos: a decisão da ministra Carmen Lucia, presidente do STF, de suspender o indulto de Natal assinado pelo presidente da república, Michel Temer.
Poucas vezes na vida, testemunhei uma campanha mais sórdida e covarde do que esta, liderada por membros do Ministério Público, em especial de seus agentes mais autoritários, como são os procuradores da Lava Jato, contra o… indulto de Natal.
De um lado, burocratas que auferem alguns milhões de reais por ano, em verba pública, através de salários, benesses, ou privada, mediante palestras regiamente pagas por instituições financeiras. Esses burocratas tem emprego vitalício garantido (não são atingidos pela reforma trabalhista). Tem aposentadoria integral garantida (ficaram fora da reforma previdenciária). Ninguém pode puni-los por nada neste mundo.
De outro, milhares de presos, a maioria com mais de 70 anos, sem voz, sem mídia, sem emprego, com suas famílias vivendo situações desesperadoras, e que, por um ato rotineiro, que acontece todos os anos, teriam suas penas e multas reduzidas, após seus casos terem sido minuciosamente, individualmente, avaliados por conselhos de especialistas.
O objetivo, naturalmente, é humanitário, mas também pragmático: reduzir a população carcerária, que atingiu, no país, um nível intolerável, totalmente incompatível com o mínimo de dignidade que qualquer país decente deve oferecer aos cidadãos que, por infelicidade, vivem a tragédia da prisão.
O ódio, a intolerância, o sadismo, a falta de qualquer sentimento de humanidade, desses procuradores, foi um dos espetáculos mais grotescos que já se testemunhou no país.
A miséria social, o desemprego, o autoritarismo de um governo que vem aprovando reformas profundamente impopulares, que destroem diretos sociais estabelecidos há muito tempo, que comprometem o futuro de milhões de brasileiros, além, é claro, do golpe hediondo que ceifou o voto de 54 milhões de brasileiros, nada disso jamais pareceu abalar os ministros do Supremo Tribunal Federal ou os procuradores da Lava Jato.
O tema que realmente os fez sair do sério foi a decisão do governo de reduzir a pena de alguns milhares de pobres coitados, entre os quais, aliás, não se encontram quase nenhuma das vítimas dos savonarolas de Curitiba.
(Apenas um condenado pela Lava Jato, um deputado sem qualquer importância, seria beneficiado pelo indulto).
O papel da imprensa nesta campanha contra a liberdade, como sempre, foi notável: não se viu nenhuma reportagem sobre casos individuais de idosos que poderiam gozar de redução de pena e voltarem ao convívio familiar.
É interessante, por outro lado, ver como essas questões realmente dividem o país.
De um lado, os omissos, os covardes, os sádicos, que se vangloriam em martirizar seres humanos que não possuem ninguém para defendê-los, que não ganham salários astronômicos do governo, que não são defendidos por corporações poderosas, que não tem apoio da mídia, e que ainda são alvo desse populismo judicial fascista que a mídia usa, desonestamente, para desviar a atenção social do verdadeiro roubo que acontece no país: o desvio de recursos públicos para instituições financeiras.
Não sei se são maioria, e não me importa.
Tenho enorme orgulho de estar entre a minoria que defende a dignidade, as leis, o bom senso, a fraternidade, a democracia.
Espero que outros ministros do STF não acrescentem mais essa indignidade a sua trajetória e derrubem a decisão de sua presidente, a tristíssima Carmen Lucia, e restituam um pouco de decência e coragem ao judiciário, o qual deveria se afastar do clamor linchatório que a mídia costuma promover junto ao populacho.
Abaixo, o documento mencionado no início do post, para desfrute das historiadoras do futuro.
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No site do STF
Ministra Cármen Lúcia suspende dispositivos de decreto que amplia regras para concessão de indulto
“Indulto não é e nem pode ser instrumento de impunidade”, afirma presidente do STF. De acordo com a ministra, dispositivos suspensos “não se coadunam com a finalidade constitucionalmente estatuída a permitir o indulto, portanto, sem fundamento jurídico válido”.
28/12/2017 17h15 – Atualizado há um dia
A presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, deferiu medida cautelar para suspender os efeitos de dispositivos do Decreto 9.246/2017 que reduziram o tempo de cumprimento da pena para fins de concessão do chamado indulto de Natal. “Indulto não é e nem pode ser instrumento de impunidade”, afirma a ministra na decisão, tomada na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5874, ajuizada pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge.
Os dispositivos impugnados são o inciso I do artigo 1º, o parágrafo 1º do artigo 2º e os artigos 8º, 10 e 11 do decreto. O inciso I do artigo 1º concede indulto natalino aos condenados que cumpriram um quinto da pena, no caso de não reincidentes, nos crimes praticados sem grave ameaça ou violência. Reduções de penas também estão previstas no artigo 2º. O artigo 8º beneficia réus que cumprem medidas alternativas à prisão ou tenham obtido a suspensão condicional do processo, e o artigo 10º extingue penas de multa e flexibiliza a reparação do dano causado. O artigo 11 prevê a possibilidade da concessão do benefício mesmo quando ainda há recursos em andamento.
A ministra explicou a natureza do indulto, adotado no Brasil desde a Constituição de 1891 “em situações específicas, excepcionais e não demolidoras do processo penal” a fim de se permitir a extinção da pena pela superveniência de medida humanitária. A medida, segundo a presidente, é um gesto estatal que beneficia aquele que, tendo cumprido parte de seu débito com a sociedade, obtém uma nova chance de superar seu erro, fortalecendo a crença no direito e no sistema penal democrático. “Indulto não é prêmio ao criminoso nem tolerância ao crime”, ressaltou. “O indulto constitucionalmente previsto é legitimo apenas se estiver em consonância com a finalidade juridicamente estabelecida. Fora daí é arbítrio”.
Em relação ao Decreto 9.246/2017, Cármen Lúcia entendeu que os dispositivos impugnados pela procuradora-geral da República não se coadunam com a finalidade constitucional do instituto do indulto, pois “esvazia-se a jurisdição penal, nega-se o prosseguimento e finalização de ações penais em curso, privilegia-se situações de benefícios sobre outros antes concedidas a diluir o processo penal, nega-se, enfim, a natureza humanitária do indulto, convertendo-o em benemerência sem causa e, portanto, sem fundamento jurídico válido”.
Crimes de “colarinho branco”
A presidente também considerou plausível a alegação da PGR de afronta ao princípio da proporcionalidade, porque os dispositivos questionados “dão concretude à situação de impunidade, em especial aos denominados ‘crimes de colarinho branco’, desguarnecendo o erário e a sociedade de providências legais voltadas a coibir a atuação deletéria de sujeitos descompromissados com valores éticos e com o interesse público garantidores pela integridade do sistema jurídico”.
Em relação à multa, a decisão destaca que a pena pecuniária “não provoca situação de desumanidade ou digno de benignidade”, e lembra que o STF firmou jurisprudência no sentido de que, para que o condenado possa obter benefício carcerário, como a progressão de regime, é imprescindível o adimplemento da pena de multa. “Indulto de pena pecuniária significa, num primeiro exame, relativização da jurisdição e agravo à sociedade”, afirma a ministra.
Para a presidente do Supremo, as circunstâncias que conduziram à edição do decreto, “que, numa primeira análise, demonstra aparente desvio de finalidade”, impõem a concessão de cautelar para a suspensão da norma. A medida, conforme assinalou, não implica qualquer dano de difícil reparação, pois os possíveis beneficiários do indulto cumprem pena imposta mediante processo penal regular, “não havendo se falar em agravamento de sua situação criminal ou em redução de direitos constitucionalmente assegurados”.
A decisão suspende os efeitos dos dispositivos apontados pela procuradora-geral até o exame do caso pelo relator da ADI 5874, ministro Luís Roberto Barroso, ou pelo Plenário do STF.
Leia a íntegra da decisão.
CF/EH